Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Literatura tornou-se um mercado pagão

“O crítico literário é um homem que sabe ler e que ensina os outros a ler.” (Charles Augustin Saint-Beuve)

Um crítico apurado talvez não considerasse de bom-tom iniciar o artigo com uma citação que beira o clichê. No entanto, em nosso caos cultural, mergulhados na profusão de títulos que são lançados diariamente às livrarias, nem assustaria vermos alguns livros com o carimbo made in China. Sim, a internet e o Word produzem escritores em escala industrial e quase sempre sem controle de qualidade. Junto com o fenômeno da multiplicação dos livros, surgiram os messias e as oficinas literárias que prometem formar os novos best-sellers do século. A literatura se tornou um mercado pagão.

Ao olhar para trás, lembrando um período não tão remoto, encontramos nomes como Otto Maria Carpeaux, Augusto Meyer, Álvaro Lins, Antonio Candido, Silviano Santiago. Personagens que atravessaram o século 20 avaliando obras e proporcionando, por meio dos jornais, as críticas de rodapé – eram elas que despertavam o crivo dos leitores. A maioria desses críticos começou a escrever numa época em que não havia especialização em Letras e Literatura, elaboravam análises facilmente compreendidas pelo brasileiro médio, conduzindo-os ao encontro dos melhores autores e elegendo os clássicos que até hoje enaltecem as bibliotecas. O que houve com a crítica literária? O jornalista José Castelo, colaborador da Gazeta do Povo, O Globo e Valor Econômico, afirma que ela não mais existe.

Atribuem o ocaso da crítica à implantação da Teoria da Literatura nas universidades. As análises, antes acessíveis, ganharam ares incompreensíveis, pernósticos, rodeadas de códigos ininteligíveis ao leitor comum. Enquanto os primeiros críticos brasileiros do século 20 avaliavam e avalizavam um livro, os rebentos da Teoria Literária dissecavam cientificamente um texto. A ótica universitária trouxe o peso do enfado.

O rótulo de produto

Como nada se perde e tudo se transforma, a necessidade do lucro fez nascer no mercado editorial duas deturpações pejorativas: o publisher e o resenhista.

O publisher veio tomar o lugar do nobre ofício de editor. Agora, os livros são publicados visando o seu potencial de vendas, a capacidade do autor agregar leitores, a busca de nichos comerciais imbuídos de caráter pecuniário.

O resenhista é a versão empobrecida do saudoso crítico literário, é a crítica prostituída. Longe de ser um teórico, ele se coloca como leitor profissional. A resenha não se obriga ao compromisso com a linguagem, nem a conceitos ou tradição. É uma redação sobre um livro e se presta, geralmente, a promover o salto das vendas. Não é incomum perceber a relação incestuosa entre resenhistas, autores e editoras. Se quiséssemos alçar a resenha ao patamar de crítica, nós a chamaríamos de “crítica de patota”. Qualquer garoto de 15 anos elabora uma resenha, não é preciso muito, além de ler o livro e desenvolver elogios ou apontar erros. Tudo irá depender da intenção, nunca de um compromisso estético.

Após a revolução da informática, nunca tivemos tanto a necessidade do crítico literário que nos traga novamente a avaliação que avaliza aquilo que se deve ler, que devolva ao livro o status de obra de arte e retire dele o rótulo de produto. Do jeito que estamos, o universo literário representa uma Gotham City onde o Batman é um herói falecido.

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Alexandre Coslei é jornalista