Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Jornalista expõe casos de corrupção na Fifa

O jornalista português Luís Aguilar, de 32 anos, é torcedor do Benfica e um apaixonado por futebol. É essa paixão que o motiva a mostrar o lado podre da entidade máxima do esporte, a Fifa, no livro Jogada ilegal (Gryphus), que acaba de ser lançado no Brasil. Em entrevista ao Globo, por e-mail, ele afirma que os protestos contra a organização têm fundamento, que a Copa do Mundo é um negócio bom apenas para ela, mas que poderia ser para todos e defende que é preciso tirar o futebol das suas garras.

“O meu livro pode ser resumido assim: ‘Intrigas, subornos, compra de votos, venda ilegal de ingressos, dirigentes racistas, amizades com governantes violadores dos direitos humanos, suspeitas de tráfico de drogas e armas. Tudo sob a égide de lemas tão apelativos como my game is fair play (meu jogo é limpo). Bem-vindos ao incrível mundo da Fifa’”, afirma Aguilar.

“Pior é impossível”

A Copa no Brasil é marcada por contrastes, a divisão do país e críticas à Fifa. Agora, o próprio Joseph Blatter, presidente da instituição, enfrentou questionamentos, com a posição da Uefa de não apoiar sua reeleição. Como você vê esse processo?

Luís Aguilar– A reação do povo brasileiro é natural, compreensível e temos de estar solidários com todos aqueles que se manifestam. Manifestações pacíficas, claro, porque a violência é sempre reprovável. Primeiro, o governo diz que o Mundial ia ser financiado pela iniciativa privada. Depois, vemos que a quase totalidade do investimento vem dos cofres públicos. E aqui começa a revolta. Porque é o povo brasileiro que paga a Copa, que paga os estádios. A Fifa, por outro lado, só tem lucro. Chega ao Brasil e diz ao governo que tem de ter isenção de impostos. É uma ditadura. E o governo do Brasil, claro, permite. A revolta foi natural. Blatter é o rosto da Fifa, seu presidente. O símbolo da ditadura da Fifa no Brasil. É natural que ele seja o principal visado pelos protestos, assim como o secretário-geral, Jérôme Valcke. Um homem que disse coisas horríveis, que o Brasil merecia levar um chute no traseiro e que o país era demasiado democrata e por isso era difícil organizar o Mundial. É uma falta de respeito, uma ofensa. A Fifa fala de igualdade, de fair play, de lutar contra a discriminação. Depois, uma das suas altas patentes vêm dizer que é uma chatice fazer Copas em países com muita democracia.

Qual é a situação da Fifa hoje?

L.A.– A Fifa é como um organismo que tem muitos homens com tendência para a corrupção e que se sentem intocáveis. Um organismo que devia ser um exemplo de transparência e dignidade, mas que, infelizmente, consegue sempre surpreender negativamente quando já parece impossível. Veja: depois de todos os escândalos dos subornos da ISL, que envolveram João Havelange, Ricardo Teixeira e Nicolas Leoz, parecia que não podia haver algo pior. Mas, de repente, aí está o Qatargate, aí estão as exigências fiscais feitas ao Brasil. Muitas das pessoas que estão na Fifa conseguem, claramente, desafiar os limites da expressão “pior é impossível”. É um organismo que precisa ser limpo desde a raiz. Precisa de pessoas novas, que nunca lá tenham estado, em todas as áreas. Gente como Romário, por exemplo.

“Parece que a presidente Dilma trabalha para Blatter”

O senhor odeia a Fifa?

L.A.– Não foi o ódio que me moveu para fazer este livro. Pelo contrário, foi o amor ao futebol. Antes de tudo, sou um torcedor e quero que ele seja bem representado. Não consigo aceitar que este fenômeno lindo, esta forma de arte maravilhosa que é o futebol, possa ser machucado e usado por gente que quer saber apenas de si, dos seus interesses políticos e das suas contas bancárias. O futebol merece mais. Os jogadores, treinadores e torcedores merecem mais. O que odeio é a corrupção, a hipocrisia, a desigualdade, a violação de direitos humanos. A Fifa devia dar o exemplo a outras confederações, times e tudo o que envolve o futebol. Não o faz. Devia promover a liberdade de expressão, a igualdade, devia lutar contra a discriminação, contra a violação dos direitos humanos. Não o faz. Luta apenas pelo seu lucro desmedido. E depois o seu presidente diz que se trata de uma instituição sem fins lucrativos e que os bilhões que estão na conta bancária são apenas uma reserva. Isto é gozar com os pobres.

O futebol existe para além da Fifa?

L.A.– Claro que sim e é disso que a Fifa se vale para continuar agindo com total impunidade e fazer o que quer, onde quer, como quer, tal como tem acontecido no Brasil. O futebol não é a Fifa, felizmente. É a paixão, a emoção, a loucura dos torcedores, os grandes jogadores, os grandes jogos, os grandes treinadores. É o melhor espetáculo do mundo. É provavelmente o fenômeno social mais fascinante do mundo. A Fifa é dona da Copa do Mundo, o evento máximo do futebol. E usa a Copa para encher os seus cofres. A paixão cega dos torcedores, muitas vezes, impede-os de ver as suas manobras. Mas, felizmente, já foi pior. O Brasil é um exemplo. Os brasileiros, que amam futebol, mostram que não querem futebol a qualquer custo. Não querem futebol às suas custas. Não querem que a Fifa chegue ao país e mande mais do que o governo. Ao vermos tudo o que se tem passado no Brasil, parece que a presidente Dilma trabalha para Blatter. Logicamente, os brasileiros não podem gostar disso. Mas isso não tem nada a ver com futebol. Isso é política e jogos de interesses. O futebol é outra coisa. O futebol é Pelé (o jogador, e não o homem), é Garrincha, Romário, Ronaldo, Eusébio, Maradona, entre outros.

“Há o caso português, com Scolari, na Euro 2004”

Se o senhor fosse presidente da Fifa, que tipo de reforma empreenderia?

L.A.– Não tenho essa ambição e acho que o presidente deveria ser alguém que fez parte do jogo, um treinador ou jogador, e não um político. Mas alguém que tenha feito parte do jogo e não seja como Michel Platini (presidente da Uefa), claro. Falando apenas de uma forma hipotética, se eu fosse presidente da Fifa começava por despedir todos aqueles que fazem parte do comitê executivo e já estiveram ligados a casos de alegada corrupção. Também não escravizava um país, exigindo isenção fiscal para mim, para a minha direção e meus parceiros comerciais. A Copa é um grande negócio, mas pode ser um grande negócio para todos. Em suma, trabalharia com os governos, não punha os governos a trabalhar para mim. Também anulava qualquer processo de votação sobre o qual recaíssem suspeitas de corrupção, como no caso da Copa do Qatar. Também seria mais forte na luta contra o racismo e a discriminação. A Fifa fala em tolerância zero para o racismo, mas essa tolerância fica apenas no papel. Por exemplo, Kevin Boateng (atacante alemão), quando estava no Milan, saiu de campo num jogo depois de ter sofrido insultos racistas. Blatter começou criticando essa atitude e só depois deu o braço a torcer porque percebeu, junto com o seu departamento de relações públicas, que seria melhor para sua imagem se estivesse ao lado de Boateng.

Como o senhor vê a relação entre futebol e sentimentos nacionais?

L.A.– O futebol sempre foi utilizado para exaltação dos sentimentos nacionais. É natural que seja assim porque é um fenômeno único na mobilização das massas. Algumas vezes foi bem utilizado, outras mal. Entre os exemplos negativos estão Mussolini, na Itália, em 1934, e Videla, na Argentina, em 1978. Mas há o caso português, com Luiz Felipe Scolari, na Euro 2004. Aquela equipe conseguiu unir o país inteiro em uma grande celebração. A forma fácil de comunicar usada por Felipão foi muito importante. Em toda a minha vida, nunca tinha visto meu país tão unido. Foi um sentimento nacional bonito. Também temos o caso da França multiétnica em 1998, um país que sempre sofreu muitas divisões raciais. Na noite em que a França foi campeã, o Champs-Elysées, em Paris, se encheu de franceses de diferentes gerações e origens. Há uma cena linda: a imagem de Zidane, filho de pais argelinos, projetada no céu de Paris e celebrada por todos os franceses. Tudo por causa da vitória de uma equipe que representava esse espírito.

“Espero uma final entre Portugal e Brasil”

Os estádios estão deixando de ser locais do povo e se transformando em clubes para ricos?

L.A.– Em alguns países mais do que outros, especialmente nas Copas e nos torneios europeus. Sei que no Brasil essa é uma discussão e que o preço dos ingressos tem subido muito. Em Portugal, o problema não foi o preço dos bilhetes, que não aumentaram muito e, em alguns casos, até baixaram. O problema aqui é que o poder de compra baixou muito. Quando não há dinheiro, tudo é caro. Depois, na Europa, há casos e casos. Na Espanha, por exemplo, os preços de Real Madrid e Barcelona são uma loucura. No campeonato alemão, os preços são mais baixos, mais justos e isso nota-se pela taxa de ocupação dos estádios, a maior da Europa. Na Inglaterra, há de tudo. Em geral, depende muito dos clubes e da dimensão que têm. Real e Barça são os que têm preços mais caros, mas sabem que vão ter sempre o estádio cheio. Têm dimensão para isso. Mas os clubes sem essa capacidade deviam praticar preços mais baixos, claro. Às vezes, mais vale ter o estádio cheio a um preço mais baixo do que ele vazio a preços exorbitantes. Talvez ganhem o mesmo ou mais, com o estádio cheio. E a publicidade também vale mais num estádio que tem sempre boas taxas de ocupação.

O senhor acredita em resultados armados em Copas do Mundo?

L.A.– A Copa do Mundo é um evento lindo no ponto de vista dos jogadores, das equipes e dos torcedores. O sentimento que existe ali é mágico e gosto de separar isso do resto. Agora, se existem Copas do Mundo armadas? Mussolini em 1934, Videla em 1978. Parecem não restar muitas dúvidas que essas duas, pelo menos, foram armadas para facilitar a vida do vencedor. E não podemos esquecer de todas as ajudas que deram à Coreia do Sul em 2002, nos jogos contra Itália e Espanha. Duas arbitragens que foram uma vergonha. Infelizmente, essas são páginas negras na Copa do Mundo.

Quais os seus prognósticos para Brasil, Portugal e esta Copa em geral?

L.A.– O Brasil tem uma equipe jovem, mas muito unida. E, acima de tudo, tem Luiz Felipe Scolari, que é muito melhor em seleções do que em clubes. Tem a capacidade de fazer grupos muito unidos, verdadeiras famílias, equipes que jogam com muito coração e deixam tudo em campo. Foi assim com o Brasil, em 2002, e com Portugal, entre 2004 e 2008. Não havia homem melhor para comandar o Brasil nesta Copa do Mundo. Portugal é uma seleção muito dependente de Cristiano Ronaldo, do que ele for capaz de fazer. Mas tem Ronaldo, claro, o melhor do mundo. Não somos tão candidatos como o Brasil, mas podemos fazer uma boa Copa. No geral, Alemanha e Holanda são outras com grandes chances de vencer. A Argentina também é muito forte, mas parece ter uma defesa mais frágil do que em outras Copas e depende muito da forma de Messi. Creio que Colômbia e Bélgica podem ser as revelações, gosto muito do futebol ofensivo das duas equipes. Esta Copa começou com bons jogos, belos gols e uma surpresa que foi a goleada que a Espanha sofreu contra a Holanda. Espero que os grandes jogos continuem e que os erros grosseiros dos árbitros acabem. A Copa merece árbitros melhores. Para resumir, espero uma final entre Portugal e Brasil. Com três gols de Neymar… E quatro do Cristiano Ronaldo.

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Arnaldo Bloch, do Globo