Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“Não basta ser, tem de parecer ser”

Uma ideia que não seja perigosa não merece ser chamada de ideia. A frase do escritor Oscar Wilde é considerada por Celso Loducca, 54 anos, um mantra a ser seguido. É com essa máxima na cabeça que, há 18 anos, ele mantém a agência de publicidade que leva seu sobrenome.

A Loducca, que atendeu o primeiro cliente, o antigo banco Bamerindus, ainda na sala do apartamento de Celso Loducca, em 1995, está hoje entre as 20 maiores do país. Em 2011, foi considerada a melhor do ano pelo Caboré, o mais respeitado prêmio brasileiro do setor.

Lançado neste mês, o livro “O que Interessa É A Vida – A Biografia de uma Agência de Propaganda” repassa os altos e baixos da companhia. Estão lá o dia da intervenção do Banco Santos, que guardava todo o capital da empresa, e as campanhas que foram carimbadas na memória do consumidor, como a do mote “bem-vindo ao clube”, criado para a Nextel, e a ação para a Sazón, com a música “É o Amor”, que alavancou as vendas da fabricante de temperos de 19 para 500 toneladas ao mês.

“Se considerarmos o faturamento da agência como volume de compra de mídia, os clientes investiram R$ 1,1 bilhão em 2012, o que nos deu um aumento de 40% no lucro líquido, em comparação a 2011”, diz Loducca ao Valor.

O publicitário começou a carreira como redator na Standard (hoje Ogilvy). Trabalhou também na Young&Rubicam, Talent e W/Brasil, antes de tornar-se vice-presidente da FCB Brasil.

A Loducca ainda tem como sócios e vice-presidentes Guga Ketzer, Daniel Chalfon, André Paes de Barros e Ken Fujioka, além do Grupo ABC, de Nizan Guanaes. Na entrevista a seguir, o publicitário fala sobre influências, vaidade e as contas mais desejadas.

Logo no segundo ano de profissão, o senhor ganhou seu primeiro Leão em Cannes, um bom motivo para qualquer publicitário iniciante tirar os pés do chão. O que fazer para a vaidade não atrapalhar uma carreira geralmente ligada à boa remuneração e à exposição profissional?

Celso Loducca – Não acredito que exista uma fórmula para controlar a vaidade, que eu costumo chamar de “vinho”. Um ou dois copos fazem bem à saúde e nos dá autoconfiança para prosseguir. Acima disso, pode ser que acabe turvando a capacidade de julgar, a não reconhecer a realidade, vivendo dentro de algo inventado. Procuro não me levar tão a sério. Algo como uma música que a Gal Costa cantava: “Brinque de ser sério e leve a sério a brincadeira”.

Entre 2003 e 2004, a agência saiu de um escritório envidraçado no prédio conhecido como Robocop, na avenida das Nações Unidas, em São Paulo, para um galpão com tijolos aparentes no bairro de Pinheiros. A empresa também separou-se da então parceira Lowe e perdeu uma grande conta, o HSBC. O que essas mudanças significaram na trajetória da Loducca?

C.L. – Como sempre, a agência caminhou para onde minha visão alcançava. Estava cada vez mais convencido sobre a simplicidade e a qualidade do trabalho como únicas razões de atratividade. Pior, acreditei que o mercado saberia reconhecer. Ou seja, neguei minha formação, a experiência e uma grande máxima: não basta ser, tem de parecer ser. Erro crasso. Não é assim que se faz as coisas. Foi um olhar para o próprio umbigo, como se ele fosse importante para os outros e para o mercado. Acho que foi um momento em que, inadvertidamente, fragilizei a agência. Mas continuamos a fazer grandes trabalhos, fomos capazes de nos reerguer. E eu, felizmente, consegui compreender o que havia feito.

Executivos que já trabalharam na Loducca dizem que a agência não é para qualquer cliente, mas para organizações que querem ser desafiadas. Que tipo de conta é a mais desejada e quem o senhor prefere não atender?

C.L. – Aplicamos na agência o que recomendamos aos clientes: planejar é fazer escolhas. Nós fizemos as nossas. Após 18 anos, sabemos que a Loducca dá o seu melhor quando é tratada como parceira estratégica e não como fornecedora de execução da outra parte. Sabemos que podemos transformar a vida de empresas quando participamos da construção do futuro delas, somos tratados com respeito intelectual e financeiro, e quando entendem que somos médicos, não atendentes de farmácia – com todo o respeito a esses profissionais. Foi o que fizemos para a Sazón, que deixou de ser um pó desconhecido para virar líder no mercado de temperos. Entre todos os acertos desse cliente, ele apostou no posicionamento e na música “É o Amor”, de Zezé de Camargo e Luciano. Há mais exemplos como esse, no livro.

Quando o Banco Santos sofreu intervenção do Banco Central, em 2004, parte do dinheiro da agência estava lá. Qual foi a estratégia usada para sobreviver?

C.L. – Cortamos o possível, o impossível e reduzimos temporariamente os salários dos principais executivos – devidamente recompostos com o pagamento dos retroativos, quando a agência se realinhou. Financiei parte da folha e abri mão do pró-labore. Intensificamos a operação de “new business”, trabalhamos 18 a 20 horas ao dia e procuramos manter um espírito de alegria e criatividade. Deu certo.

Como a associação com o Grupo ABC, de Nizan Guanaes, alterou a história da agência?

C.L. – Logo após a agência recomeçar, depois da separação do Grupo Lowe, tivemos inúmeras propostas de associação. Mais ainda após a quebra do Banco Santos. Eu posso entender: uma marca forte, reconhecida, que estava descapitalizada, poderia ser um bom negócio. Dentre todas as propostas, a única que não propunha nenhum tipo de interferência ou mudança na condução e valores da agência foi a do ABC. Era a menos interessante financeiramente, mas a que mais respeitava e admirava a agência, a ponto de não querer transformá-la ou extingui-la, mas, sim, apoiá-la para voltar a crescer. Para mim, a compreensão de que a fragilidade da agência era uma questão circunstancial, aliada à confiança no talento e competência das pessoas, valeu muito mais do que dinheiro.

Segundo o livro, o senhor teve quatro obras definidoras da sua personalidade: “Walden ou A Vida nos Bosques”, de Henry David Thoreau; “O Fio da Navalha” (W.Somerset Maugham), “Autobiografia de um Iogue” (Paramahansa Yogananda) e “O Lobo da Estepe” (Hermann Hesse). Nesses últimos anos, essa lista de títulos aumentou?

C.L. – O livro tem uma omissão importante que peço licença para reparar: as palestras e a história do líder da Sociedade Teosófica, Jiddu Krishnamurti, também foram determinantes. É óbvio que, de lá para cá, outros pensadores e personagens me influenciaram. Epicuro, Hobbes, Spinoza, Montaigne, Gandhi, Paulo Francis, Carl Sagan, Richard Dawkins, Luis Fernando Verissimo, só para citar os mais expressivos.

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O livro pode ser baixado no site www.loducca.com.br ou adquirido por R$ 45, doados ao Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac)

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Jacilio Saraiva, para o Valor Econômico