Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Para jornalistas e internautas resistirem às correntezas

Às vezes, publicações escritas para um público específico podem ter relevância social muito mais ampla do que a esperada. Este é o caso de Jornalismo na correnteza: senso comum e autonomia na prática jornalística (Senac, 2013), da professora e jornalista Ana Lúcia Vaz. No livro, escrito para jornalistas e estudantes de Jornalismo, a autora reflete sobre como profissionais da imprensa podem e devem buscar em si mesmos a autonomia para – dentro das limitações da profissão – fazer jornalismos diferentes.

Mas, com linguagem acessível e narrativa envolvente, Jornalismo na correnteza também é um livro para quem não é jornalista refletir sobre as correntezas de (des)informação, superficialidade e ódio – principalmente nas redes sociais.

Ana Lucia Vaz reflete sobre a prática jornalística a partir tanto da sua experiência como jornalista envolvida em movimentos políticos, sindicais e sociais quanto dos diálogos com seus alunos universitários. A metáfora da correnteza se refere às pressões sobre jornalistas para noticiar informações que vendem e dão audiência, mas que consequentemente reforçam nossas crenças, preconceitos e outros aspectos do senso comum. Para a autora, a solução está em como jornalistas percebem suas ações. “Deixar-se levar ou não pela correnteza depende mais da postura pessoal do jornalista do que de seu contrato de trabalho ou filiação partidária. O que torna o jornalista revolucionário ou conservador em seu trabalho é principalmente seu modo de pensar e sentir a realidade e, mais ainda, sua disposição de duvidar das próprias verdades” (p. 19).

Utilidade pública

Para que o jornalista lide com a correnteza, o livro começa descrevendo diferentes formas de jornalismo (corporativo, sindical e comunitário) em tempos de popularização da internet. A ideia central é a de que a pressão do senso comum é inevitável na prática jornalística (seja na imprensa empresarial ou de resistência).

Em seguida, a autora reflete, sugere e demonstra como jornalistas podem se tornar mais autônomos. Para isso, é preciso abandonar o mito da neutralidade e ter uma postura de ouvintes que refletem em seus textos a complexidade de verdades diferentes no cotidiano. A ênfase no jornalista como indivíduo expõe Ana Lucia Vaz à possíveis críticas. Alguns leitores podem sugerir que as recomendações deem uma impressão falsa de autonomia individual de jornalistas que esbarrariam nas barreiras editoriais do veículo em que trabalham. Além disso, leitores menos atenciosos podem acusar o livro de utópico por sugerir que profissionais desafiem às demandas de velocidade de produção de notícias nos dias de hoje.

No entanto, o leitor não deve se enganar: Jornalismo na Correnteza não é um guia prático, um livro de autoajuda ou um ataque vazio ao mercado da informação. Ao contrário, o livro é uma provocação para o profissional e o estudante refletirem sobre o tipo de jornalista que querem ser apesar de todas as restrições mercadológicas e ideológicas. Jornalismo na correnteza também é provocador para o público geral. Por não ser carregado em jargões profissionais e acadêmicos, o livro também convida quem não é jornalista a refletir sobre sua própria responsabilidade na geração e circulação de informação. Um exemplo atual é o fenômeno das correntezas de (des)informação e ódio que tem feito pessoas se bloquearem e se excluírem, especialmente no Facebook.

Os fenômenos nas redes sociais demonstram que nós também somos responsáveis pela correnteza angustiante do senso comum. Para quem usa redes sociais, é mais rápido e conveniente circular as notícias prontas do que pesquisar e dizer algo diferente. Também opinamos muito mais online. Mas na ânsia de falar e com preguiça de ler, acabamos despejando nossos preconceitos assim como nosso sarcasmo agressivo e mal-informado na rede.

Aí está a utilidade pública de Jornalismo na correnteza. Ao identificar a correnteza do senso comum e sugerir maneiras pelas quais jornalistas possam agir diferente, Ana Lucia Vaz também oferece a todos nós uma reflexão mais ampla sobre a posição e a responsabilidade de cada um de nós cidadãos na formação das correntezas do senso comum. E principalmente nos oferece ideias de como fazer para resistir e contribuir para mudar a maré.

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Leonardo Custódio é pesquisador