Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Sérgio Porto sem o seu ‘heterônimo’

Publicado em 1958 pela Livraria José Olympio Editora, O Homem ao Lado é o primeiro livro de crônicas de Sérgio Porto. São textos escritos para o jornal Diário Carioca e a revista Manchete, há quase 50 anos, que agora reaparecem enfeixados pela Companhia das Letras. O belo pontapé inicial no projeto de relançamento da obra completa do autor tem curadoria do jornalista Sérgio Augusto.

Com seu nome na carteira de identidade, Sérgio Porto só publicou mais três livros: Pequena História do Jazz (1953), uma “plaquete” editada pelo então Ministério da Educação e Saúde; A Casa Demolida (1963), recriação, com acréscimo de 12 crônicas, de O Homem ao Lado; e as novelas de As Cariocas (1967), com que deu uma guinada à ficção, infelizmente interrompida aos 45 anos com sua morte, de infarto, em 1968.

Com As Cariocas, ele tentava distinguir-se de sua criatura mais famosa, Stanislaw Ponte Preta, que despontou no diário Última Hora para castigar com humor o festival de besteira que assolava o país – daí a sigla Febeapá –, sobretudo depois do golpe militar de 1964.

Meio brincando, meio a sério, Sérgio costumava dizer que Stanislaw roubara todos os seus empregos. O cronista lírico, sem deixar de ser engraçado, do início de sua carreira, foi aos poucos desaparecendo, deixando lugar para o clã dos Ponte Preta: tia Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo.

No seu livro De Copacabana à Boca do Mato, a historiadora Cláudia Mesquita elabora uma tese instigante: Stanislaw Ponte Preta não é um pseudônimo, e sim, à maneira de Fernando Pessoa, um heterônimo. Sergio e Stanislaw apresentam personalidades distintas e representam culturas diferentes, ambas cariocas, a da zona sul e a da zona norte, respectivamente, como se o único escritor quisesse reunir uma cidade já “partida” nos anos 1960.

Casa demolida

O Homem ao Lado é um livro comovente sobre infância e memória, tendo como eixo a casa demolida, à rua Leopoldo Miguez, onde Sérgio Porto nasceu e viveu, numa Copacabana que foi laboratório do conceito de modernidade brasileira – naquilo que teve de bom e de péssimo.

“De que vale sofrer por um passado que demoliram com a casa? Pedra por pedra, tijolo por tijolo, telha por telha, tudo se desmanchou. A saudade é inquebrantável, mas as fotografias eu também posso desmanchar. (…) E os papeizinhos vão saindo a voejar pela janela deste apartamento de quinto andar, num prédio construído onde um dia foi a casa”, escreve ele.

Nas pegadas intimistas de Rubem Braga – que, aliás, deu a dica para o jovem Sérgio: “Seu negócio é crônica” –, alguns dos textos são na verdade contos (“Caixinha de Música”, “Pátio da Igreja”, ou o próprio “O Homem ao Lado” que intitula a coletânea).

Outros, ao fixar o factual com a densidade da poesia, estão entre as melhores páginas que a crônica brasileira legou em sua fase de ouro. Basta pegar “Dolores”, relato do dia em que morreu a cantora Dolores Duran; ou “Divisão”, que faz em prosa o que Chico Buarque fez nos versos da canção “Trocando em Miúdos”.

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Alvaro Costa e Silva, para a Folha de S.Paulo