Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A casa dos livros-objeto

Amanhã [segunda-feira, 3/2], durante a inauguração do Centro de Artes do Livro de Londres, o diretor Simon Goode, de 33 anos, colocará em prática um ousado projeto que planeja há sete anos. Na contramão do ritmo acelerado da publicação industrial, o centro permitirá que escritores, artistas plásticos ou simplesmente curiosos usem máquinas de impressão vitorianas e aprendam técnicas para produzir seus próprios livros de modo artesanal.

Em tempos de digitalização, a proposta de fazer exemplares únicos de livros-objeto pode parecer um pouco arriscada. Goode, no entanto, tem percebido uma boa receptividade e uma grande procura por informações sobre as aulas e palestras nas redes sociais, onde divulga o projeto. Ele espera que pelo menos duas mil pessoas passem pelo estúdio ainda neste ano. Ao abrir um centro voltado para preservar as técnicas convencionais de produção e difundir uma arte pouco explorada, ele propõe outra forma de trabalhar com o livro.

– O livro é um objeto fascinante. E o processo convencional de produção dele não é muito conhecido. As técnicas se modificaram ao longo do tempo e muitos aspectos e possibilidades interessantes estão se perdendo. Para mim, mais importante do que ter o domínio sobre a técnica é aprender a fazer o seu próprio livro – disse Goode ao Globo, por telefone, de Londres, ao tentar explicar a importância da fabricação de seu próprio papel e da escolha da composição tipográfica.

Para aprofundar as técnicas que já conhecia e trocar experiências para descobrir como poderia organizar as atividades do centro, Goode viajou para os Estados Unidos em 2011. Lá visitou sedes de institutos de arte do livro em Nova York, Chicago e Los Angeles. De volta a Londres cheio de ideias, começou a colocar em prática o que já queria há tempo, desde que se formou em 2006 em Artes pela London College of Communication e começou a estocar tintas, tipos e máquinas na garagem de casa.

Para montar uma completa linha de produção artesanal, Goode vasculhou sites e mercados de pulgas. Teve sorte. Ele conseguiu comprar uma legítima Adana, rara máquina de impressão fabricada em 1922, muito utilizada por pequenas gráficas inglesas entre os anos 1930 e 1960. Mas o equipamento mais valioso e antigo do centro é uma guilhotina da era vitoriana, que pertenceu ao laureado poeta inglês Ted Hughes (1930-1998), marido de Sylvia Plath (1932-1963). Goode conta que a máquina, doada ao centro pela University of West London, era utilizada pelo escritor conhecido no Brasil pela obra “Cartas de aniversário” (Record), que traz poemas sobre o conturbado casamento com a poeta americana.

– Ela é linda, e é incrível como funciona. Mas eu costumo deixá-la trancada com correntes e cadeados porque é muito perigosa – contou Goode, que, com uma ponta de orgulho, revelou que comprou outra preciosidade: uma impressora de madeira de 1897, adquirida por £ 150 (R$ 472,50) e que complementa o acervo de máquinas originais que poderão ser alugadas.

Espaço definitivo

No manifesto “A nova arte de fazer livros” (1975), o artista plástico e escritor mexicano Ulises Carrión (1941-1989), um dos precursores no estudo desta área, definiu o objeto livro como uma “sequência de espaços (…) que pode existir de forma autônoma e autossuficiente, incluindo, talvez, um texto que destaque sua forma”, concluindo que a “arte apela para a habilidade que todos os homens têm de compreender e criar signos”.

Seguindo este pensamento, o conceito de livro-objeto, livro conceitual ou, como Goode prefere definir, livro de artista, é uma plataforma híbrida que, segundo ele, transita entre as possibilidades da linguagem literária no espaço delimitado pelas dimensões das páginas e pelos materiais das artes plásticas.

– É muito difícil conceituar esta arte. É é justamente esta dificuldade de compreender o que é um livro de artista que torna necessário o aprendizado dela. Principalmente neste momento da História em que a impressão é apenas uma das várias formas que um livro pode assumir – reflete Goode, cujo trabalho é espelhado na editora inglesa Visual Editions, que desde 2010 publica narrativas em formatos não convencionais, e também na gráfica Circle Press, criada pelo brasileiro filho de ingleses Ronald King, em 1967.

Embora a abertura oficial seja neste domingo, o centro funciona como um laboratório desde outubro do ano passado. Neste período, Goode participou de algumas oficinas, organizou tintas, pincéis, papéis, tipos e testou os equipamentos que ocupam um amplo estúdio alugado no Leste da capital inglesa. Por enquanto, tornar-se um editor ou até mesmo abrir uma gráfica ainda não está nos planos de Goode, que se define apenas como artista.

Ao tentar explicar o lugar dessa arte que teme ver desaparecer em meio aos leitores digitais, Goode busca, com o centro e suas técnicas, encontrar um espaço definitivo para esses objetos na história da arte e da literatura.

– É a partir da experimentação dessas técnicas primárias que podemos pensar em novos formatos e, inclusive, no futuro do livro como uma plataforma que serve à arte e à linguagem.

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[Mariana Moreira, de O Globo]