Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pioneiro das pequenas editoras

A loja numa galeria comercial de Ipanema, no Rio de Janeiro, acomoda também o escritório. Instalada numa nova sede (a sexta), a 7Letras – editora que nasceu de uma livraria – volta ao formato que lhe deu origem.

Mudar de endereço é dos contratempos que pequenas casas editoriais enfrentam em seu percurso. Na falta de capital, Jorge Viveiros de Castro, que comanda o negócio, sabe que é preciso adaptar-se e inventar. Quando o aluguel triplicou, teve de trocar o imóvel de três andares onde funcionava sua sede por instalações bem mais apertadas para sua equipe – cinco no editorial e quatro no comercial. Mas o que seria apenas o showroom da entrada virou uma diminuta porém charmosa livraria. Ali (rua Visconde de Pirajá, 580, loja 320) Castro acolhe as noites de lançamento coletivo e vende, além das obras que edita, as de outras editoras cujo projeto tenha afinidade com o seu.

Num mercado que vê hoje a multiplicação de editoras independentes, a 7Letras se destaca como uma das pioneiras entre as ativas – fechar pode ser tão corriqueiro quanto abrir –, com volume de média/grande: são publicados de dez a 12 títulos por mês e há sempre 60 em produção. Completa 20 anos de trajetória apostando em design de baixo custo, pequenas tiragens sob demanda, coedições com os autores e parcerias acadêmicas.

O catálogo abarca poesia, prosa, dramaturgia e humanidades. Entre os projetos mais influentes, na poesia há a coleção Às de Colete e a revista “Inimigo Rumor”, ambos em conjunto com a paulistana Cosac Naify. Na prosa, a coleção Rocinante e a revista “Ficções”. A revelação de talentos novos da literatura brasileira é a principal marca da 7Letras. Entre autores que estrearam ou publicaram alguns dos primeiros textos, há nomes como Amilcar Bettega Barbosa, André Sant’Anna, Carola Saavedra, Julián Fuks, Paloma Vidal, hoje migrados para grandes editoras. Entre os recentes, os poetas Gregório Duvivier (já relançado por outra de grande porte) e Bruna Beber, os prosadores Marcílio França Castro e Victor Heringer, que acaba de receber o tradicional Prêmio Jabuti como segundo lugar na categoria romance, em 2013.

Autores que publicam nas pequenas editoras têm alcançado boas colocações em prêmios literários. No caso da 7Letras, está quase sempre com finalistas no Portugal Telecom e no São Paulo de Literatura. Recentemente, a editora lançou uma nova revista, a “Lado 7”, que assinala a entrada no nicho eletrônico, com contos, ensaios, poemas, quadrinhos e áudio com leituras dos autores.

Festas literárias

Com certa despretensão e pouco dinheiro, Jorge Viveiros de Castro, de 46 anos, começou a história da editora duas décadas atrás. Então um estudante de jornalismo, ele não se animou com as primeiras experiências em redações de jornal e preferiu a vida de livreiro. Nos anos 1990, era gerente na antiga Sette Letras, no Jardim Botânico, livraria com o sobrenome do dono, Victor Sette. A descoberta dos programas de editoração eletrônica abriu perspectivas para quem tinha inéditos para publicar. Em princípio, o plano era editar o próprio livro e o de um amigo.

“Percebi que seria possível fazer os títulos praticamente em casa”, diz Viveiros de Castro. A primeira editora, como sócio minoritário, se chamava Diadorim. Estreou ali como autor com “De Todas as Únicas Maneiras”, de textos breves e fundo lírico. Da Diadorim, logo passaria a editar usando o selo Sette Letras, escrito por extenso como a livraria. Em 1997, a editora se desvinculou da empresa de origem. O jovem livreiro assumia sozinho a editora, mantendo a marca com grafia um pouco diferente, com o número 7.

O capital com que iniciou a empreitada foram os US$ 2 mil que juntou para comprar a impressora a laser. Praticamente não havia quem fizesse edição com tiragem inferior a mil ou 2 mil exemplares. Com a nova máquina, usada em geral por quem imprimia cartão de visita, passou a produzir títulos que saíam com cem ou 200 exemplares. Nem tudo saía bem em suas experimentações editoriais. As capas tinham aparência rudimentar, e também havia limitação quanto à gramatura de papel. Uma solução foi imprimir ao menos as capas em gráfica tradicional. Como a tiragem mínima para rodar uma capa era mil, fazia ao mesmo tempo quatro – 250 para cada título. “A luta era para encontrar um sistema viável.”

Como Viveiros de Castro não tinha dinheiro para comprar direitos autorais, os autores jovens de prosa e poesia se tornaram mais que bem-vindos. Formou-se ali um polo para aglutinar nomes a serem descobertos. Ele nunca parou de receber originais – são hoje cerca de 200 por mês.

O crescimento da editora não alterou o modo de calcular tiragens. Continuam a ser feitas sob medida, a depender do título. As coedições, em que o autor se compromete a comprar ao menos parte da tiragem, também se mantêm para assegurar a liquidez da empresa. A compra mínima inicial garante os custos de produção. “Com títulos e gêneros pouco comerciais como os nossos, não poderíamos depender estritamente da venda em livraria”, afirma Viveiros de Castro, que nunca arriscou tomar empréstimo para tocar a editora.

Com tiragens comedidas, algumas obras vão superar mesmo as expectativas mais otimistas. O sucesso mais inesperado até hoje foi “No Shopping”, estreia de Simone Campos em 2000, na época com 17 anos. Tinha vendido bem no lançamento, ou seja, algo como 500 exemplares. Seu livro apareceu então numa cena de novela da Rede Globo. No dia seguinte, começaram os pedidos de todas as livrarias. Em uma semana, a primeira tiragem esgotou – teve de ser feita nova edição. Só em um mês, 4 mil exemplares foram vendidos, desempenho em loja mais expressivo até hoje na trajetória da 7Letras. Mas o maior best-seller é outro: “Adeus Conto de Fadas”, de Leonardo Brasiliense, que venceu o Prêmio Jabuti em 2007 na categoria juvenil. As vendas subiram sobretudo por causa das compras do governo. Ultrapassou os 50 mil exemplares.

Em duas décadas, o mercado editorial modificou-se em termos de produção, afirma o editor. “Tentava desde os anos 1990 fazer o que podemos hoje”, diz. Nos primeiros anos, “havia instrumental para produzir as matrizes, mas não tanto para rodar. Agora as ferramentas são outras. As gráficas também se modernizaram”. A impressão sob demanda contribuiu não só para reduzir perdas como para simplificar a operação. O novo sistema permite manter o estoque digitalmente, dispensando armazenagem ou logística complicada. Guardar tantos livros tem suas dificuldades. No Rio, há calor e umidade, o que prejudica a manutenção. Na última sede em Botafogo, tiveram sério problema com cupins.

Com as novas tecnologias a favor, a multiplicação das pequenas editoras torna o mercado mais favorável para outras pequenas? “Ajudaria se houvesse mais livrarias”, pondera Viveiros de Castro. O escoamento continua difícil, ou até piorou, afirma. “Não tem muita livraria mesmo. As que existem são ocupadas com best-sellers. Briga-se cada vez mais por espaço restrito, tanto que algumas cobram, e a consignação é voraz.” O editor relata que as livrarias não querem receber mais nada. “Nenhuma livraria tem meu catálogo inteiro, e todo autor quer ver o livro exposto na livraria.” No Rio, a distribuição é feita por conta própria. Em São Paulo, por distribuidores que chegam a outros Estados.

Os pontos de escoamento costumam ser, além de livrarias com perfil menos comercial, feiras universitárias como a da USP. A 7Letras já participou de Bienais. Desistiu. “Temos que praticamente nos mudar para o local desses eventos. Então ficamos 15 dias sem trabalhar na editora – o que atrasa tudo – para ter vendas insuficientes e pagar espaço caro”, afirma o editor. Sempre tem autor participando não só de Bienais, como de festas literárias importantes. Em 2013, por exemplo, Bruna Beber foi uma das convidadas da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty).

Ciência das dificuldades

Como parte do crescimento, a 7Letras passou a ter uma sócia em 2010. Isadora Travassos, de 36 anos, era uma editora já em sua segunda passagem por ali quando recebeu o convite. Antes, aos 18 anos, participara do começo da editora. Mudou-se para a Alemanha e, ao retornar, estava no meio de um doutorado em teoria literária na Unicamp. O novo design, que marca uma mudança na aparência dos livros, é de sua alçada. Imprimir em capa dura colorida, por exemplo, impensável no passado por uma pequena editora, é hoje uma possibilidade.

“Convidei-a para entrar de sócia porque era uma maneira de tê-la numa função para qual não podia pagar salário”, afirma o fundador. “Comprando uma parte, entrou no risco.” O expediente pode ir das 10h às 22h. Só depois de se desvencilhar de questões administrativas, que duram o dia inteiro, os sócios se concentram, a partir das 18h, na edição de fato.

O plano, como os dois explicam, não é crescer mais. “Queremos fazer menos livros”, diz Isadora. “Livros com mais retorno”, acrescenta Viveiros de Castro. O catálogo tem sido reorganizado, e há um investimento em autores internacionais, clássicos e contemporâneos. Charles Bukowski (1920-1994), Goethe (1749-1832) e Rilke (1875- 1926), por exemplo, levam de dois a três anos para esgotar mil exemplares. O desempenho não é ruim: alguns desses títulos chegam à quarta ou quinta edição. Com o chamado “fundo de catálogo”, as vendas são lentas, mas constantes. Entre os lançamentos recentes, estão os portugueses Maria Gabriela Llansol e Ruy Belo, nomes literariamente importantes, mas pouco conhecidos, que a 7Letras “quer revelar ao Brasil”, diz o editor. Das edições brasileiras previstas, anuncia as obras reunidas de Augusto Massi e Charles Peixoto.

O sucesso não é medido só pelas vendas. “Não estaria feliz se fosse só essa minha preocupação”, afirma o editor. “Consigo viver há 20 anos na atividade, mas não é só uma questão de pagar as contas. É a realização que se tem ao fazer um livro em que se acredita.” A trajetória de autor se manteve. Desde a estreia, seguiram-se outros quatro livros. Dois são de contos, “Shazan!” e “Outro (&Outras)”. O infantojuvenil “O Melhor Time do Mundo” é seu best-seller, com 15 mil exemplares vendidos, desempenho também impulsionado pela conquista de um terceiro lugar no Prêmio Jabuti, em 2007.

O livro mais recente é “A Invenção do Amor”, de estrutura parecida com o primeiro, um romance em fragmentos. Viveiros de Castro também participou de antologias e traduziu. “Não tenho a ilusão de viver de escrever”, diz. Parece pessimista, mas não é. Afinal, com a ciência das dificuldades, perseverou num ramo ousado. “A 7Letras mostrou que era possível. Existem muito mais jovens editores com iniciativas interessantes de pequeno porte”, avalia. “O mercado está um espetáculo, pena que não tenhamos leitor.”

Site: www.7letras.com.br

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Joselia Aguiar, para o Valor Econômico