Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A importância superlativa do direito

Em tempos em que a ética, a verdade e o poder parecem tão dissociados e que os oligopólios da comunicação perigosamente conduzem em escala global à unilateralidade noticiosa, eis que a publicação de algumas obras, e especialmente quando provêm das novas gerações de pesquisadores, não somente satisfaz o interesse do leitor de temas jurídicos, mas também deixa o agradável sabor da esperança de dias melhores para todos.

No contexto da sociedade internacional, o direito de informação adquire importância superlativa. Atravessamos a era da informação, dos avanços tecnológicos que ultrapassam sobremaneira as fórmulas e técnicas tradicionais de aproximação do ser humano a realidades diversas.

O homem da contemporaneidade recebe o impacto da quantidade vertiginosa de informações veiculadas através de diversos meios de comunicação massiva. Certamente, as notas, resenhas, comentários, crônicas e, em geral, diversas variáveis do material jornalístico, o colocam permanentemente diante dos fatos que acontecem tanto ao seu redor como nos mais distantes lugares do mundo.

Contudo, se por um lado o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa possibilitou a superação dos problemas de tempo e espaço que limitavam a disseminação dos acontecimentos entre os povos, permitindo a propagação planetária dos mais diversos fatos em tempo real, a verdade é que, pelo outro, não ocasionou uma mudança na percepção e escolha daquilo que deve ser assistido pelo homem. Ou seja, continua o ser humano refém daquilo que é veiculado, de como é veiculado e da ideia implícita do porquê da veiculação desse fato e não do outro. Por outras palavras, refém da escolha feita pelo meio que transmite a informação, que decide e transmite o que considera notícia.

Interesses peculiares dos donos da notícia

Este pareceria um problema insolúvel. De fato, como se opor à escolha da notícia? Essa escolha é inevitável. Existem fatos de interesse internacional, nacional, regional ou local. Mas, então, por que determinado fato não é veiculado, sendo de interesse de todos? O que conduziria à ocultação proposital de um fato? Prestes a iniciar um raciocínio, outras dúvidas assaltam: a notícia é frequentemente transmitida ressaltando determinado aspecto da mesma, fazendo com que certos elementos sejam destacados em detrimento de outros, talvez orientando a expectativa do receptor a um ponto, perfilando-se propositalmente à condução da opinião pública. Tal questão pareceria insolúvel se não fosse porque um certo sentido de humanidade indica que, como todo fenômeno social, o fluxo de informações deve estar orientado pela procura da paz, do progresso social e da cooperação internacional.

Todavia, observa-se que no interior dos Estados, sejam considerados centrais ou periféricos, a concentração do poder de informar parece cada vez maior. Em lugar de uma democratização da informação, o monopólio pretende conduzir a um agir em sentido determinado, o que resulta especialmente grave em momentos de convulsão social. É dizer, quando decisões estatais devem ser tomadas com serenidade é quando, muitas vezes, mais encontramos a sublimação de determinadas posturas em detrimento de outras, partindo-se da base falsa de que os meios de comunicação podem ser considerados, indiscriminadamente, como a caixa de ressonância da sociedade.

Por isso, talvez nunca a história a função social da informação passou a ter tanta relevância. Trata-se do fortalecimento do nosso interesse comunitário, aquele que nos lembra que em uma sociedade ancorada em valores, como o da dignidade da pessoa humana, não é possível, por um lado, aceitar as barreiras injustificadas ao direito de informar, ou de ser informado, ou de ter acesso à informação verdadeira, nem, por outro lado, ser cúmplices dos donos da notícia, que a veiculam ao sabor dos seus interesses peculiares, não raro ocultos em sofisticados esquemas de poder.

O papel de indivíduo que reflete e opina

Pois bem, a jovem professora Tatiana Stroppa, formada no curso de mestrado da histórica Instituição Toledo de Ensino de Bauru, no interior Paulista, interpretando sistematicamente o texto da Carta de 1988, aborda o direito fundamental à informação e aprofunda a sua análise no exercício da liberdade de informação jornalística, pautando sua pesquisa nos princípios e regras constitucionais, oferecendo, ao final, o produto de uma série de interessantes pesquisas sobre a interação desses direitos com outros que também conformam o leque exposto pelo constituinte.

Preocupa-se, na antessala do trabalho, com a necessidade de detectar a natureza real dos direitos em pauta e então, alicerçando sua obra, dedica as primeiras páginas a examinar a evolução e afirmação dos direitos fundamentais como contraponto imprescindível e valioso ao arbítrio estatal.

Ressalte-se que a autora oferece como pano de fundo para o desenvolvimento do tema, os princípios da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito. Esses elementos aparecem nas entrelinhas da obra de maneira reiterada, fornecendo a cobertura jurídica necessária para tratar dos conflitos que certamente acontecem quando os direitos em tela pretendem se efetivar.

Daí que deve-se destacar o entrelaçamento, referido com suficiência na obra, entre a democracia – regime político embasado na participação popular – e o direito de informação. De fato, sem a possibilidade real e concreta de conhecer seu entorno, é dizer, sem a chance de poder receber a informação, ou de procurá-la quando necessário, ou ainda, de receber a informação verdadeira, o ser humano, fragilizado, é impedido de cumprir seu papel de indivíduo que reflete e opina conscientemente sobre como desfrutar, agir e reagir, e até modificar seu espaço de convivência com o conjunto dos seus semelhantes.

Um pensar constitucional

A autora sustenta a necessidade de resguardar o constante fluxo de informações como corolário da soberania popular. Certamente, forjar uma opinião pública, sem a intervenção estatal é desafio democrático singular. Contudo, a autora também expressa o outro lado da situação, o caso em que a manipulação da informação resulta altamente prejudicial para o exercício das liberdades públicas.

Por isso, sua justificada insurgência diante do constrangimento do pluralismo e da diversidade informativa e a sua sugestão para que o aparelho estatal garanta, em cumprimento de seu dever constitucional, o bom desempenho, as facilidades e oportunidades para prestigiar o direito à comunicação verdadeira. A interferência, como bem aponta a obra, não pode ser em momento algum confundida com um controle indesejado da informação pelo Estado. Este não pode se sobrepor à força do direito, mas tampouco pode se iludir diante das realidades impostas pela concentração da informação ou dos meios que a emitem.

A questão não é de pouca monta. É sabido que a informação, e especialmente a transmitida através dos meios de comunicação de massa, pode ser a mola propulsora de um agir coletivo em favor do fortalecimento da democracia, mas que também, com dependência dos interesses dos donos da notícia pode ser a negação da potencialidade popular, contribuindo a anestesiar a atitude rebelde diante daquilo que deve ser convenientemente conhecido e promovendo a manutenção de estruturas que, longe de prestigiar os direitos essenciais do ser humano, lucram com a desinformação. Isso porque, como regularmente acontece, a reação popular pode ser enérgica ou tímida, em consonância com a maneira como o meio de comunicação apresenta e difunde a notícia.

Traçando a linha divisória entre as liberdades de expressão, de opinião, de informação e de comunicação social, a obra delimita sua abrangência e convém ao leitor não desdenhar as distinções estabelecidas, pois certamente serão fatores importantes para solucionar alguns dos problemas mais tormentosos no terreno jurídico quando direitos fundamentais colidem. Assim, a autora trata, em outros capítulos da obra, de tema delicado, que requereu de uma habilidosa costura, pois em jogo colocou a efetividade dos direitos focalizados, em confronto com os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem. E os resultados permitem advertir um conhecimento ancorado em um estudo sereno do tema e um critério científico rigoroso. A correta maneira de equacionar os direitos, a formulação e as tomadas de posição refletem o espírito de pesquisa e o processo de amadurecimento de um pensar constitucional que augura novos trabalhos, novas pesquisas e inéditas descobertas.

Enfim, a presente obra deve ser lida com esmero, estudada, analisada e discutida. Trata-se de tema atual, que suscita a atenção da comunidade brasileira. Obra dirigida àqueles que desejam conhecer um marco jurídico conceitual para interpretar os difíceis desafios da era da informação.

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A autora

Tatiana Stroppa é advogada, mestre em Direito Constitucional, professora da Instituição Toledo de Ensino (Botucatu, SP) e das Faculdades Integradas de Jaú (SP)

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Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comissão de Efetivação dos Trabalhos da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC-SP