Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A cidadania se mobiliza para monitorar a mídia

Já se tornou um clichê dizer que a comunicação tem papel central na vida contemporânea. Tanto é que a noção mais próxima que temos de realidade é construída muito fortemente pelos meios de comunicação. É por meio deles que nos informamos dos conflitos no distante Oriente Médio e dos fatos que movimentam as ruas do bairro. Cada vez mais, a mídia funciona como extensão de nossos sentidos humanos, como já disse uma vez Marshall McLuhan.

Essa presença maciça no imaginário popular não só altera as relações entre os sujeitos e os acontecimentos como também modifica as coordenadas de espaço e tempo. Pela internet, o mundo fica pequeno, do tamanho de um clique. Pela televisão, a história acontece ao vivo, quase sem delay. Isso não é pouco. Quando o presidente norte-americano Abraham Lincoln morreu em abril 1865, demorou quase duas semanas para que a Europa recebesse a notícia do seu assassinato. Passados 136 anos apenas, assistimos boquiabertos um segundo avião chocar-se contra a Torre Sul do World Trade Center. Ao vivo!

A mídia não vem apenas registrando as vertiginosas mudanças mundiais, mas também tem sido responsável por boa parte delas. A sociedade não apenas se deixa envolver pelos meios, como os reflete, adere ou descarta a sua influência. Mais complexa e amadurecida, a sociedade contemporânea reage ao noticiário, ao entretenimento, a abusos e a boas iniciativas da mídia. O público ainda não deixou sua posição de total passividade diante dos meios de comunicação, mas alguns movimentos vêm demonstrando a emergência de um novo pacto com a mídia. Uma relação mais efetiva, de maior diálogo.

A sociedade se mobiliza para ler mais criticamente a mídia, para consumir informações de forma mais criteriosa e preocupada. Claude Jean-Bertrand, professor francês que se ocupa de analisar a mídia, lista uma série de iniciativas que chamou de meios para assegurar a responsabilidade dos veículos de comunicação. São publicações especializadas, associações de usuários, ouvidorias, conselhos de imprensa. Mas a forma de crítica de mídia que mais vem se espalhando pelo mundo, e pelo Brasil também, é a dos observatórios de meios. Eles já funcionam em quase todos os continentes (não se tem informação deles na Antártica… ainda), estão nas universidades, são alimentados por organizações não-governamentais, por associações profissionais e até mesmo por camadas da sociedade que antes não demonstravam tanta atenção à mídia.

Práticas e procedimentos

No Brasil, a história dos observatórios de meios é recente, tem pouco mais de uma década, mas o rápido desenvolvimento da indústria das comunicações e o alastramento dos cursos de comunicação catalisaram condições para o surgimento de experiências em diversos pontos do país.

Os observatórios de meios têm pelo menos duas funções: fiscalizar os veículos e seus profissionais, e alfabetizar midiaticamente o público. Ao lançar um olhar atento aos meios, os observatórios apontam falhas técnicas, deslizes éticos e problemas de outras ordens. Coberturas tendenciosas são denunciadas, apurações mal feitas são destacadas, condutas condenáveis são apontadas. Mas fazer crítica de mídia não é apenas sublinhar o aspecto negativo, bons exemplos também devem ser enfatizados, embora o cacoete jornalístico priorize a bad news.

Na medida em que erros são assinalados, os públicos têm acesso a contrapontos fundamentais para uma compreensão mais ampla do jornalismo. O cidadão comum acaba sabendo como funciona uma redação de jornal, como uma emissora de televisão edita seu noticiário, com quais critérios trabalham os repórteres. Tornar transparente a maquinaria da mídia é também contribuir para uma educação para o consumo crítico das informações, alfabetizar o público. Os observatórios de meios atuam nessa vertente também.

Outras funções colaterais também poderiam ser atribuídas aos observatórios dos meios: eles podem funcionar como laboratórios para estudantes, futuros jornalistas; e podem ainda oferecer aos profissionais um retorno mais constante de seu trabalho.

Como resultado de sua atuação, os observatórios de meios contribuem para o aperfeiçoamento de práticas, procedimentos e produtos jornalísticos. Melhorando a mídia, ajudam a melhorar a sociedade. Não é pouco, nem hoje, nem no tempo de Lincoln.

Desenvolvimento social

O principal personagem deste livro não é nem a mídia, nem seus críticos, os observatórios de meios. O protagonista é a sociedade que se mobiliza para mudar seus canais de comunicação, exigindo mais qualidade, mais comprometimento social, mais sensibilidade e equilíbrio, mais humanidade.

As próximas páginas reservam reflexões e relatos de experiências de todo o Brasil, e isso não é apenas uma expressão vazia. Os dezessete autores reunidos neste volume vêm do Pará a Santa Catarina, da Paraíba a Brasília, de Roraima a São Paulo, passando pelo Espírito Santo. São jornalistas, professores universitários e pesquisadores experientes no campo da comunicação. Todos eles atuam como críticos de mídia, seja nos observatórios que ajudaram a instalar no país, seja nas redações que ocupam ou nos laboratórios que administram.

Por si só, a reunião desses autores já se configura numa seleção de textos inéditos em torno do fenômeno da crítica de mídia nacional. Um aporte original aos estudos contemporâneos de comunicação. A natureza de coletânea torna este livro consumível de forma não linear. Isto é, o leitor pode se ater a alguns capítulos, prescindindo de outros. Mas o ordenamento que demos aos capítulos não apenas facilita e orienta a compreensão da obra, como também convida o leitor à leitura integral do livro.

Por isso, os capítulos estão divididos em três seções. A primeira se concentra na importância dos observatórios de meios na sociedade brasileira atual, dimensionando os desafios que se apresentam e a necessidade do exercício crítico como uma política cidadã. Luiz Gonzaga Motta salienta o papel dos observatórios como promotores de condições na mídia para a busca de um desenvolvimento humano efetivo. Wellington Pereira, por sua vez, recorda os fortes vínculos entre jornalismo e cotidianidade, e como essa ligação se traduz nos produtos midiáticos. Guilherme Canela fecha a primeira seção deste livro, retomando a questão do desenvolvimento social, e a importância dos meios de comunicação atentarem para suas coberturas da infância e da adolescência, etapas delicadas e cruciais do desenvolvimento humano.

Critérios de avaliação

Na segunda parte, nossos autores ilustram como a observação de mídia deve funcionar. Rogério Christofoletti ensaia uma teoria do olhar jornalístico e da observação do público. Fernando Arteche Hamilton concentra-se em preocupações metodológicas dos observatórios de meios, principalmente com reflexões acerca do monitoramento de telejornais. Luiz Martins da Silva e Fernando de Oliveira Paulino se perguntam porque os fiscais da mídia não destacam boas práticas, mostrando mais exemplos que contra-exemplos. Ana Prado, Danila Cal e Vânia Torres relatam suas experiências de monitoramento de mídia na Amazônia, tendo como protagonistas crianças e adolescentes.

Na terceira parte deste volume, reunimos preocupações com o resgate histórico da crítica de mídia no país, questões atuais inadiáveis para a sociedade e a mídia, e aspirações do que o futuro pode reservar a essa prática. Ângela Loures alinhava os principais marcos da media criticism nacional, ao passo que Luiz Egypto e Mauro Malin narram a história da mais robusta e influente experiência brasileira, a do Observatório de Imprensa. Victor Gentilli problematiza o papel dos meios de comunicação e do próprio jornalismo na condução de nossa democracia. Danilo Rothberg e Alexandra Bujokas se inspiram na trajetória inglesa para tratar de educação para os meios, como uma estratégia de atuação dos observatórios de imprensa. Avery Veríssimo, como se olhasse por um periscópio, fecha o livro, lançando notas para os devires da observação de mídia.

Janelas ou vitrines da mídia, os observatórios de meios têm uma função social muito importante. Os críticos podem ser profissionais da área ou cidadãos comuns, meros consumidores de informação. O que diferencia uns dos outros são os critérios de avaliação a que se apegam. O exercício é o mesmo. A disposição para a mudança se mantém. A participação no processo de comunicação aumenta. A sociedade alcança maturidade e segurança. A cidadania se fortalece.

******

Respectivamente, jornalista e professor da Universidade do Vale do Itajaí; jornalista e professor da Universidade de Brasília