Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Livro-reportagem investiga quebra da bolsa de NY

Neste fascinante livro-reportagem, Ivan Sant’Anna relata, como num filme de suspense, com cortes abruptos, flashbacks e inversões de tempo, os fatos que deram origem ao crash da Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929, e os que vieram depois, lançando o mundo no abismo. O autor aliou sua experiência de quase 40 anos no mercado financeiro à pesquisa cuidadosa de dezenas de obras que tratam do assunto, de autores tão díspares como Keynes e Malraux, Greenspan e Steinbeck.

Sant’Anna vê na catástrofe que demoliu “o mais emocionante jogo capitalista inventado pelo homem, o jogo-do-fique-rico-depressa”, segundo um jornal da época, a resultante das “três grandes forças que regem o mundo: estupidez, ganância e medo” — expressão que ele atribui ao megainvestidor Warren Buffet, numa epígrafe.

Na época dos crashes de 24 e 29 de outubro, os Estados Unidos eram a maior potência econômica do planeta, como ainda o são, hoje com a China mordendo-lhes os calcanhares. O livro mostra, com mão leve, não professoral, como o boom se assentou muito mais em fantasia e ganância do que na realidade. E desvenda o circulo vicioso: todos compravam ações porque elas subiam; e elas subiam porque todos compravam.

Este ritmo alucinante se devia a ser cada vez mais fácil para todos — donas de casa, empregados do comércio, pequenos empresários — pegar dinheiro emprestado no banco para comprar ações.

E tudo conspirava a favor da cegueira parcial de quase todos. Jornalistas eram subornados para publicar notícias falsas a favor de determinados papéis. O financista que pôs de pé o Empire State Building escreveu num artigo: “todo mundo deveria ser rico”. Este “todo mundo” incluía celebridades, como Charles Chaplin e Irving Berlin; e anônimos, como a cozinheira da Quinta Avenida que abandonou o emprego por exigir, e não ser atendida, um terminal com as cotações de Wall Street na cozinha.

Perdas de US$ 50 bilhões

A astróloga Evangelina Adams ficava a cada dia mais rica prevendo em suas consultas sobre a Bolsa: “vai subir”. E o engraxate Pat Bologna, estabelecido na calçada da Wall Street, ganhava centenas de dólares repassando a principiantes dicas que recebia de banqueiros cujos sapatos lustrava.

Enquanto isso, ao longe, como nuvens pesadas antes da tempestade de verão, a economia real dava sinais de que as coisas não iam bem: pátios abarrotados de carros nas fábricas e revendas; milhares de imóveis sem comprador.

Sant’Anna observa que só um homem alertava, havia dois anos, para o débacle: fábricas fechariam; empregados iriam para a rua; o resultado final seria uma imensa depressão econômica. Era o matemático e estatístico Roger Babson. Mas ninguém o ouvia, a ganância se sobrepunha à lógica.

Até que a calamidade tomou o lugar da ciranda da felicidade. As perdas totais chegaram a US$ 50 bilhões — dez vezes a quantidade de moeda em circulação no país, na época. O engraxate Pat Bologna voltou à sua bancada, e lá ficou nos 50 anos seguintes. A vidente sumiu. Chaplin não perdeu um cent: caiu fora na hora certa. Irving Berlin, cujas canções rendiam milhões de dólares cada, levou 50 anos para recuperar seu dinheiro.

Numa passagem no final, o autor, para não perder a viagem, desmonta um mito: o de que o crash de 1929 teria sido o detonador de uma onda de suicídios. Houve baixas, sim, mas as de sempre. “Puro folclore; exagero”, escreve Sant’Anna.

E o autor termina sua obra com uma reflexão: “Um erro comum nas pessoas que têm sucesso em determinado momento da vida é o de confundir o fato (correto) de que foram vencedores porque estavam do lado certo com o fato (incorreto) de que qualquer posição que assumam passa a ser imediatamente a certa.”

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Ivo Cardozo é jornalista