Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Assassinato de americano gera polêmica nas redações

Mais uma vez as redações americanas foram palco de polêmica sobre como noticiar um evento de grande violência. Aconteceu quando o jornalista Daniel Pearl foi degolado, quando quatro corpos carbonizados de americanos foram arrastados por uma multidão nas ruas de Fallujah e quando vieram à tona as fotos de abusos e torturas cometidos por soldados americanos com prisioneiros iraquianos. Agora, a bola da vez foi o vídeo da decapitação do civil americano Nicholas Berg.

As redes de TV dos EUA exibiram apenas trechos do vídeo, que apareceu num sítio de internet vinculado à al-Qaeda. O máximo a que chegaram foi a parte em que o algoz do americano o puxa pelo cabelo e coloca uma faca em seu pescoço. A parte final das imagens, em que o assassino segura a cabeça já separada do corpo, não foi exibida por nenhuma emissora. O desenrolar da ação foi descrito verbalmente pelos apresentadores. O serviço de televisão da agência AP distribuiu a seqüência completa do assassinato para seus 500 assinantes mundiais, mas colocou um aviso sobre seu conteúdo violento, com um minuto de duração, antes do começo do filme.

Entre os jornais americanos, muitos optaram apenas por mostrar Berg ainda vivo sentado diante de seus captores, outros reproduziram a imagem em que a faca já estava no pescoço de Berg. Nos países islâmicos, o incidente recebeu tratamento diferenciado em cada veículo. Alguns jornais ignoraram o assassinato. No Egito, por exemplo, o importante diário al-Ahram não tocou no assunto e al-Akhbar reproduziu uma nota de agência de 10 linhas. Na Síria, a imprensa também desprezou a notícia.

Para Hussein Amin, presidente do departamento de Comunicação de Massa da Universidade Americana do Cairo, é ‘uma atitude responsável evitar muita exposição desse tipo de notícia’, porque poderia inspirar extremistas a imitarem o que foi feito, colocando outros cidadãos americanos em risco. ‘As pessoas estão altamente emocionais agora por causa das fotos [dos abusos na prisão] de Abu Ghraib’. O jornal kuwaitiano Al-Siyassah al-Kuwaitia trouxe na capa uma foto com um dos rebeldes segurando a cabeça cortada do americano. Os canais de notícias árabes al-Jazira e al-Arabiya exibiram partes do vídeo. ‘Mostrar a cena da decapitação iria completamente contra a decência’, observou o porta-voz da al-Jazira, Jihad Ballout. Com informações do New York Times [13/5/04], USA Today [12/5/04] e AP [11/5/04].

Conservadores contrariados

Conservadores americanos não gostaram da cobertura da decapitação de Nicholas Berg por rebeldes no Iraque. O caso, para os defensores de Bush, teria sido deixado em segundo plano pelos jornais, que preferiram continuar dando destaque aos casos de abusos cometidos por soldados dos EUA.

O direitista The Washington Times [14/5/04], do reverendo Moon, publicou matéria em que críticos denunciam que isto estaria sendo feito deliberadamente para prejudicar o presidente Bush. The Washington Post, por exemplo, no primeiro dia em que noticiou o assassinato de Berg, colocou a notícia na página 21 do primeiro caderno. Os abusos cometidos pelas tropas americanas, por sua vez, ganharam cinco matérias, duas delas na capa. The New York Times também só trouxe uma matéria sobre Berg, contra seis sobre os maus tratos contra iraquianos.

Houve, porém, jornais que optaram pelo caminho oposto. O Dallas Morning News, do estado natal de Bush, o Texas, publicou uma foto do assassino de Berg segurando sua cabeça sobre a manchete ‘Este é o inimigo: foto desprezível mostra o mundo contra o qual devemos lutar’. A televisão, segundo o Washington Times, também teria ficado ‘fixada’ nos abusos, em detrimento da morte do americano.