Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Brasil em edição revista e ampliada

Mal se anunciou a lista dos 70 autores que vão integrar a delegação oficial do Brasil como país homenageado na Feira do Livro de Frankfurt, do dia 9 ao 13, e uma jornalista estrangeira, presente na coletiva de imprensa na Alemanha, fez a pergunta que causou surpresa, mas nunca será improvável: “Onde estão os autores índios?”

Há um índio. Um dos que viajam para representar o país na maior feira de livros do mundo é Daniel Munduruku, que expressa sua etnia no sobrenome, com mais de três dezenas de obras para o público infantil, parte já traduzida no exterior. No entanto, apenas um não é medida razoável e o curador Manuel da Costa Pinto teve de explicar por que são poucos os índios como autor ou tema.

As perguntas sobre a literatura do país apenas começam a ser refeitas. A escolha do Brasil, anúncio que sai com três anos de antecedência, quadruplicou a quantidade de títulos brasileiros traduzidos para o alemão. Em 2011, só havia 60 de ficção brasileira por lá. Agora, já são 260, informa Marifé García, vice-presidente para sul da Europa e América do Sul da Frankfurter Buchmesse, evento que há mais de seis décadas influencia decisões editoriais em escala global.

Bolsas de tradução

Na primeira vez que o Brasil recebeu tal distinção, em 1994, fazia apenas três meses o lançamento do Plano Real que estabilizaria a moeda. A decisão de pôr o país de novo em evidência se deu em “outro contexto, o mesmo em que fora eleito para sediar a Copa e a Olimpíada, quando o noticiário sugeria que não só havia um novo momento na economia, mas também na cultura, diferentemente de duas décadas atrás”, conta a representante da feira alemã, de passagem por São Paulo. Outros eventos repetem a reverência. Em Guadalajara, feira com ressonância em toda a América Latina, o Brasil foi festejado no ano passado. As honrarias em 2014 serão no Salão do Livro de Paris e na Feira de Bolonha, a maior do mundo de literatura infanto-juvenil.

O crescimento das traduções brasileiras não ocorre espontaneamente. Se, como lembra a representante da feira alemã, pouco se fez para divulgar a literatura brasileira quando passou 1994, há agora renovado esforço, que envolve de editores a agentes literários, cujo principal vetor é o programa de bolsas de tradução concedidas pelo governo brasileiro, via Fundação Biblioteca Nacional (FBN). “Existia antes, mas com número incerto de aprovações por ano e excesso de burocracia”, avalia Marifé. Estratégia de geopolítica, diplomática e cultural, as bolsas de tradução são oferecidas por países de todos os portes econômicos, da Alemanha à Turquia.

Em menos tempo, o número já é maior. Nas duas décadas até 2010, 160 obras receberam apoio, divulga a FBN. De 2011 até aqui, foram 357 bolsas concedidas, outras 20 podem sair até dezembro, num orçamento de R$ 1,7 milhão, para 110 autores em edições para 30 países. A ressaltar: como nem todos os livros brasileiros traduzidos recebem bolsa da tradução, esses números não representam todo o volume de vendas no exterior.

País problemático

Uma terceira conta da expansão literária é a de direitos vendidos. “Já dá para ficar contente, ainda que nunca seja o suficiente”, afirma Nicole Witt, agente literária da alemã Mertin Agency, peso pesado nos negócios editoriais com grandes autores de língua portuguesa e espanhola, que celebra os números. Entre 1991 e 2010, venderam 146 obras brasileiras para países estrangeiros. De julho de 2011 a março deste ano, o número chegou a 223. A má notícia é que a nova onda brasileira tenha coincidido com a crise europeia, como assinala Lucia Riff, da brasileira Agência Riff: “Ainda assim, temos o que comemorar.”

Negócios vão ser feitos em Frankfurt, mas começaram bem antes, relata a agente literária Luciana Villas-Boas, da Villas-Boas & Moss. Autores seus, como Francisco Azevedo, Ronaldo Wrobel e Rafael Cardoso, foram negociados já a partir de 2011. “Homenagens em feiras normalmente valorizam a literatura apenas naquele determinado território em função daquele evento. O desafio é conseguir que sejam publicados livros que causem impressão forte e perpetuem a presença do autor.”

Um Brasil diferente de duas décadas atrás será apresentado em Frankfurt. Não atende, como explica o curador Costa Pinto, “às expectativas pré-formadas sobre a nação, como a da riqueza multicultural de um lado e a da catástrofe social de outro”. O seu país é “cosmopolita, com autores no mesmo registro de estrangeiros como J.M. Coetzee, Philip Roth e Ricardo Piglia, que abordam as preocupações do homem urbano e instruído”. São nomes, conforme destaca, como os de Bernardo Carvalho, Nuno Ramos e Teixeira Coelho – veja todos em www.brazil13frankfurtbookfair.com. “Na contramão dos estereótipos da brasilidade, pode-se abrir vertente mais ampla de recepção crítica, editorial e de público”, ressalta. Mesmo com a opção por mostrar um Brasil moderno, o curador esclarece que não será dada nenhuma dimensão eufórica. Trata-se de “autores que problematizam um país problemático”.

Seis bicicletas

O critério diversidade – apesar de aparecer com destaque nos materiais de divulgação oficial da presença brasileira – só foi empregado em último lugar, para “corrigir distorções”, explica o curador. Para chegar aos 70, Costa Pinto buscou reunir, primeiro, autores cujo nome já se inscreve na história da literatura brasileira. Nem todos puderam aceitar o convite, como Augusto de Campos, Lygia Fagundes Telles, Ferreira Gullar e Manoel de Barros. Também foram convidados aqueles que o curador considera com lugar garantido na literatura contemporânea. Entre as baixas, Milton Hatoum, que fez, em 2012, a abertura deste ano brasileiro, preferiu não ir outra vez. Novas tendências, como Andréa del Fuego (leia resenha de seu novo livro na pág. 33), Daniel Galera, Veronica Stigger e Michel Laub (o autor está no À Mesa com o Valor, na pág. 20), completam a lista.

Critérios não só literários, também editoriais, se combinaram para as escolhas, como traduções recentes ou em curso – critério sugerido pela feira alemã –, prêmios já recebidos e variedade de gêneros – além de romances, há quadrinhos, crítica literária e biografias. Maior best-seller brasileiro hoje no exterior, Paulo Coelho também entra. “Só no fim fizemos o balanço: será que geograficamente o país está bem representado? E quanto às questões étnicas? De gênero?”, conta o curador. Para abordar mais diretamente esses temas, mesas entre as programadas para o pavilhão reunirão ensaístas, críticos e cientistas sociais que são parte da lista dos 70. A origem e as crises do discurso da identidade nacional vão ser debatidas por José Miguel Wisnik e Walnice Nogueira Galvão. A questão racial, por Manuela Carneiro da Cunha e Lilia Schwarcz. A repressão política e os direitos da mulher, por Maria Rita Kehl e Rosiska Darcy de Oliveira. A literatura contemporânea para além de um recorte brasileiro ocupará o debate de Luiz Costa Lima e Flora Süssekind.

A maquete que pôde ser vista até agora tem tons neutros. Ao vivo, haverá mais colorido. A área de 3 mil metros quadrados de país homenageado se parecerá a uma grande praça, atravessada pelo construtivismo brasileiro, referências vindas da arte e arquitetura de Athos Bulcão, Hélio Oiticica e Oscar Niemeyer. Uma mesa no formato da marquise do Ibirapuera ocupará posição central. Seis bicicletas, ao ser pedaladas, vão acionar a projeção de filmes sobre como o livro circula no Brasil.

A história da literatura brasileira será representada por totens com personagens, uma lista que vai de Brás Cubas e Dona Flor ao Vampiro de Curitiba. Em torno de redes nordestinas, mais totens com trilha musical, a intersecção entre o cancioneiro popular e a poesia brasileira, de Noel a Caetano. Seis atmosferas predominantes nas letras brasileiras são mostradas numa instalação com videoarte: o mar, o campo, o sertão, a floresta, a cidade, o subúrbio. A curadoria, que se completa com Antonio Martinelli, Daniela Thomas e Felipe Tassara, evitou o didático, o mimetismo e o nacionalismo. Além do pavilhão, há um calendário de shows e exposições em casas de espetáculo e museus da cidade.

À divulgação da lista dos 70 seguiram-se os desacordos – no Brasil, não por causa da ausência de índios. Em blogs e redes sociais, autores não escolhidos, assim como especialistas e leitores, fizeram reparos. Em síntese, a escolha seria canônica e institucionalizada, faltaria diversidade, aqueles que estão à margem. Desde o perfil dos escolhidos: com predomínio do sexo masculino, residentes no Rio e em São Paulo, concentrados em grandes editoras, brancos. À voz autoral: com temas urbanos, personagens de classes sociais elevadas e uso mais normativo da língua. Com poucas exceções, como Ferréz, que retrata a periferia paulista, Paulo Lins, o morro e o subúrbio do Rio, ou Luiz Ruffato, as camadas sociais mais baixas de Minas e São Paulo. Contemplado por ser o gênero por excelência em eventos que tratam do negócio editorial, o romance ocuparia demasiado espaço em detrimento da poesia, que estaria descalibrada – são oito poetas, quando há 33 prosadores. Ainda faltou gente que está sendo publicada não só na Alemanha como em outros países.

“É impossível fazer qualquer lista que não esteja sujeita a críticas. Quem vai acha que merece ir, quem não vai acha que a lista é de panelinha, críticos defendem posições diversas etc. Então, a lista é tão boa quanto qualquer outra possível, e não adianta querer comparar”, argumenta Felipe Lindoso, especialista em políticas para o livro, um dos responsáveis pela curadoria na vez anterior em que o Brasil foi homenageado em Frankfurt. Apenas 20 fizeram parte da delegação oficial em 2004, e a lista também não foi recebida com unanimidade. “Quando há um curador, não está lá só para representar o país, mas também a si mesmo, senão não seria curador”, pondera Noemi Jaffe, escritora – que não está entre os 70 – com longa atuação como crítica literária e experiência em curadoria. A lista lhe pareceu boa: “Gosto do conjunto, com algumas presenças maravilhosas, outras polêmicas e outras medianas, mas importantes.”

Embate lúdico

A cisão rural/urbano pendeu para o segundo, em detrimento do primeiro e de seus praticantes, na avaliação de Alfredo Monte, crítico que mais assiduamente acompanha a literatura contemporânea escrevendo para a imprensa e no blog próprio, Monte de Leituras (www.armonte.wordpress.com). O problema maior, diz, é o que chama de “síndrome Capanema” [referência a Gustavo Capanema, ministro do Estado Novo], “aglutinadora e deixando na sombra os que estão na beirada”. Frankfurt não é caso isolado: “Acho que há uma domesticação da cena literária por prêmios, bolsas e caravanas, assim como havia naquele tempo em que Capanema incluía todo mundo no funcionalismo público”.

Da parte alemã, depois da lista dos 70, veio o pedido para que fossem sugeridos para o Festival Internacional de Literatura em Berlim, realizado nos primeiros dias de setembro, autores que não estavam na delegação oficial. Esse “outro perfil” que desejavam deveria conter “uma literatura mais de ruptura, ousada, experimental ou performática”, conta Costa Pinto, o curador literário. Entre os nomes, incluem-se os que abordam tanto na prosa quanto na poesia questões de cor e etnia, como Ana Maria Gonçalves, Paulo Scott e Ricardo Aleixo, e o dono de um romance que, longe de ser canônico – é repleto de obscenidades –, chegou a ser apontado pelo crítico Alcir Pécora, conhecido pelo rigor, como o melhor dos últimos dez anos, Reinaldo Moraes, com seu Pornopopeia. A maioria seguiu depois num giro por outras cidades, inclusive Frankfurt.

Fora do circuito oficial brasileiro, os convites partem de editores e curadores da própria Alemanha, não se restringem a Frankfurt nem ao período específico da feira, como conta a agente literária Marianna Teixeira Soares, da MTS. Dois autores seus que não constam da lista dos 70 estarão na Alemanha. Antonio Xerxenesky, por exemplo, vai a convite da revista literária Lettrétage, que lança uma antologia só de brasileiros. Júlio Ludemir é convidado para integrar o time de ficcionistas daqui que vai enfrentar a Seleção Alemã de Escritores, a Autonama, embate lúdico promovido pelo Instituto Goethe.

Uma ação paralela oficial, ainda que discreta, se organizou na Bahia para garantir maior representatividade em Frankfurt. Na lista dos 70, há o baiano João Ubaldo Ribeiro, que vive no Rio, e não mais que dois ou três outros residentes no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. “Nem de longe há diversidade”, avalia Milena Brito, à frente da coordenadoria de literatura da Fundação Cultural da Bahia, “o que revela um desconhecimento profundo da produção literária do país imenso que é o Brasil”. As histórias da Bahia viajam para o exterior desde a década de 1930 em obras de Jorge Amado, o romancista brasileiro até hoje mais traduzido e adaptado – é, seguido de perto por Clarice Lispector, o que tem maior número de pedidos de bolsa de tradução via FBN. Não é exagero dizer que, dada a força de sua presença, o Brasil tenta oferecer agora a Frankfurt um contrapeso – que pode parecer, num extremo, como tentativa de apagamento regional.

A também ressaltar: cizânias regionais não são novidade em Frankfurt, e a feira também ampara diferenças. O convite para a homenagem costuma ser feito a um país, mas em 2007 decidiu-se por uma região, a Catalunha, no nordeste da Espanha, com uma literatura que, entre muitas diferenças, é escrita em sua língua e não em castelhano.

A frustração de ter tão pouca representatividade levou a equipe da Funceb à produção de uma antologia, que reúne 18 autores baianos de diferentes gerações e regiões do Estado e ainda não foram divulgados fora das próprias divisas, de Myriam Fraga, na poesia, a Mayrant Gallo, na prosa. O título, com versão para três idiomas (alemão, inglês e espanhol), vai circular em Frankfurt e outras feiras internacionais. A incumbência de definir os nomes coube a sete críticos, pesquisadores e jornalistas especializados. “Como há em âmbito estadual um programa de internacionalização da cultura baiana tendo como carro-chefe a difusão da música, consideramos que a literatura deveria ter algo similar”, explica a coordenadora, que também conhece a recepção brasileira lá fora, como doutora em literatura brasileira com atuação na Universidade da Califórnia, em Berkeley.

O que se aponta como falta de diversidade, ou o perfil razoavelmente homogêneo de autores que integram a lista dos 70, coincide com estudos realizados por Regina Dalcastagnè, professora titular da Universidade de Brasília (UnB), que se dedica às minorias invisíveis. Literatura Brasileira: um Território Contestado é seu livro mais recente. Num levantamento em romances publicados pelas principais editoras do país, identificou que apenas 7% não eram de autores brancos, mais de 70% são do sexo masculino, a mesma proporção reside no Rio e em São Paulo. Os atributos identificam também narradores e personagens. Não se trata, como argumenta a pesquisadora, apenas de temática ou estilo, mas de perspectiva. “Creio que a diversidade na autoria seja interessante em qualquer circunstância. Se alguém estiver buscando na literatura um painel mais completo sobre o que é viver no Brasil hoje, não pode se contentar, mesmo que tenhamos excelentes obras produzidas por alguns deles.”

Mulatas “sensuais”

Os índios, desaparecidos do território literário no século 20, começam pouco a pouco a se restabelecer. Quem avalia é Rita Olivieri-Godet, da Université Rennes 2, membro do Institut Universitaire de France, que acaba de publicar Alteridade Ameríndia na Ficção contemporânea das Américas. Os povos nativos tiveram presença forte, por motivos e em abordagens diferentes, em dois momentos-chave da literatura brasileira, o romantismo e o modernismo. Vão ressurgir em obras como as de Antonio Callado, Darcy Ribeiro e Antônio Torres a partir da década de 1970. Não só há agora autores que tematizam a questão, como Alberto Mussa e Paulo Scott, este incluído no grupo dos que estiveram em Berlim: a poeta Josely Vianna Baptista, no recente Roça Barroca, traduziu o mito cosmogônico da tribo indígena Mbyá-Guarani e também reuniu versos seus a partir da experiência. Apareceu também uma geração que reivindica seu pertencimento étnico. Além de Daniel Munduruku, que vai a Frankfurt, há novos nomes, como os de Kaká Werá Jecupé e Eliana Potiguara.

Interessada no tema, Rita Olivieri-Godet não o vê, porém, como exigência: “O escritor brasileiro não é obrigado a escrever somente sobre os problemas que tocam diretamente a realidade nacional. Acredito que uma das funções da literatura seja a de desfazer estereótipos e de projetar as imagens complexas, diversas e até contraditórias.”

Com a conta dos estereótipos nem sempre é o autor quem contribui. Muitas vezes a recepção independe de sua obra. Antes da nova geração de tradutores em atividade hoje, o livro brasileiro chegava ao alemão tendo seu sentido original por vezes alterado, explica Marcel Vejmelka, especialista de língua e literatura brasileira na Universidade de Mainz. Dada a “visão eurocentrista, exotizante” da qual os antigos tradutores não conseguiam escapar, sutilezas e complexidades denotativas e conotativas não eram compreendidas, e a narrativa se tornava mais superficial, pueril ou exagerada. Como recorda, na primeira edição do Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado, a sátira perdeu nuances político-existenciais e ficou ingênua. Só a partir da década de 1990 se configura uma nova leva de tradutores, com conhecimentos mais amplos e profundos da língua, cultura e literatura do Brasil. “Infelizmente, continua firme a convicção, por parte dos departamentos de vendas, que capas coloridas, com mulatas ‘sensuais’, sejam compatíveis e um incentivo para o público alemão comprar os livros.” Seu exemplo preferido: uma edição do austero Vidas Secas, de Graciliano Ramos, saiu com um tucano no meio da selva estampado na capa.

Na nova ida a Frankfurt, o Brasil se anuncia sem exotismos, expressão que sobressai em coletivas de imprensa e materiais de divulgação. Esse teria sido um erro da outra vez, segundo alguns relatos. Felipe Lindoso, o da curadoria na época, rejeita a ideia de que o país se mostrara “folclórico” em 1994. Lembra que não há como impedir que restaurantes alemães contratem moças fantasiadas de baiana e conjuntos amadores para tocar. Os mesmos elementos podem produzir sentidos diferentes, diz: “A caipirinha, de que reclamaram daquela vez, hoje elogiam.” Um histórico do evento pode ser lido numa série de posts no seu blog, O Xis do Problema [www.oxisdoproblema.com.br]. A grande frustração para Lindoso se deu com a falta de continuidade. “Um enorme esforço gerou grande simpatia e interesse pelo país e não foi sustentado”, observa. “A articulação continuada entre o MinC e o Itamaraty é uma tragédia.” Lamenta que os Centros de Estudos Brasileiros tenham sido “dizimados” e o Instituto Machado de Assis – que funcionaria à semelhança do Camões, em Portugal, do Cervantes, da Espanha, ou do Goethe, da própria Alemanha, “nunca deixa de ser projeto longínquo”.

Regina Dalcastagnè argumenta que, para a internacionalização da literatura brasileira, mais importante do que a feira, “tão dispendiosa”, é estabelecer “estratégias de política cultural a médio e longo prazo, com programas de apoio que tenham continuidade”. Diz que tem notícias de dificuldades de toda ordem em departamentos de universidades do exterior onde se estuda literatura brasileira. Com a ideia de um Instituto Machado de Assis também concorda Carmen Villarino Pardo, titular de literatura e cultura brasileiras na Universidade de Santiago de Compostela: “Países que entendem a sua língua, o seu patrimônio material e imaterial como um bem e como uma ferramenta para atingir uma posição com maior capital simbólico têm criado instituições como essa.”

No pós-Frankfurt, haverá reflexão. A presença brasileira na feira alemã será um dos temas de debate em abril, no III Colóquio Internacional sobre Literatura Brasileira Contemporânea, na Universidade Georgetown, em Washington. Regina Dalcastagnè é uma das organizadoras. Carmen Villarino Pardo estuda, para o evento, as práticas e discursos de agentes do sistema literário brasileiro e da mídia nacional e internacional em torno da feira alemã. Os novos atores na tradução e recepção da literatura brasileira na Alemanha são objeto da pesquisa que Marcel Vejmelka vai apresentar.

Histórias inverossímeis

Da parte da Frankfurter Buchmesse, outra data simbólica, o ano da Alemanha no Brasil, contribuiu para estreitar os laços. Abriu escritório no Brasil, base de atuação para América Latina. Fizera o mesmo na China e na Índia. Entre atividades e serviços em curso, montou a Contec Brasil, conferência e espaço sobre educação, conteúdo de mídia e tecnologia para crianças e jovens. “É o primeiro projeto maior, para continuar a crescer”, diz Marifé García, vice-presidente.

A troca de comando na Fundação Biblioteca Nacional levantou expectativas sobre o ritmo do programa de internacionalização da literatura brasileira, uma das principais marcas da gestão de seu ex-presidente Galeno Amorim. O orçamento previsto da participação brasileira em Frankfurt, de R$ 18,9 milhões, fora alvo de críticas por parte do novo titular, Renato Lessa, assim que assumiu, há seis meses. Mas as bolsas de tradução são vistas com “orgulho e carinho”, afirma ao Valor. “Enquanto eu estiver na FBN, será permanente.” Lessa diz que ele mesmo vai se empenhar, nos diálogos com universidades e editoras acadêmicas, para a tradução de intérpretes do Brasil que ainda são pouco difundidos lá fora, como Sergio Buarque de Holanda e Celso Furtado. Quanto à quantidade de recursos disponíveis para essa demanda, explica que se trata de variável que a instituição não controla – depende de decisão federal. Até o fim do ano, o valor para 2014 já será conhecido. Um Instituto Machado de Assis seria realizável? Afirma que o vê “com simpatia”, comenta que “a ministra [Marta Suplicy] gosta muito da ideia”, que é “bela”, porém “ainda vaga”.

Um autor brasileiro, para ser publicado no exterior, não percorre apenas um caminho. “Cada livro meu tem uma história diferente”, relata Luiz Ruffato, escolhido para abrir o evento, ao lado da presidente da centenária Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Machado. Já são 16 títulos traduzidos, apenas seis com apoio da FBN, de 2010 para cá. Por exemplo, na França, três saíram com ajuda do Centre National du Livre. “Houve editor que se apaixonou pelo livro e procurou a gente, editor brasileiro que se empenhou, também muito esforço do agente, é claro, e até mesmo histórias absolutamente inverossímeis.” Dessas, conta de uma publisher romena que certa vez ouviu uma entrevista sua numa rádio francesa e levou seus livros para o México. Sobre o discurso, adianta: “Vai abordar as contradições do Brasil.”

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Joselia Aguiar, para o Valor Econômico