Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A promessa e a realidade

As rádios comunitárias nasceram no Brasil com a promessa de trazerem uma maior democratização às comunicações. O Brasil contava então – e conta ainda hoje – com um sistema concentrado em grandes redes, no qual a produção de conteúdos era bastante centralizada. Além disso, existia – e existe ainda hoje – um grande número de políticos que eram donos, direta ou indiretamente, de emissoras de rádio e de TV, fenômeno batizado de ‘coronelismo eletrônico’.

Foi nesse contexto que a Lei nº 9.612/98, que criou oficialmente o serviço de radiodifusão comunitária, surgiu. Digo ‘oficialmente’ porque muito antes, ainda na década de 1970, já existiam pequenas rádios que operavam em baixa potência, mas sem autorização. Foi justamente o crescimento desenfreado das rádios livres, especialmente no interior do país, que motivou a promulgação da lei das rádios comunitárias. Rádios que deveriam pertencer a todos e a ninguém, que deveriam estar abertas a qualquer um, sem distinção de classe, cor, credo ou opinião política. Uma rádio comunitária deveria estar livre dos interesses econômicos que norteiam rádios comerciais e dos interesses políticos daquelas que são instrumentos de um ‘coronel eletrônico’.

Porém, o que a lei efetivamente criou foi um processo de outorga bastante complicado, repleto de exigências burocráticas, no qual apenas os mais fortes sobrevivem. E os mais fortes, nesse caso, são aqueles que contam com a ajuda providencial de políticos, que atuam como padrinhos das entidades que podem trazer-lhes algum ganho político, como mostra reportagem da dupla de repórteres Ana Paula Scinocca e Eugênia Lopes publicada no jornal O Estado de S. Paulo (‘Políticos viram despachantes de luxo e apadrinham rádios comunitárias‘, 15/3/2010).

A figura do padrinho

Não por acaso, diversas pesquisas mostram que boa parte das mais de 3.900 rádios comunitárias autorizadas em todo o país estão longe de serem independentes. Na verdade, muitas delas pertencem a políticos e servem a interesses eleitorais específicos – o que o professor Venício A. de Lima e eu chamamos de ‘coronelismo eletrônico de novo tipo‘ em pesquisa publicada neste Observatório.

O ‘novo tipo’, na verdade, designa apenas a esfera em que o fenômeno ocorre, que deixa de ser federal e passa a ser municipal. A estrutura de fundo permanece inalterada: concessões públicas, que deveriam prestar um serviço público, são utilizadas para fins particulares. Informação dá lugar a propaganda política e os prejuízos para a democratização das comunicações são enormes.

Há solução para o problema? Sim, por certo, e ela passa obrigatoriamente pela simplificação do processo de outorga. Com menos exigências, a figura do padrinho passa a ser dispensável. Entidades verdadeiramente comunitárias, por mais humildes que sejam, teriam a oportunidade de receber uma autorização para prestarem o serviço de radiodifusão. Teríamos assim mais rádios, mais pluralidade, mais fluxo de informações. Resta saber se há vontade política para se incentivar uma verdadeira democratização das comunicações.

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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados; editor do blog Museu da Propaganda