Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Sete autores revelam os livros mais importantes em suas vidas

No Dia Nacional do Livro, sete autores nacionais respondem uma pergunta considerada por muitos um impasse: “Qual foi o livro nacional mais marcante em sua vida?”. As respostas de Thalita Rebouças, Laurentino Gomes, Bernardo Kucinski, Antônio Torres, Luisa Geisler, Raphael Montes, Clarice Freire foram tão diversas quanto a literatura brasileira e vão desde de a poesia de Adriana Falcão à aventura de Riobaldo, em “Grande Sertão: Veredas”.

>> A gaúcha Luisa Geisler está na lista dos vinte melhores jovens escritores brasileiros da Revista Granta. Estudante de Ciências Sociais (UFRGS) e Relações Internacionais (ESPM/RS), teve seu livro de estreia, “Contos de mentira” (Record), premiado na categoria conto do Prêmio Sesc de Literatura 2010/2011. No ano seguinte, “Quiçá” (Record) recebeu o mesmo prêmio na categoria romance e foi finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autor estreante. Seu livro mais recente é “Luzes de emergência se acenderão automaticamente” (Alfaguara).

“Me lembro da primeira vez que li ‘Grande Sertão: Veredas’. Tinha algo como 11 anos, alguém o mencionou na escola. Entendi aproximadamente nada. E me lembro da segunda vez que li ‘Grande Sertão: Veredas’. Meu professor do curso pré-vestibular passara duas aulas a contar a história do livro, prendendo a atenção de uma turma de 200 adolescentes. Tentei de novo. Por já ter noção, entendi uns 60%. Eu me irritava por não entender trechos, ou precisar reler com calma e (pasmem) pensar. Transformei-o quase em um ritual de verão. ‘Grande Sertão: Veredas’ me ensinou o prazer de um livro que seduz nos mistérios dele mesmo e se desvenda mais de uma vez. Não tenho dúvida que comecei a ‘querer’ ser escritora porque ‘Grande Sertão’ mostrou que eu ‘podia’ escrever de um jeito não tão linear, certinho. Foi um livro que mostrou que o leitor importava. Anos depois, tatuei um ‘Travessia.’, mas sempre duvidei de quem disse entender 100% do livro.”

>> Raphael Montes ganhou destaque no cenário nacional com sua literatura de suspense. Com o livro “Suicidas” (Ed. Benvirá), o autor, de 24 anos, já foi finalista do Prêmio Benvirá de Literatura, em 2010, do Prêmio Machado de Assis, em 2012, da Biblioteca Nacional e Prêmio São Paulo de Literatura, no ano posterior. Em abril de 2014, publicou “Dias Perfeitos” (Ed. Companhia das Letras), que teve os direitos de tradução vendidos para oito países (EUA, Canadá, Inglaterra, França, Espanha, Itália, Alemanha e Holanda) e será adaptado para o cinema.

“Na medida em que é quase impossível determinar um único livro que nos influencia na forma de escrever ou nas ideias, busco na memória o livro nacional que me influenciou na escolha da profissão. Eu tinha doze anos e não gostava de ler – lá em casa, não havia muitos livros e os da escola me pareciam chatos, herméticos, escritos só para que a professora fizesse perguntas difíceis na prova de português.

Foi nessa época, durante um fim de semana em Pentagna (distrito de Valença, interior do Rio de Janeiro), que conheci o tal Sherlock Holmes e tomei gosto pela leitura. Logo depois, minha tia-avó me presenteou com ‘A droga da obediência’, do Pedro Bandeira. Era uma aventura divertidíssima de uns jovens chamados ‘Os Karas’ que se metem numa trama internacional sobre uma perigosa droga testada em colégios de São Paulo. Fiquei vidrado, enlouquecido com os mistérios, as deduções, as ameaças do Doutor QI. Fechei o livro pensando que queria ser um dos Karas. Não durou muito. Ser detetive não era minha praia. Então, pensei: que tal escrever histórias de detetive?”

>> Com 18 livros publicados, Thalita Rebouças é sinônimo de sucesso: já vendeu mais de um milhão de exemplares. Com 10 anos já se autodenominava “fazedora de livros”, mas foi só depois de cursar Direito e Jornalismo que a carreira de escritora tornou-se realidade, graças a um incentivo na infância. Seu próximo livro será “360 dias de sucesso” (Rocco), já em pré-lançamento.

“Do alto dos meus 14 anos estava na fase “ler é chato”, convicta de que livros eram tediosos e só serviam para fazer provas – e olha que passei a infância devorando Ziraldo, Ruth Rocha e Mauricio de Sousa e a pré-adolescência entregue aos títulos da série ‘Vaga-lume’. Quando o professor de literatura mandou a turma ler ‘Feliz Ano Velho’, de Marcelo Rubens Paiva, a coisa mudou de figura.

Ao contrário do que acontecia quando o mestre indicava obras literárias, não torci o nariz. Achei o título diferente, fiquei louca para ler. A curiosidade foi saciada em poucas horas, o tempo que levou para que eu me encantasse com a história – que me fez rir, chorar, refletir e, mais importante: me fez gostar de livros de novo. Pra sempre. Valeu, Marcelo!”

>> Aos 25 anos de idade, Clarice Freire alcançou primeiro o sucesso nas redes sociais: desde 2011, são mais de 1,2 milhões de pessoas que a acompanham no Facebook e mais de 103 mil seguidores no Instagram. Tamanho o sucesso fez com que ela chegasse às páginas físicas. A pernambucana lançou “Pó de lua” (Ed. Intrínseca) em agosto e desde então, está nas listas de mais vendidos.

“Pense na dificuldade que é, para mim, apontar ‘o mais’, ‘o que mais’. Escolher sempre foi um sofrimento, apesar de gostar de superlativos. E isso aumenta com a idade, pode crer. Não que a minha seja muito avançada. Ou seria? Estou em dúvida. A dificuldade da escolha do livro nacional que mais me marcou é grande porque um me marcou mais na poesia, outro na alma, outro nas gargalhadas, outro no aprendizado, cada um em uma fase diferente da vida. Por fim, acabei escolhendo um que li mais recentemente. Se chama ‘Luna Clara e Apolo Onze’, de Adriana Falcão. Escolhi simplesmente porque ele me transpassou direta e delicadamente pela poesia, pela alma, pela gargalhada e aprendi absurdamente. Poucas coisas me tocam mais que os encontros e desencontros da vida e este livro gira em torno deles, regado de poesia, de nomes e nomenclaturas regadas de significado, de filosofia, de beleza e tudo dentro de um universo fantástico. Muito mais interessante que os nossos universos, na minha opinião. Sentimentos e ideias são personagens tão concretos quanto os de carne e osso. Ou letra e papel. É uma viagem ao coração, passando pela lua dos apaixonados, pela pureza perspicaz da criança e a entrega dos loucos. Um encanto.”

>> Laurentino Gomes foi responsável por fazer a História Nacional sucesso de vendas e de crítica. Com a publicação do livro “1808”, sobre a chegada da família real no Brasil, ganhou, em 2008, o prêmio de melhor livro de ensaio pela Academia Brasileira de Letras e o Prêmio Jabuti de literatura. Dois anos depois, publicou o livro “1882”, tratando sobre a independência do Brasil. A obra foi “Livro do Ano” na categoria de não-ficção da 53º edição do Prêmio Jabuti. E esse ano, Laurentino Gomes levou o Jabuti categoria Reportagem com “1889”.

“‘Sagarana’, de João Guimarães Rosa, é um livro que marcou profundamente toda a minha formação desde a época da adolescência em Maringá, a cidade em que nasci no Paraná. É uma obra de linguagem aparentemente simples e despretensiosa, mas revolucionária e surpreendente na forma e no conteúdo. Meu conto preferido é ‘O Burrinho Pedrês’, o primeiro da obra, que narra a saga e os pensamentos – sim, os pensamentos, porque em Guimarães Rosa os bichos pensam, falam, meditam e filosofam – de um velho e experiente animal durante uma temporada chuvosa de uma fazenda do interior de Minas Gerais. Publicado originalmente em 1946, é um livro de contos, uma pequena obra-prima na qual Guimarães Rosa testou com absoluto êxito a fórmula que, uma década mais tarde, o consagraria definitivamente em ‘Grande Sertão: Veredas’, seu romance mais famoso. Por isso, considero Guimarães Rosa o mais talentoso e inovador de todos os escritores da língua portuguesa. Reinventou a literatura brasileira ao incorporar o vocabulário simples, mas riquíssimo, do sertão de Minas Gerais para contar estórias envolvendo animais, tipos humanos e paisagens. Ainda hoje costumo reler ‘Sagarana’ sempre que possível, na maioria das vezes por simples prazer.”

>> Nascido em 1937, em São Paulo, Bernardo Kucinski descende de uma família de judeus imigrantes da Polônia. Apesar de graduado em Física pela Universidade de São Paulo, tornou-se tornou-se jornalista e foi editor-assistente da revista Veja e do jornal Gazeta Mercantil e cofundador de vários jornais alternativos, entre os quais “Amanhã”, “Opinião”, “Movimento” e “Em Tempo”, e do site “Carta Maior”. Seu romance “K.” (Cosaf Naify) foi finalista dos prêmios Portugal Telecom e São Paulo de Literatura de 2012 e narra a história de um pai em busca da filha que desapareceu durante a ditadura militar no Brasil.

“Desde a infância leio tanto que não posso dizer ‘este livro foi o que mais me influenciou’. De cada um, algo ficou dentro de mim. Na infância, certamente, Monteiro Lobato tomou conta da minha imaginação. Já na adolescência foram muitos, Jorge Amado, Graciliano, Machado, na maturidade Verissimo, Guimarães Rosa e Clarice. Lembro ainda de ‘A morte e a morte de Quincas Berro D´água’ , de Jorge Amado, ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa e ‘Vidas Secas’, de Graciliano. Hoje, já como escritor em busca de suporte, estou lendo autores portugueses e africanos, e relendo Graciliano e José Lins do Rego.”

>> Dono da cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras desde novembro de 2013, Antônio Torres é um dos nomes mais importantes da sua geração. Nasceu no pequeno povoado do Junco (hoje a cidade de Sátiro Dias), no interior da Bahia e, em Salvador, formou-se jornalista, trabalhando no Jornal da Bahia e no Última Hora. Em 2000, recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras para o conjunto da obra: 17 publicações, entre romances, livros infanto-juvenis, contos e crônicas.

“Vim do sertão (baiano) e já havia chegado a São Paulo quando bati os olhos pela primeira vez num livro de Guimarães Rosa. Foi um deslumbramento. Através de suas páginas, eu iria fazer uma viagem de volta texto à fauna e flora, cheiros, cores e falares da minha infância. Memorável João. Embreei-me em suas veredas.”

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Marilise Gomes é estagiária, com supervisão de Eduardo Rodrigues, do Globo