Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

13 autores ao pé do rádio

Há males que vem para bem. A precariedade das telecomunicações, neste país continente, retardou em muitas décadas a viabilização de redes nacionais de rádio, como as que já existiam na década de 1930 nos Estados Unidos. O resultado positivo disso foi que a criatividade brasileira se desdobrou no desenvolvimento de múltiplas e vigorosas experiências regionais que reinventaram o uso deste meio de comunicação com o sabor das culturas de cada um dos estados brasileiros.

Neste contexto, sem dúvida nenhuma, o jeito mineiro de pensar e de fazer rádio está entre os que mais merecem ser conhecidos e estudados pelo país afora: ‘O rádio de Minas desafia a lógica das redes nacionais de reprodução de conteúdos padronizados’, diz um dos textos deste livro. E, como observa outro, ‘se a história e a memória do rádio no Brasil, com raríssimas exceções, são escritas pelo esquecimento e pelo abandono’, esta obra coletiva coordenada pela professora Nair Prata vem preencher uma importante lacuna nos estudos brasileiros de comunicação.

‘Em cada coração, uma saudade’

Ao final da primeira década do século 21, o rádio dá sinais renovados de sua vitalidade entre nós. A indústria Sony contabiliza a produção e a venda de um milhão de radinhos de pilha no país neste último ano, e não conta aí os aparelhos de procedência duvidosa adquiridos pela população no mercado informal. A indústria automobilística anuncia que despejou nas ruas um total de três milhões de veículos, entupindo mais as ruas e prolongando a audiência do rádio durante os engarrafamentos de trânsito.

Uma pesquisa do Instituto Vox Populi coloca o rádio como a mídia que desperta mais credibilidade entre os brasileiros em 2009, embora não seja considerada a mídia mais importante. Mas somada a audiência doméstica com aquela no trabalho, no lazer e no trânsito, é provável que o rádio siga sendo o meio que tem mais público no país durante 18 horas por dia (perdendo para a TV apenas das seis da tarde à meia-noite), como foi constatado há uma década. Isso porque estamos atrasados na implantação do rádio digital, que em breve poderá estar chegando também aos 160 milhões de celulares já em uso pelos brasileiros.

‘Gratuito, fácil e portátil’, companheiro fiel e prestador incansável de informação e de serviço para a cidadania, do auditório de calouros feito esporte das multidões ao Mineirão feito programa de auditório, o rádio encontrou seu ‘jeito mineiro de tecer a história’, evoluiu e se adaptou às novas circunstâncias. Se nunca trabalhou em silêncio, permanece sempre invisível, permitindo ao povo, com esta discrição, ‘reconhecer na voz do locutor a sua cultura, a sua vida’, seja na grandiosa Itatiaia, na revolucionária Rádio Favela, na Montanhesa da Viçosa ou na cult UFMG.

Herdeiro legítimo de manifestações ancestrais, como a voz do pregoeiro e o causo contado ao pé do fogão à lenha, o rádio entronizou ‘o modo mineiro de dizer as coisas’. E fazendo isso como um sacerdócio, ‘amado passionalmente pelos que o realizam’ vai plantando ‘em cada coração uma saudade, nas asas do sentimento’. Sentimento que contaminou os autores e autoras e segue contaminando quem passa pelas páginas deste livro.

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Apresentação

Nair Prata (*)

A idéia deste livro nasceu da observação dos trabalhos coletivos de pesquisadores de vários Estados brasileiros que divulgam, para todo o País, as realizações radiofônicas das suas terras. Pensei, então, em reunir, numa só publicação, as pesquisas acerca do rádio de Minas Gerais e mostrar para o Brasil algumas faces da radiofonia mineira.

Primeiramente, é preciso destacar que não foi uma tarefa difícil. Minas Gerais tem se destacado nos estudos do rádio, no cenário brasileiro, principalmente nos últimos dez anos, com um número crescente de pesquisadores com mestrado e doutorado na área. Consequentemente, tem aumentado o número de alunos mineiros da graduação e da pós-graduação que escolhem o rádio como tema de pesquisa e do Trabalho de Conclusão de Curso, já que a liderança docente é sempre determinante nesses casos. Além disso, nos últimos anos, os pesquisadores de Minas com trabalhos sobre o rádio têm tido presença constante e numerosa nos congressos de comunicação realizados no Brasil e também no exterior. Dessa forma, se multiplicam as publicações de autores mineiros que têm a radiofonia como objeto.

É um movimento novo, certamente, se compararmos aos centros de excelência de pesquisa em rádio como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, com longa trajetória de investigações em radiofonia, formação de docentes na área e publicações numerosas sobre o assunto. Mas, com certeza, Minas Gerais também chegará lá. Aos poucos, temos formado aqui em terras mineiras um grupo de pesquisadores que elege o rádio como objeto de investigação e, depois de muitas publicações isoladas, este livro é o nosso primeiro trabalho em conjunto.

Esforço comum

Podemos considerar esta coletânea como a primeira de uma série, pois fôlego, nem assunto, não nos faltam. A cada dia, juntam-se a nós antigos e novos pesquisadores interessados em também mostrar as diversas facetas do rádio mineiro, não somente a partir de uma perspectiva descritiva, mas também com análises que buscam escopos teóricos das várias ciências, tendo a radiofonia como base epistemológica.

Nesta coletânea, temos representantes de algumas das principais instituições de ensino superior de Minas Gerais e um breve currículo dos autores pode ser conferido no final deste livro. Os temas abordados, aqui publicados em ordem alfabética dos autores, tratam de história, análise lingüística, interação, publicidade, digitalização e globalização, entre muitos outros assuntos.

Ângela de Moura abre a série de 13 artigos traçando os últimos passos da Rádio Mineira, a pioneira do Estado. Eduardo Costa faz um estudo sobre o papel desempenhado pela Rádio Itatiaia, buscando entender como se configura a interação da emissora com seus ouvintes. Elias Santos é o nome mais capacitado para escrever sobre a Rádio UFMG Educativa, emissora que ele dirige e ajudou a impor no mercado radiofônico mineiro.

Graziela Mello Viana traça um histórico da publicidade radiofônica mineira, demonstrando que anunciantes e agências nem sempre consideram as múltiplas possibilidades sensoriais do áudio. Kátia Fraga recupera a história da Rádio Montanhesa AM, a pioneira de Viçosa, que comemora 60 anos de existência em 2009. Marcelo Dolabela traça um perfil do maestro Adolfo Maclereveski, que dedicou 54 anos à música em Belo Horizonte, não apenas no rádio, mas também na televisão e ensino. Maria Cláudia Santos discute o local e o global na Rádio Itatiaia, tentando entender como ambas as categorias se imbricam e se fazem presentes na programação e na vida da emissora. Minha contribuição para este livro é um panorama do rádio em Belo Horizonte, com um breve perfil de cada uma das 33 emissoras que transmitem para a Capital mineira.

Sônia Pessoa faz um estudo, a partir da Análise do Discurso, sobre a interação entre o programa Itatiaia Patrulha, da Rádio Itatiaia e seus ouvintes. Valdir de Castro Oliveira analisa as condições e contradições do papel e da atuação das rádios comunitárias. Vanessa Paiva discute, a partir de uma bibliografia predominantemente francesa, a voz, a escrita e a escuta radiofônicas, tendo como objeto de pesquisa o programa Rádio Vivo, da Rádio Itatiaia. Waldiane Fialho e Graziela Mello Vianna analisam a implantação do rádio digital em Minas Gerais e apresentam a situação dos testes feitos até agora. Por fim, Wanir Campelo demonstra que a programação radiofônica belorizontina, até a década de 50, foi alicerçada em quatro pilares – o canto, o drama, o riso e a informação – que, embora distintos, articularam-se sobre um único eixo denominado lucro.

Enfim, todos esses trabalhos podem ser entendidos como um esforço de um grupo de pesquisadores que tenta colocar os estudos sobre o rádio mineiro na janela da visibilidade, dando a eles o lugar que merecem há tempos. [Janeiro de 2010]

(*) Professora do curso de Jornalismo do UniBH

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Jornalista, professor da Universidade Federal de Santa Catarina