Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alguém parou para pensar?

 

É difícil chegar a uma conclusão, porque o assunto foi tratado de forma (deliberadamente?) fragmentada pelos que promoveram a medida, mas a sensação que se tem na primeira compra sem sacolas de plástico é a de que os supermercados paulistanos fizeram um bom negócio. Deixaram de fornecer gratuitamente as sacolas e passaram a cobrar por elas. Mas o que é bom negócio para uns pode ser mau negócio para outros.

Na Folha de S.Paulo de segunda-feira (30/1), um artigo (“Menos sacolas, mais lixo nas ruas”, de Lívio Giosa) ajuda a pensar no processo inteiro (tudo que acontece depois que a pessoa consome os produtos comprados) e deixa patente que, por incrível que pareça ou não pareça, autoridades e empresários ignoraram os desdobramentos, ou não quiseram mencioná-los. 

Mas pensar em toda a logística de uma operação como essa era o mínimo que se poderia esperar quando está em jogo algo que mexe com os hábitos cotidianos de milhões de pessoas.

Novas sacolas poluem mais?

Há vários pontos que permanecem na sombra.

Na Folha de terça-feira (30), Hélio Schwartsman aborda dois deles: as sacolas ditas biodegradáveis podem representar um dano maior ao ambiente do que as aposentadas; o preço das sacolas que serão vendidas, R$ 0,19, é quase dez vezes maior do que seu custo, R$ 0,02. Para que isso se justificasse, as novas sacolas deveriam vir com “filamentos de ouro ou platina”.

Poder-se-ia acrescentar, por exemplo, que em São Paulo há indústrias de sacos de plástico – não necessariamente os usados em supermercados – incapazes de garantir a origem legítima da matéria-prima com que trabalham. Supostamente, em alguns casos ela seria produto de assaltos a caminhões.

Também se poderia assinalar que a venda de sacos de lixo vai crescer, mesmo que a maior parte da população não tenha dinheiro para comprá-los: os que podem já constituem um sólido mercado consumidor. Daí pode resultar algo interessante, já que sacolas de supermercado não são de fato apropriadas para guardar lixo.

Inovações que não funcionam

O fim do fornecimento gratuito de sacolas nos supermercados poderá representar não um passo adiante na busca da sustentabilidade, mas um passo para o lado, ou mesmo para trás. Como se sabe, há inovações que não funcionam.

No Rio de Janeiro, até cinquenta anos atrás, as lixeiras dos prédios eram colunas quadradas ou retangulares com aberturas nas áreas dos elevadores de serviço de cada andar. Quando alguém jogava lixo embrulhado em jornal, a modalidade mais comum de descarte, podia-se ouvir o pacote roçando nas paredes enquanto descia até o ploft! no térreo, onde os porteiros recolhiam em latões metálicos os restos de, digamos, quarenta apartamentos (quatro por andar em dez andares).

Não havia sacos de plástico em nenhuma etapa do processo – eles talvez simplesmente não existissem. O lixo era recolhido por caminhões parecidos com os atuais, mas tudo era despejado diretamente: montinhos de lixo que viravam montes que viravam montanhas. 

Havia inconvenientes. Sobrava lixo em todos os locais de recolhimento e passagem. As lixeiras verticais, que nem podiam ser lavadas, cheiravam mal permanentemente.

Incineradores domiciliares

Então o governo (teria sido a Assembleia Legislativa?) do então estado da Guanabara (1960-1975) teve a brilhante ideia de obrigar todos os prédios a comprar incineradores. O lixo era jogado nas mesmas colunas e a pilha era queimada em determinado horário vespertino.

Todo fim de tarde o céu de Copacabana, o bairro então mais verticalizado, era tomado por uma gigantesca nuvem baixa de fumaça esbranquiçada e fedorenta. Quando não ventava, a dispersão demorava. E as cinzas, pequenas partículas escuras e suspeitas, caíam sobre o solo. E sobre quem passava.

Durou pouco, como se pode imaginar. Quem fabricava e quem vendia incineradores aproveitou a ajuda oficial.

Doenças não comprovadas

O sentimento de desconfiança suscitado pelo fim da distribuição gratuita de sacolas não justifica, entretanto, que os argumentos dos que se opõem a ela sejam aceitos sem verificação.

No artigo de Giosa, por exemplo, um dos pontos principais é a questão sanitária:

“Com a operação de banimento, teremos de comprar muito mais sacos de lixo para minimizar este impacto. A conta é simples: em média R$ 75,00 a mais por mês no orçamento doméstico. As classes C, D e E irão aguentar? Veremos, assim, muito lixo jogado nas ruas ou em caixas de papelão. Vai ocorrer uma ampliação das doenças infecciosas.”

A argumentação a favor da supressão das sacolas mencionava cidades que tomaram antes a medida e estavam satisfeitas com ela, caso de Belo Horizonte. Teria havido aumento dos casos de doenças infecciosas na cidade?

Uma consulta feita pelo Observatório da Imprensa não confirmou a tese de Giosa sobre a ampliação das doenças infecciosas.

Eis a resposta da Secretaria Municipal de Saúde da capital mineira: 

“1) Não foi identificado aumento significativo no número de casos de doenças infecciosas desde abril de 2011, quando entrou em vigor a lei das sacolas plásticas.

“2) Um exemplo de redução de casos de doenças é a dengue. Com o acúmulo de inservíveis (garrafas pet, pneus, latinhas, etc.), aumenta a probabilidade de acúmulo de água nesses locais, o que contribui para proliferação do mosquito da dengue, o aedes aegypti. Porém, em 2011 houve uma redução de 97% do número de casos da doença em relação ao mesmo período do ano anterior.

“3) Em 2011, foram realizados 193 mutirões de limpeza nas nove regionais da capital. Em média, mais de um mutirão a cada dois dias. Nesses mutirões, foram recolhidas 1.823 toneladas de lixo e 4.507 pneus.

 “4) Vale ressaltar que as doenças são resultados de diversos fatores, não só do acúmulo de lixo nas ruas.”

Parece evidente que, no episódio das sacolas, a mídia engoliu campanhas publicitárias como se fossem movimentos baseados em evidências científicas. E poderá engolir da mesma forma argumentos de adversários da medida.

Espera-se que os veículos de comunicação testem diferentes hipóteses, ouçam especialistas e formem sua própria opinião em relação a uma providência que, tendo unido lobbies empresariais a autoridades públicas, mexe com a vida cotidiana da população.