Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A escolha de Francisca

Lembrando que a maioria dos homens pertence a uma determinada corrente de seu tempo, o sociólogo Karl Mannheim criticou a abordagem de geração como noção apenas de tempo cronológico e de espaço. O autor de Ideologia e Utopia circunscreveu o conceito de geração a um conjunto de fatores de ordem qualitativa, como o tempo interior vivenciado, a contemporaneidade e o destino coletivo. O jornalista Zuenir Ventura – que contou a aventura de uma geração em 1968: o ano que não terminou traduziu, de forma clara e direta, esse conceito: ‘Uma geração não é feita de idades, e sim de afinidades.’

Ao falar a pesquisadores do Núcleo de Estudos em Mídia e Política da Universidade de Brasília em maio último, o deputado federal José Genoino (PT-SP) se identificou como sendo da Geração de 68, a geração que nasceu depois da Segunda Guerra Mundial e se politizou nos movimentos estudantis do final dos anos 1960. Era uma geração que, marcada pela rebeldia e imbuída de valores libertários, caminhava contra o vento. No Brasil, os jovens cobravam de seus pais resistência e, inconformados, assumiam eles próprios o papel que a História oferecera à geração anterior. Muitos deles caminharam – sem lenço, nem documento – militando em organizações políticas clandestinas durante a ditadura militar.

Quatro décadas depois, podemos encontrar representantes da Geração 68 atuando no cenário político nacional. Muitos deles estavam no emblemático 30º Congresso da UNE – a então proscrita União Nacional dos Estudantes –, que se reuniu em Ibiúna, São Paulo, em outubro de 1968, antes de ser surpreendida pela repressão policial. Só para citar três nomes, todos José, lá estavam: Dirceu (PT), Thomas Nono (PFL) e Genoino (PT).

Movimento estudantil

José Genoino era o presidente do Diretório Central de Estudantes da Universidade Federal do Ceará e levou para Ibiúna uma delegação de trinta estudantes cearenses. Entre eles, Maria Francisca Pinheiro Coelho, ainda caloura do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará. Hoje, na condição de pesquisadora associada da Universidade de Brasília e com bolsa do CNPq, a socióloga está estudando o pensamento político da geração de 1968 e acaba de publicar o livro José Genoino: Escolhas Políticas, editado pela Centauro Editora, de São Paulo.

O livro começou a ser escrito em 1997 como um dos volumes da série ‘Contemporâneos do Futuro’, da Editora da Universidade de Brasília. O objetivo era traçar o pensamento de alguns dos principais políticos brasileiros da atualidade, identificando seu papel na redemocratização do país. Foram lançados os dois primeiros volumes – um sobre Roberto Freire, outro sobre Cristovam Buarque. Escrito por Maria Francisca, o terceiro volume seria sobre José Genoino.

A série não teve continuidade, porém Maria Francisca, que já tinha começado sua tarefa, decidiu abraçar como um projeto individual a obra, no decorrer da qual entrelaçaria a história de vida com o pensamento político de Genoino. Para isso, a socióloga pesquisou a trajetória de Genoino desde a infância no pequeno distrito de São José do Encantado, no sertão cearense, passando por sua participação no movimento estudantil, a militância no Araguaia, sua prisão política, sua atuação nos anos de transição e, finalmente, no parlamento, como representante do Partido dos Trabalhadores (PT), que ajudou a fundar.

As entrevistas começaram em maio de 1997 e se estenderam até outubro de 2005, depois de deflagrada a crise no PT. Só com o retratado, foram 16 entrevistas com 32 horas de gravação no total. Houve ainda entrevistas com seus pais e professora primária no Encantado; com João Salmito Neto, o ex-padre, ex-pároco da vizinha Senador Pompeu, que lhe proporcionou sair do lugar de origem para cursar o ginásio e, mais tarde, se transferir para Fortaleza; e, ainda, com seus colegas de movimento estudantil na capital cearense.

Valor intrínseco

Maria Francisca leu as 142 páginas dos autos dos diversos processos da Justiça Militar contra Genoino – sendo o principal deles o que o condenou como guerrilheiro do Araguaia durante os anos de arbítrio – e todas as entrevistas por ele concedidas à imprensa livre depois da redemocratização. Consultou documentos do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), primeira agremiação política de Genoino; examinou seus projetos de lei e emendas parlamentares; e acompanhou seus artigos em O Estado de S. Paulo.

Foram dez anos de pesquisa. O livro já estava pronto quando Genoino, então na presidência do PT, foi responsabilizado pelos desmandos administrativos em sua gestão. Maria Francisca decidiu não prolongar o trabalho que, cobrindo as muitas reviravoltas na vida do político, já se estendia por mais de trezentas páginas. Sua escolha foi não incluir o episódio da crise no PT como objeto de análise, mas anexar, na íntegra, as três entrevistas que fez com Genoino nesse período. A primeira delas foi concedida em 2002, logo após a derrota no segundo turno da eleição para o governo de São Paulo. A segunda, em maio de 2005, um mês antes das denúncias contra o PT. A terceira, em outubro de 2005, depois da crise política deflagrada.

No corpo do trabalho, a pesquisadora manteve intacto o registro das afinidades que Genoino teve com sua contemporaneidade, na qual – como ele próprio identifica – ‘a rebeldia era valor intrínseco’. Assim, José Genoino: escolhas políticas chega ao mercado editorial como uma contribuição para aqueles que querem entender o pensamento político da Geração 68.

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Doutora em Lingüística, é membro do Núcleo de Estudos em Mídia e Política da Universidade de Brasília