Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A César o que é de César

Há poucos dias, importantes veículos que monitoram os bastidores e a atuação da mídia – Observatório da Imprensa e revista Imprensa – noticiaram dois fatos distintos, que extrapolaram a análise ‘umbiguista’ da mídia por ela mesma e ganharam o debate entre vários formadores de opinião no Brasil.

Um dos temas tratava-se do resultado de estudos realizados por uma corrente de pensadores norte-americanos que apontam o caráter constitucional do jornalismo impresso. Isso mesmo, caro leitor. No momento em que se discute uma eventual supressão da internet em relação aos veículos de comunicação impressos, no país em que há a maior inclusão digital do mundo a tônica da vez é que se garanta, de forma constitucional, a permanência dos jornais impressos, que se configuram, na visão desses pensadores, como patrimônios de valor imensurável para as sociedades que representam/noticiam.

E as próprias constituições de estados democráticos, incluindo o Brasil, respaldam essas mídias como suportes indispensáveis para o fortalecimento/manutenção da democracia, já que um de seus artigos prevê a publicação, em jornais de pequena, média e grande circulação, dos atos dos poderes públicos, em todas as esferas.

Portais vinculados a jornais

Trocando em miúdos, a matéria levanta um assunto que, no Brasil, ainda pode parecer polêmico, embora no país mais rico do mundo seja algo que já começa a ser cogitado: já que a manutenção da imprensa escrita é de caráter constitucional, mesmo que essa faça parte de grupos econômicos privados – sem necessidade de concessão pública para operar, como ocorre com as emissoras de TVs – deve, sim, assim como as TVs, receber insumos para que não entre no alardeado processo de extinção – o que é ‘o sonho’ de parte dos que ainda acreditam que a internet irá banir o jornalismo impresso.

A questão que permeia esse ponto de vista é saber até que ponto uma eventual garantia de manutenção dessa mídia por parte do poder público não a atrelaria a este, comprometendo assim o caráter investigativo que sempre norteou os grandes jornais. De qualquer forma, isso é assunto para uma análise ainda maior e mais aprofundada, e que está em pleno andamento.

A mesma linha de pensamento norte-americana divulgou dados que só reforçam a atuação e poder de influência dos periódicos, em detrimento da crescente e permanente onda de serviços noticiosos pela internet. De acordo com recente pesquisa encomendada pelo Museu do Jornal Impresso norte-americano, os portais de notícias mais acessados estão intrinsecamente ligados a um veículo de comunicação impressa, como se estes dessem o respaldo que necessitam tais publicações on line. O UOL, por exemplo, é o maior portal em língua portuguesa e está associado à Folha de S.Paulo, que produz boa parte do serviço noticioso desse portal. Da mesma forma, o G1 e o CorreioWeb, respectivamente, são sites de grande audiência no Rio de Janeiro e Brasília e estão intrinsecamente ligados aos jornais O Globo e Correio Braziliense.

Farra com dinheiro público

A outra matéria de grande repercussão diz respeito à forma como o direito autoral de matérias exclusivas é tratado pelas empresas jornalísticas. Chegou-se à conclusão de que, apesar de noticiarem diariamente campanhas que incentivam os direitos autorais – com uma verdadeira caça às bruxas aos produtos pirateados, o que, diga-se de passagem, é muito justo –, uma prática preocupante vem contaminando os veículos de comunicação de produção diária (incluindo jornais eletrônicos e impressos). Em suma, o fato é que quando o jornalismo diário leva um furo de reportagem de veículos não diários, não fazem a menor questão em preservar a autoria de tal apuração, passando a noticiar o fato sem sequer citar quem levantou tal hipótese. A matéria aponta o caso da IstoÉ, ignorada pelas Organizações Globo, que não creditaram à revista uma de suas mais exemplares coberturas: a descoberta do esquema do mensalão.

Mas esse fato não é exclusividade dos veículos de comunicação de abrangência nacional. No Tocantins, a questão se repete. Só para ilustrar, o semanário O Jornal alertou para a farra com dinheiro público no Tribunal de Contas do estado, agora alvo de uma CPI na Assembléia Legislativa. Sequer uma linha – ou, no caso das TVs, comentário – foi publicada no jornalismo diário sobre a autoria de tal denúncia.

Perda de credibilidade

O jornal semanário O Girassol também não ficou imune. Na denúncia que mexeu com os bastidores políticos do estado, em que o periódico palmense apurou um esquema de fraudes dentro da ATTM (Agência de Trânsito, Transporte e Mobilidade de Palmas) que beneficiou a primeira-dama do município e deputada estadual Solange Duailibe, apenas dois veículos fizeram referência à fonte da denúncia: o site Cleber Toledo e a Rede Sat.

Em outro caso, a máxima voltou a se repetir. O Girassol denunciou que havia um esquema de vendas de óculos falsificados em Palmas, o que desencadeou uma operação por parte das autoridades e o início da punição aos envolvidos. Mais uma vez, nenhuma referência no serviço noticioso diário local fazendo alusão a autoria da denúncia. Aliás, o que foi publicado é que a ação partiu de uma denúncia anônima.

Como já foram expressos no início deste editorial, esses assuntos podem parecer ‘umbiguistas’ mas, na verdade, são a prova de que, antes mesmo de questionar os problemas e mazelas por que passa a sociedade, a mídia – inclusive a local – tem que estar sob constante vigilância, sob o risco de perder a credibilidade, tão fervorosamente alardeada por muitos veículos que assim se autoproclamam.

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Editor-executivo do jornal O Girassol, professor substituto da disciplina Planejamento Gráfico na Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO)