Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A arte e o ofício de editar a si mesmo

Lilian Carmine, paulistana, ilustradora por formação, tem 34 milhões de leitores, é hoje editada pela Random House, maior casa editorial do mundo, e é publicada em mais de dez países.

Cristovão Tezza é um dos escritores brasileiros que equilibra sucesso de público e crítica: já ganhou todos os prêmios literários do País e tem mais de 40 anos de carreira literária em grandes editoras.

O que há de comum entre eles é a utilização, em um ou outro momento da carreira, de plataformas de autopublicação, ou self-publishing.

Lilian se formou em artes plásticas na FAAP e trabalha como ilustradora editorial. Teve vontade de escrever e compartilhar seus escritos, conheceu, por acaso, a plataforma Wattpadd, e resolveu jogar na rede suas histórias, escritas em inglês. O retorno foi enorme e surpreendente. Hoje, The Lost Boys é o livro mais lido do site, e Lilian aceitou o convite que recebeu da Random House para publicar seus livros em várias partes do mundo – no Brasil, o livro foi traduzido e publicado pela Leya em 2013, com tiragem de 30 mil exemplares.

Depois do sucesso absoluto e merecido de O Filho Eterno, Cristovão Tezza largou a universidade para se dedicar exclusivamente à literatura. Fã confesso do mundo digital, inclusive quando o assunto é leitura, ele ingressou na autopublicação depois de um convite da Amazon, no final de 2013. Pensou logo na tese de doutorado, publicada pela Rocco em 2003 e esgotada há anos. Dito e feito.

Fazendo as próprias capas, Tezza ainda autopublicou livros de ficção antigos, também fora de catálogo: A Suavidade do Vento e Ensaio da Paixão (que devem ser republicados, em papel, pela Record em 2015) e O Terrorista Lírico e A Cidade Inventada (estes, o autor não pretende fazer voltar às prateleiras). Outra autopublicação do escritor foi o livro Leituras – Resenhas & Ensaios, que reúne ensaios, críticas e artigos, com prefácio de Manuel da Costa Pinto. Somando todas as obras, ele vendeu 290 unidades.

“A autoedição, para mim, é uma opção para textos ou livros que fazem mais sentido em formato digital do que em papel, pela economia, praticidade e preço baixo, e é, principalmente, um hobby”, comenta. “Claro que não é a alternativa à edição tradicional”, diz, mas que, sim, “é um campo que se abre para ampliar a rede de leitores, num país que precisa urgentemente de mais leitura”.

Mercado

A plataforma brasileira Clube de Autores, criada em 2009, ganhou, na Feira do Livro de Londres, em abril, o prêmio de iniciativa mais inovadora do mundo no mercado editorial. Não é pouca coisa.

Para Ricardo Almeida, um dos fundadores da empresa, entre os fatores que levaram o Clube a conquistar o reconhecimento internacional estão a simplicidade do modelo de autopublicação, a quantidade de livros e o fato de que o autor não fica “amarrado” à empresa.

Na autopublicação, diferentes plataformas costumam oferecer serviços parecidos: o escritor faz um cadastro no site, monta a capa, envia o texto, escolhe o preço pelo qual o livro vai ser vendido e ele é então distribuído nas lojas digitais. Dependendo da plataforma, o livro pode ser físico, digital, ou ambos. Tudo isso de graça.

No caso do Clube, há contratos com gráficas espalhadas pelo Brasil, e os livros são impressos sob demanda, ou seja, não há uma tiragem mínima, o livro é impresso quando um cliente faz a compra. “Os físicos correspondem a 90% das nossas vendas, e essa predominância é a situação dos mercados no mundo todo”, afirma Almeida, que também distribui e-books.

Em abril, a Leya se tornou o primeiro grande grupo editorial com atuação no País a lançar sua própria plataforma, o selo digital Escrytos. Para a diretora de marketing do Grupo Leya, Thais Marques, a ideia é dar oportunidade a novos escritores para apresentar seus trabalhos. Questionada se existe algum tipo de desconforto na editora em relação à plataforma, Thais é enfática. “Pelo contrário, a editora encara como uma oportunidade de descobrir autores com potencial que decidem se autopublicar.”

Para Ricardo Almeida, há um preconceito no mercado tradicional em relação à autopublicação, mas não existe “canibalização” de vendas ou mesmo de produção. “A curadoria de um editor, por exemplo, continua sendo importante, mas acredito que o mercado também é um bom seletor”, diz.

As duas plataformas oferecem ao escritor o contato com profissionais do mercado editorial – editores, diagramadores, capistas.

O clima de boa convivência também é sugerido pela coordenadora da Comissão do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro, Susanna Florissi. Para ela, a autopublicação é interessante, mas o editor é fundamental, especialmente no que diz respeito à qualidade do texto. “Mas acredito que toda editora séria esteja acompanhando o fenômeno, nem que seja para descobrir autores com grande potencial e textos relevantes, inovadores e interessantes.”

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Guilherme Sobota, do Estado de S.Paulo