Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“Sempre se pode fazer uma nova revista ‘Senhor’”

O escritor Nelson Coelho foi uma espécie de ícone da minha adolescência, teve uma importância enorme para meus amigos, como o artista plástico Arnaldo Marquez e o músico Alex PP. Achava que tivesse tido importância para o biólogo e escritor Arildo Guimarães, mas em entrevista ao blog O Curinga de Búzios ele disse que foi apenas uma leitura divertida. Já o cineasta Luiz Maciel disse se lembrar de nossas conversas sobre ele, mas sem muita solenidade.

O importante é que depois de mais de dez anos fuçando consegui encontrar o cara. Propus uma entrevista, ele aceitou. Baixei seus livros gratuitos em seu site oficial www.nelsoncoelholiteratura.com.br e distribuí a mais outros amigos para ajudarem na entrevista ao escritor a que eu muitas vezes chamei de mestre. Ele se mostrou solícito e simples. Me impressionou. Combinei que enviaríamos umas perguntas e conforme ele respondesse elaboraríamos mais outras e assim levaríamos a cabo a tão esperada entrevista. Logo na primeira leva de perguntas voltaram apenas algumas respondidas. Enviamos novamente e não obtivemos repostas. Elaboramos novas perguntas e mais uma vez só algumas foram respondidas. Então, não perguntamos mais nada.

Nelson, o senhor foi correspondente do Jornal do Brasil, escreveu para vários jornais e, inclusive, foi editor da revista Senhor. Não acha que faz falta uma revista como ela no mercado? Você ainda atua como jornalista?

Arte literária é invenção

Nelson respondeu, mas antes deixou claro que eu o chamasse apenas de Nelson e não de senhor, como eu havia feito de início. Isso me encheu de admiração.

“Sempre se pode fazer uma nova revista Senhor, por que não?… Não mais atuo como jornalista. No jornalismo pode-se aprender muito na arte de lidar com as contradições.”

Após essa resposta seguiram-se mais perguntas. Arnaldo Marquez perguntou: “O livro Nas pernas do Longo Rio, foi um exercício literário, apenas uma brincadeira ou realmente a busca por uma inovação consciente?”

Resposta econômica de Nelson: “Talvez uma proposta de inovação não intencional.” “Você ainda é zen budista?”, perguntamos. Econômico, mais uma vez disse: “Evidente que sim. E recomendo.”

Fiz uma pergunta e finalmente Nelson deu sua primeira resposta um pouco mais longa: Há quem considere seus livros surrealistas. Eu discordo, mas percebo realmente um pouco da influência desse movimento em você. Como você classificaria sua obra?” Resposta: “De acordo. Talvez um pouco de surrealismo, um pouco de Kafka. Mas acho que para evitar o excesso de realismo. A arte literária, a meu ver, deve dar menos ênfase ao tema, ao assunto, que a seu tratamento. Arte literária é expressão, é invenção (Pound). Coisa que o realismo atual parece detestar.”

Clarice, uma bela mulher

Para fechar a primeira leva de perguntas a Nelson Coelho, coube a Raquel Nascimento (escritora) perguntar: “Em seus livros há uma forte ênfase na sexualidade, em especial a feminina. A mulher é a sua esfinge?” Nelson respondeu: “Adoro mulher. Seu fascínio maior talvez esteja no fato de ser tão indecifrável quanto a esfinge.”

Depois disso enviamos mais uma dez ou doze perguntas e Nelson Coelho respondeu duas, uma minha e outra da Raquel: “Eu também queria perguntar algo relacionado ao budismo, ao zen e outras coisas ligadas à religiosidade. Você vê possibilidade de avançar no zen crendo em um Deus pessoal, como se dá no cristianismo e no judaísmo, ou uma vida zen só ocorre em plenitude realmente sendo budista?” Resposta de Nelson: “Tanto o taoísmo como o budismo são religiões. Mas o zen se desenvolveu a partir de ambos como uma filosofia prática de vida. O yin, yang e tao – digamos, tese, antítese e síntese, é a fonte básica do zen. O praticante do zen não se apega ao dualismo. Nem somente yin, nem somente yang. Também não pratica o apego ao monismo, onde tanto yin como yang se dissolvem no tao. O zen é uma prática, em todos os agoras, da dinâmica dos opostos. É a vivência duma energia vital, sabia, que já está em nós antes do apego a monismos ou dualismos. Atenção descontraída. Descontração afirmativa. Em todos os agoras.

“Que importância você dá à semana de 22, e isso o influenciou de alguma forma? Acompanha algum escritor jovem de hoje? Vê alguma coisa que te chame a atenção Conviveu com Clarice Lispector… Como ela era como mulher, já que como escritora sabemos?”, perguntamos, obtendo a ótima e reveladora resposta sobre sua ligação com Lispector: “Minhas influências literárias não são diferentes das dos escritores modernos até a década de 70, quando a arte literária cedeu lugar aos best-sellers não literários. Flaubert, Dostoievsky, Tchekov, Rilke, Joyce, Proust, Kafka etc. Você é um jovem escritor, espero. Quanto a Clarice, um pouco mais que amigos. Uma bela mulher em todos os sentidos.”

E daí para frente Nelson não respondeu mais…

Fico com uma boa lembrança desse breve contato com esse escritor ainda tão importante para mim, eu envie a ele alguns poemas meus e ele me deu essa resposta: “Gostei do que li, versos rápidos, emoções rápidas, imagens rápidas. Muito bom!”

Mais informação

Escritores que opinaram sobre a ficção de Nelson Coelho: Clarice Lispector, Sérgio Milliet, Autran Dourado, Cassiano Ricardo, Salim Miguel, Hélio Pólvora, Reynaldo Jardim, Jorge Mautner, Luis Carlos Lisboa, Lygia Fagundes Telles, Fábio Lucas, Wilson Martins, Adolfo Casais Monteiro, Dalton Trevisan, Aníbal Machado, Paulo Bonfim, Patrícia Galvão, Décio de Almeida Prado, Ignácio Loyola Brandão, Antônio Houaiss. Nelson Coelho tem 14 livros publicados. Cursou por dois anos Literatura Comparada na New York University

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Victor Viana é jornalista