Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A Justiça no banco dos réus

 

Tudo indica que o ponto original que detonou a crise no Poder Judiciário no final do ano passado deverá ser removido ainda nesta semana. Segundo os jornais de quarta-feira (1/2), a tendência no Supremo Tribunal Federal era assegurar que o Conselho Nacional de Justiça possa continuar investigando magistrados suspeitos de irregularidades independentemente dos processos a cargo das corregedorias regionais.

Como se sabe, a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) havia recorrido ao STF para contestar a competência do CNJ para investigar e punir juízes. Além dessa medida, a AMB, juntamente com duas outras entidades representativas de magistrados – a Associação dos Juizes Federais do Brasil e a Associação Nacional de Magistrados do Trabalho –, haviam encaminhado representação à Procuradoria Geral da República contra o Conselho Nacional de Justiça por suposta violação de sigilo funcional que teria sido cometida pela corregedora Eliana Calmon.

De acordo com os jornais de quarta-feira, o procurador-geral da República mandou arquivar a representação, argumentando que a corregedora apenas deu curso administrativo a relatórios sobre movimentações financeiras atípicas de juízes e funcionários de tribunais, sem identificar qualquer um deles.

Bandidos de toga

O noticiário dos jornais é bastante esclarecedor e indica que, no embate entre as associações que representam os juízes como entidades corporativas e as instituições que corporificam a Justiça, a imprensa se colocou claramente em favor das instituições republicanas.

Apesar de, no início da crise, a maioria das reportagens ter oferecido espaços privilegiados para os inimigos da corregedora, como o ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, no decorrer do episódio foi ficando muito claro que a posição das entidades corporativistas era indefensável.

Alguns fatos que vieram à tona, como os volumes das movimentações financeiras suspeitas, o fato de o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter contratado sem concurso um ex-doleiro e o favorecimento de alguns desembargadores em pagamentos de benefícios no Tribunal de Justiça de São Paulo foram revelando que o corporativismo ameaçava o bom funcionamento e a reputação do Judiciário como um todo.

Contribuiu para aquecer a controvérsia uma frase da corregedora Eliana Calmon sobre “a infiltração de bandidos que estão escondidos nas togas”, mas os fatos revelam que, afinal, ela tinha razão: há bandidos sob algumas togas.

O próximo capítulo

A querela não é de hoje. Começou em 2009, quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), órgão de inteligência financeira ligado ao Ministério da Fazenda, detectou movimentações atípicas em contas bancárias controladas por membros do Judiciário.

A corregedora Eliana Calmon mandou realizar inspeções e comunicou aos membros do Conselho Nacional de Justiça que havia suspeitas de operações irregulares envolvendo magistrados, como é praxe na corregedoria. Acontece que parte dessas movimentações financeiras se referia ao pagamento de passivos trabalhistas a um grupo de desembargadores, e pelo menos um deles havia nesse período virado ministro de uma corte superior.

Foi a boataria entre membros do próprio Judiciário que acabou chamando a atenção da imprensa para o fato de que, no Tribunal de Justiça de São Paulo, um grupo de desembargadores havia furado a fila dos recebimentos, assegurando para si mesmos, como numa ação entre amigos, a precedência no pagamento desses benefícios. Quando se referiu a “bandidos de toga”, porém, a corregedora estava apontando em outra direção. Ela se referia a denúncias de venda de sentenças que ficavam engavetadas nos tribunais por omissão das corregedorias locais.

­Os bastidores desse imbroglio podem ser acompanhados em notas, artigos e editoriais – sempre bem humorados e incisivos – no site Migalhas, produzido com a colaboração de advogados de todo o Brasil.

O que o Supremo Tribunal Federal está analisando é a liminar concedida no apagar das luzes do ano passado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que concordou com a tese da Associação de Magistrados Brasileiros segundo a qual o Conselho Nacional de Justiça só poderia investigar um juiz suspeito depois que a corregedoria local esgotasse sua própria investigação.

Nesse período, a imprensa escancarou o corporativismo nos tribunais e demonstrou que as corregedorias locais simplesmente não funcionam. Assim, restabelecer as atribuições do Conselho Nacional de Justiça se tornou um ato crucial para o bom funcionamento do Judiciário.

O próximo capítulo se desenrola no vetusto cenário da Suprema Corte.