Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nunca a história precisou tanto do jornalismo

Li no site do Observatório sobre a ” Hecatombe Silenciosa ” que atinge O Globo, na esteiras de outras maciças demissões Brasil afora em jornais impressos , revistas e alguns programas jornalísticos televisivos. Li e tremi.

O que mais podemos dizer ou fazer diante desses episódios, para mim emblemáticos, de um novo  tempo que nos assusta e que exige profundas reflexões? Temos vivência suficiente da profissão para saber que, embora devastadores para todos nós, ativos  ou aposentados, podemos estar diante de situações sazonais que, embora pouco nos surpreendam, preocupa pelo que  tem de injusto e de diabólico.

Quem nunca se desesperou diante dos muitos passaralhos que rondavam nossas cabeças, algumas até coroadas? Quem nunca buscou na tenebrosa rádio-corredor as informações que vinham a conta-gotas, aumentando ainda mais o clima de insegurança que se espalhava pela redação e impactava nossa produtividade?

Desta vez, entretanto,  há um agravante e é aqui que reside o medão: o atual clima político-econômico não nos permite manter a esperança de uma recolocação a curto e até a médio prazo.

Todos os dias recebo emails de colegas à beira de um ataque de nervos. Buscam consolo e uma palavra de esperança. Não tenho nenhum deles, infelizmente, e meus nervos também não ficam nada bem diante do que ouço e vejo. Ainda que indiretamente, me sinto  impactada por tudo que vem acontecendo com nossa mídia,  jornais impressos principalmente, e me pergunto a cada email ou telefonema que recebo:  será este o canto do cisne do bom jornalismo no país?

Se a chamada grande imprensa se ajoelha ( mas não reza ) diante do que julga inevitável, o que esperar dos nanicos? Será que tudo que venho lendo e ouvindo a respeito indica a aproximação de  um grand finale constrangedor, injusto e mal dimensionado?

Não me lembro o autor, mas já passou pelas minhas mãos um livro com o título: ” Por que as empresas adoecem e fazem adoecer? ” O autor usa de metáforas para mostrar ( pelo menos tenta ) que, a exemplo do que ocorre com o organismo humano, as muitas doenças corporativas não resultam do acaso nem surgem repentinamente ou de uma só vez.

Como uma gripe, os sintomas no corpo vão sinalizando que algo não vai bem, que os remédios usados são apenas paliativos, que a febre já exige cuidados médicos para evitar uma pneumonia. O corpo fala, não podemos esquecer. A má gestão também.

Um novo holocausto?

Mas nenhuma tragédia por aqui me parece comparável à que hoje atinge essa legião de refugiados que transformam o Mediterrâneo num imenso cemitério. Estamos diante de um novo Holocausto, de uma segunda Diáspora?   Desde esta última quarta-feira, jornalistas e sociedade debatem a publicação da foto que mostra o corpo inerte do menino Aylan sendo carregado por um guarda, após ser retirada das águas turcas onde também morreram seus irmãos e sua mãe. Questiona-se ( nacional e internacionalmente ) a sua publicação, se deveria ir para a primeira página ou se não seria melhor jogá-la num canto qualquer de um página qualquer do jornal. Por que levar para a capa a fotografia de uma criança que perdeu a vida quando sua família buscava a liberdade, fugindo da barbárie que estarrece o mundo?  Por muitas razões.

A História parece estar se repetindo e o que assistimos, hoje, em tempo real, nos remete a um passado que não pode ser esquecido. Há quase 60 anos,  o mundo em geral e a Europa em particular faziam cara de paisagem diante dos horrores de Auschwitz e Treblinka, apenas para citar estes últimos, ignorando a tragédia que se abatia sobre milhões de seres humanos condenados à morte nos campos de concentração e a uma diáspora que separou famílias e espalhou mundo afora legiões de refugiados em fuga das loucuras humanas.

Sabemos o resultado desse descaso, que agora teima em se repetir.  Salvaguardadas as devidas proporções e motivações, a marcha dessa legião de homens, mulheres e crianças  pelos caminhos da Hungria em direção à Alemanha, me lembra a Grande Marcha que sacudiu a China no final dos anos 40.  Nunca o jornalismo, representado pela palavra escrita, pelos filmes ou pelas fotografias, foi tão indispensável.

Nunca a História tanto precisou dele. Nunca a presença do jornalista foi tão importante para descrever o desenrolar dos fatos que um dia farão parte da História da civilização. Há quem veja nessas tragédias nada mais do que o próprio caminhar da Humanidade, lembrando que a civilização se deu à custa do trágico, de avanços e recuos, da eterna luta pelo poder, do bem e do mal em permanente confronto. Tenho medo desses novos tempos, tenho medo desse homem novo.  Seja como for,  resta a pergunta: o que fizemos de nós mesmos?

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Magda Almeida é jornalista