Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As conversas da Paris Review

A revista literária americana Paris Review, fundada em 1953 na capital francesa por um grupo de intelectuais, é até hoje uma das mais importantes do mundo. Em seu primeiro número, o escritor William Styron anunciou num editorial que a publicação pretendia dar mais espaço ao escritor do que ao crítico. Nada mais natural que o prato principal da Paris Review viesse a ser suas longas entrevistas.

Catorze delas estão reunidas nesta antologia. Organizada em ordem cronológica de publicação, a seleção cobre 50 anos (1956-2006), começando por William Faulkner e terminando em Javier Marías. Há um não literato na turma, o cineasta Billy Wilder, abordado mais como roteirista do que como diretor. A entrevista não destoa das demais, uma vez que o cinema aparece mais cedo ou mais tarde em quase todas elas (a seleção não deixa de ser, afinal, um panorama do século 20). Além disso, Wilder é responsável pelo grande momento hilariante do livro, ao contar a história de uma cerimônia de entrega do Oscar.

Muitas vezes realizadas em mais de um encontro, as entrevistas são precedidas de um sumário de apresentação do escritor e isso é praticamente tudo o que há em comum entre elas. Algumas se concentram nas obras, outras em aspectos biográficos etc. Isso não impede o cruzamento e a comparação de informações. Os métodos de trabalho sempre chamam a atenção: Ernest Hemingway escrevia em pé; Truman Capote, deitado; Paul Auster, em cadernos com papel quadriculado. Dos cinco autores vivos, o único que escreve diretamente no computador – e acha isso bom – é Ian McEwan. Uns abraçam o martírio no regime de trabalho: Amós Oz se fecha num escritório diariamente durante pelo menos sete horas, mesmo que isso resulte em apenas um punhado de palavras. Doris Lessing, ao contrário, diz que não escreve bem ‘tendo de sofrer e suar a cada frase’.

Borges, um conversador

Duas entrevistas guardam um tom trágico, as de Louis-Ferdinand Céline e Manuel Puig. Ambos morreriam no ano seguinte. Céline, endividado e ‘75% mutilado’, menciona indiretamente seu alinhamento ao nazismo e ao antissemitismo durante a Segunda Guerra, o que lhe valeu uma condenação judicial posteriormente revogada, e diz: ‘Tolero a vida porque estou vivo.’ Puig, então residente no Rio, queixa-se do que chama de ‘establishment literário brasileiro’ e conta como foi vítima de uma tentativa de extorsão.

A ordem da edição revela progressões interessantes. Faulkner, o primeiro a entrar em cena, e Hemingway, o terceiro, tratam seus entrevistadores com impressionante rispidez e arrogância e evocam noções como honra, dignidade e imortalidade. Entre os dois, surge Truman Capote que, num tom muito diferente, diz nunca escrever ‘nada que não ache que será pago’. Conforme as entrevistas chegam aos dias atuais, os escritores – em geral, atarefados com palestras, viagens e feiras literárias – são cada vez mais modestos e ‘profissionais’. ‘Pensar na posteridade, hoje, é ridículo, porque as coisas não permanecem’, diz Marías.

Entre as duas extremidades está o melhor e mais longo encontro, com Jorge Luis Borges. Como se sabe, ele era tão empolgado (e interessante) como conversador quanto era contido como escritor. Discorre sobre quase tudo, de línguas arcaicas até suas inesperadas superstições. Num toque cômico, muito apropriado, a entrevista é interrompida periodicamente por uma secretária, para lembrar ao então diretor da Biblioteca Nacional argentina que um certo sr. Campbell o espera para uma reunião.

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Jornalista