Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Onde livros e cinema se encontram

O Festival de Cinema de Berlim e a Feira de Livros de Frankfurt, os dois eventos culturais alemães de maior prestígio mundial, têm seus caminhos cruzados uma vez por ano. O palco do encontro é o Berlin House of Representatives, onde na terça-feira foi realizada a 9ª edição do Books at Berlinale, um programa destinado a produtores, cineastas, editores e agentes literários que busca aquecer o mercado de adaptação de livros para as telas.

“Books at Berlinale é o primeiro evento a encorajar a sinergia entre livros e cinema dentro de um festival de filmes internacional de grande porte”, disse ao Valor Dieter Kosslick, o diretor da Berlinale, cuja 64ª edição segue até domingo com sede no centro nervoso de Potsdamer Platz. “Promovemos uma aproximação entre as duas indústrias para que os produtores e os diretores possam ter acesso a livros com potencial para filme. Muitos não sabem como abordar ou contatar o universo literário”, acrescentou.

Neste ano, mais de 120 livros, provenientes de 25 países, foram submetidos à seleção realizada por comissão da Feira de Livros de Frankfurt. Apenas 11 finalistas participaram da apresentação (que atraiu cerca de 150 produtores e diretores), incluindo uma obra brasileira: “A Filha das Flores”, primeiro livro da cantora Vanessa da Mata. Lançado no Brasil pela Companhia das Letras, o título chegará às livrarias da Alemanha na primavera europeia pela editora Ullstein/List.

“A história se desenrola em cenário perfeito para o cinema, o Mato Grosso tropical, onde vivem três meninas jovens e atraentes. É lá que elas crescem e descobrem o erotismo, o amor e a amizade, além do ciúme e do ódio”, afirmou Nicole Witt, diretora da agência literária Mertin (baseada em Frankfurt), que apresentou o livro em Berlim. A empresa negociou os direitos de outras obras em português que ganharam as telas, como “Ensaio Sobre a Cegueira”, de José Saramago (levado ao cinema por Fernando Meirelles, em 2008) e “O Homem Duplicado”, também de Saramago, que foi adaptado pelo canadense Denis Villeneuve no ano passado.

A seleção deste ano inclui ainda obras do Reino Unido (“Love, Love Me Do”, de Mark Haysom, e “A Kim Jong-Il Production”, de Paul Fischer), da França (“Back Up”, de Paul Colize, e “The Eduard Einstein Case”, de Laurent Seksik) e da Turquia (“More”, de Hakan Günday), entre outros títulos. “Damos preferência a lançamentos, best-sellers e vencedores de prêmios”, contou Britta Friedrich, diretora de eventos da Feira de Frankfurt. “Mas o que realmente importa é uma boa história, com uma trama bem elaborada e personagens complexos.”

Seleção literária

As vantagens em buscar inspiração na literatura são muitas, na visão de Britta. “Alguns livros já têm uma base sólida de fãs. E o fato de o enredo já ter sido testado no mercado editorial também reduz o risco para o produtor de cinema. Os leitores são espectadores em potencial”, observou.

Embora o processo de negociação das adaptações costume levar anos, Books at Berlinale já apresenta alguns casos de sucesso (além de outros em andamento). O romance “The Weekend”, de Bernhard Schlink, desembarcou nos cinemas no ano passado, com direção de Nina Grosse, após ter sido negociado no evento – uma realização do Berlinale Co-Production Market, a faceta business do festival de cinema alemão. Outro título “vendido” em Berlim foi “38 Témoins”, do escritor Didier Decoin, que ganhou uma versão cinematográfica pelas mãos de Lucas Belvaux e abriu o Festival de Cinema de Roterdã em 2012.

Segundo Sonja Heinen, diretora do Berlinale Co-Production Market, é importante manter o foco no mercado de cinema de arte – pelo fato de a clientela principal do Festival de Berlim pertencer a esse nicho. “Não é nossa função destacar livros com chances de render blockbusters em Hollywood.” A seleção literária precisa levar em conta as exigências de produção, priorizando as que se encaixam nas categorias de baixo e médio orçamento. “De que adiantaria apresentarmos um livro com potencial para virar um grande filme de ação ou uma obra da fantasia, carregada de efeitos especiais?”

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Elaine Guerini, para o Valor Econômico