Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Abusos e violência ameaçam imprensa

Em seis semanas de 2011, cincos jornalistas já foram assassinados, um deles na recente rebelião da Tunísia e outro dias depois, no Egito. Outros 145 estão presos, em todo o mundo. Por toda parte, a censura aperta o cerco contra repórteres. É com esse pano de fundo que o Comitê de Proteção dos Jornalistas, de Nova York, apresenta hoje, em São Paulo, o relatório ‘Ataques à Imprensa em 2010‘ – que traz como um dos destaques a censura imposta pela Justiça do Distrito Federal ao Estado de S.Paulo, hoje [15/1] em seu 564º dia.


‘A imprensa do continente vive um momento preocupante’, disse Carlos Lauria, coordenador do relatório sobre o continente, ao chegar ontem [14/1] a São Paulo. ‘Primeiro, pela violência crescente com que atua o crime organizado, e o México de hoje é um exemplo extremo dos riscos que correm os repórteres’, diz ele. ‘Outro problema são as decisões judiciais politizadas’ – caso específico da censura imposta ao Estado. Em terceiro, ele menciona ‘os recursos de que se valem os governos, de forma arbitrária, em diferentes regiões, para impedir que jornalistas e fontes façam seu trabalho’.


O evento começa às 9h30, no Blue Tree Jardins Capcana, nos Jardins, e foi promovido em conjunto pelo CPJ e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Lauria, um argentino que vive em Nova York desde 1994, fará a exposição do capítulo sobre o continente. Em seguida, haverá comentários do presidente da Abraji, Fernando Rodrigues.


A censura sofrida pelo Estado, impedido de divulgar informações sobre irregularidades praticadas pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), é a abertura e um dos episódios analisados detalhadamente no texto.


O capítulo sobre América Latina é apenas parte do levantamento global do Comitê, que tem mais de 400 páginas. Ele traz uma análise, caso a caso, das pressões sofridas pela imprensa em dez países, entre eles Brasil. ‘Países como México, Argentina, Honduras e Equador vivem momentos difíceis’, destaca o coordenador. Numa segunda parte, o documento registra episódios contra jornalistas em outros nove países.


Unesco


No relatório global, que também está sendo divulgado, o presidente do Comitê, Joel Simon, faz uma forte cobrança à Unesco – o principal órgão das Nações Unidas dedicado à liberdade de imprensa – e à Organização dos Estados Americanos (OEA). ‘Haverá uma menção contra Unesco e OEA por seu papel débil no combate às arbitrariedades cometidas contra a imprensa no continente’, adianta o coordenador do CPJ.


As razões para criticar a Unesco são conhecidas. Em 2010, ela pretendia dar um prêmio ao ‘presidente eterno’ da Guiné Equatorial, Nguema Mbasogogo, um dos maiores inimigos da liberdade de imprensa do mundo. Mbasogogo, no poder há 30 anos, havia feito uma doação a um projeto científico em seu país. Ao longo de 2010,várias organizações tiveram de promover uma campanha mundial para que a Unesco desistisse da premiação. A OEA é cobrada por não se envolver de modo eficaz na luta contra abusos praticados contra jornalistas no continente americano.


Velho defensor da liberdade de imprensa na Argentina, Lauria observa, com alívio, que a batalha entre o governo Kirchner e os jornais El Clarin e La Nación perdeu um pouco o vigor, ‘a situação está mais descomprimida’. ‘Havia uma confrontação que chegou em 2010 ao seu ponto culminante’, disse. Sua expectativa é que a disputa pela empresa que controla o papel de imprensa na Argentina tenha uma saída melhor, daqui por diante.


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Notícias perigosas


5 jornalistas foram mortos em todo o mundo desde janeiro, um desses profissionais no dia 4, no Egito, e outro em 17 de janeiro, na Tunísia.


145 estão presos sem informações de como será resolvido seu caso


850 foram mortos, em todo o mundo, desde 1992


545 desses crimes continuam sem punição


60% dos mortos desde 1992 atuavam na imprensa escrita e 40% para rádio e televisão


60% dessas vítimas apuravam fatos ligados à política


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Brasil bate recorde de censura ao Google


Gabriel Manzano # reproduzido do Estado de S.Paulo, 16/2/2011


Só na primeira metade do ano passado, o Google foi obrigado por autoridades brasileiras a tirar do ar 270 textos ou imagens de cunho jornalístico, dos quais 177 mediante ordem judicial. Houve, no total, 398 pedidos de remoção de conteúdo ao Google, por vi judicial ou não. Foi recorde mundial do período. O dobro do segundo da lista, a Líbia. O dado está no relatório do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), divulgado ontem em São Paulo. [N. da R.: Lead modificado conforme correção publicada pelo jornal na edição de 17/2.]


Além disso, nos dias finais da corrida eleitoral brasileira os juízes do País emitiram 21 ordens de censura, revela uma pesquisa do Centro Knight para o Jornalismo, do Texas (EUA). Muitas agências de notícias foram também multadas ou tiveram de remover conteúdos. ‘Esse quadro mostra que a censura e a autocensura, que vem junto, estão atingindo níveis muito sérios no Brasil’, resumiu Carlos Lauria, coordenador do CPJ, que veio ao Brasil apresentar o levantamento Ataques à Imprensa em 2010. Ele distribuiu ainda outro texto menor sobre a situação na América Latina, em encontro promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). ‘Nossos levantamentos apontam 44 jornalistas mortos em serviço e 145 presos, em todo o mundo, no ano passado’, resumiu.


A censura ao Estado, hoje [16/2] em seu 565.º dia, é o destaque de abertura do levantamento sobre o continente. ‘É espantoso que, num país como o Brasil, um dos maiores jornais seja proibido de noticiar um grande escândalo, que envolve figuras políticas conhecidas. Não consigo imaginar o The Washington Post sendo proibido de publicar algo sobre um ex-presidente americano’, disse ele. Lauria vai a Brasília amanhã, onde se reunirá com autoridades do Planalto, da Secretaria das Comunicações e dos Direitos Humanos. A agenda inclui uma visita ao Supremo Tribunal Federal.


Artifício


Os levantamentos do comitê, nos cinco continentes, apontam um novo artifício dos governos para impedir o trabalho da imprensa: eles enquadram os jornalistas em crimes de outra ordem, como subversão ou atos contra o interesse nacional, nos quais as leis sobre imprensa não se aplicam. Isso tem ocorrido no Oriente Médio, no Casaquistão, na África.


Na América Latina, o fenômeno mais grave é o misto de censura e autocensura. México, Honduras, Equador e Venezuela são os países onde, segundo o comitê, os jornalistas vivem momentos mais difíceis. ‘Há regiões onde o crime organizado manda e a lei é ignorada, como no norte do México’, lembrou Lauria. ‘Em cidades como Puerto Juarez ou Reynosa há uma rotina de assassinatos, perseguições e sequestros. Sem garantias, o jornalista tem de escolher entre publicar ou mudar sua pauta. Assim as informações vão desaparecendo’, resumiu. ‘É dramático ver o que ocorreu em Reynosa. Foram mortas cerca de 300 pessoas em uma semana e não saiu uma linha em lugar nenhum.’


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‘América Latina não criou leis para proteger liberdade de imprensa’


Entrevista com Carlos Lauria, Coordenador para a América Latina do Comitê de Proteção a Jornalistas.


A que o sr. atribui o crescimento da censura no continente?


Carlos Lauria – Apesar da democratização, em três décadas a América Latina não criou as reformas legais suficientes para proteger a liberdade de imprensa. E sistemas jurídicos insuficientes estimulam certas autoridades a pressionar.


O relatório também faz muitas referências à autocensura.


C.L. – Sim, ela se tornou um fenômeno central. No México, em Honduras, na Colômbia, a falta de garantias e as ameaças diretas levam o jornalista a desistir de levar pautas adiante. Censura e autocensura juntas estão no nível mais alto que se viu desde o fim das ditaduras nas Américas.


O cenário no Brasil é parecido?


C.L. – O problema mais sério do Brasil está na primeira instância. Muitos juízes de pequenas cidades são pressionados. A desproteção de jornalistas em áreas distantes é um caso preocupante. Mas há também o caso espantoso do Estado, cujo problema está num tribunal superior.


Que agenda o sr. vai levar para os contatos em Brasília?


C.L. – Estarei lá amanhã [17/2], com autoridades do governo e no STF. É natural que nesses contatos se discuta e se procure saber como encaram esses desafios.


 

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Jornalista