Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Booktubers’ fazem sucesso na web

Sob um forte sol, cerca de 400 pessoas se reuniram há duas semanas no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, para encontrar seus ídolos. Entre gritos e declarações de amor, fãs tiravam fotos e pegavam autógrafos deles, que se desdobravam para atender aos inúmeros pedidos. As “celebridades”, porém não eram da música ou da televisão. São jovens que se dedicam a resenhar livros de papel em vídeos no YouTube: os “booktubers”.

O termo surgiu em 2011, usado pelo australiano de apelido Bumblesby como denominação para pessoas que faziam críticas e comentários sobre lançamentos editoriais no YouTube — inclusive ele. Canais falando sobre literatura já existiam, mas a chegada de um termo específico ajudou a modalidade de vídeos a ganhar projeção.

A professora de inglês Tatiana Feltrin foi a primeira a fazer vídeos falando de livros no Brasil. “Quando comecei, em meados de 2007, fazia isso sozinha”, comenta. “Até 2011, eu conseguia estar inscrita em todos os canais brasileiros sobre livros. Cerca de 50, chutando alto. Hoje em dia, é impossível.”

Tatiana é prova de que o nicho se transformou em sucesso de audiência, dentro e fora do YouTube. Ela tem quase 10 milhões de visualizações em seu canal, o Tiny Little Things, onde aborda de Carl Sagan a Sêneca, e consegue faturar em média US$ 300 por mês com anúncios. Seus ganhos não param aí e incluem cachês para participações em eventos, palestras e vídeos pagos para editoras.

Apesar do crescimento da modalidade, Tatiana tem ressalvas. “A comunidade tende a crescer mais, mas não tenho uma visão otimista”, revela. “Estamos vendo muita gente começando canal para entrar na onda, ganhar notoriedade e livros de graça das editoras.”

O evento do Parque Villa-Lobos, com fãs emocionados encontrando seus ídolos, foi organizado pelos donos de canais literários Cristiam Oliveira e Alison Iared (Índice X), Victor Almeida (Geek Freak), e Nathalia Cardoso (Leu).
“A ideia surgiu como forma de reunirmos todos os booktubers existentes e encontrar pessoalmente nossos inscritos”, conta Cristiam. “A esperança era de que as pessoas se conhecessem e se divertissem, criando laços com o público.”

De Santa Catarina, Pâmela Gonçalves veio ao evento para conhecer alguns dos quase 100 mil inscritos de seu canal. Logo que chegou ao encontro no Villa-Lobos, dezenas de pessoas começaram a correr em sua direção. Muitas choravam e gritavam. Ela justifica o sucesso. “Acho que é a união da popularização do YouTube e, ao mesmo tempo, o aumento do interesse por livros”, comenta.

Já para Victor Almeida, a popularização dos booktubers acontece pela linguagem utilizada. “Os canais literários propiciam uma forma mais divertida e dinâmica de conhecer e se relacionar com literatura.” Ele explica que “a descontração é a chave” para atrair a atenção dos jovens para o conteúdo dos vídeos e dos livros – que variam de livros infantojuvenis até Proust, dependendo do canal.

Segundo os donos de canais literários, a postura crítica com relação às obras é fundamental, independentemente do gênero literário ou se o livro foi enviado por editora. “Isso não interfere na análise”, diz Cristiam.
Essa nova dinâmica está transformando a relação entre jovens e literatura e, principalmente, entre livros e internet. Antes considerada uma inimiga do mercado editorial, a web está começando a se tornar aliada de editoras e autores.

O tradicional na web

Além de fãs e booktubers, o encontro contou com a participação da Livraria Cultura — que cedeu um auditório para realização de debates e conversas — e de 12 editoras que enviaram livros e materiais promocionais.

A DarkSide Books foi uma delas. Apostando em uma ampla divulgação nas redes sociais e criando uma boa relação com booktubers, a editora tenta fortalecer sua presença na web.

“Não existiria a DarkSide sem internet”, conta Christiano Menezes, sócio-fundador. “A relação entre internet e literatura traz novas possibilidades para criar, ler, discutir, interagir. Assim, buscamos ter um DNA totalmente online.”
Ao observar as redes sociais das diversas editoras brasileiras, é visível a busca por integração no ambiente virtual.

Menezes indica que esta aproximação com os leitores pela web é o caminho para as editoras tradicionais. Ele ressalta, no entanto, que isso deve ser feito através de “diálogos verdadeiros”. “Senão não funciona.”

Vários autores também estão usando a web como parceira na divulgação de seus livros. Raphael Montes já possui três perfis lotados no Facebook (o que lhe dá 15 mil contatos na rede). Antes espaço apenas para amigos e familiares, o autor hoje aceita solicitações de amizade de seus fãs. Mas ressalta: “A internet e a literatura não são inimigos, mas também não são gêmeos univitelinos”, comenta. “A obrigação do escritor é escrever. Só depois ele deve se preocupar com a internet.”

Carolina Munhóz também é outra escritora que possui ampla presença na web. Com mais de 250 fã-clubes, a autora se valeu da influência na internet para ampliar a divulgação de seu trabalho. “A era das redes sociais está ajudando os autores. Temos feedback dos livros de forma instantânea”, conta.

Os escritores ressaltam a importância dos booktubers no atual momento do mercado editorial. “Os booktubers representam a democratização da opinião literária na internet. Qualquer um pode criticar, e é de igual para igual”, opina Raphael Montes. Para Carolina, esta nova fase da literatura na internet dá fôlego aos livros. “Com a popularização dos blogs e booktubers, a literatura é que ficou em evidência.”

Editoras e autores brasileiros resistem ao livro eletrônico

Perdeu quem apostou no fim do livro de papel com a popularização dos eBooks. O suporte físico de leitura não só sobrevive, como lidera com folga a preferência entre leitores, segundo diversos indicadores.

Em 2013, a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) calculou que apenas 3% dos R$ 5,3 bilhões faturados com livro no Brasil vinha das plataformas digitais.

Em reportagem realizada em 2014, o jornal Financial Times relatou a queixa de um grupo de executivos da Waterstones, a maior cadeia de livrarias da Inglaterra. Segundo eles, as vendas do Kindle — popular plataforma de livros digitais — simplesmente desapareceram.

Entre universitários, o papel segue com força: a pesquisadora norte-americana Naomi Baron entrevistou recentemente 300 alunos de vários países e constatou que 92% preferem livros de papel.

Há editoras e autores brasileiros que resistem ao livro eletrônico. A DarkSide Books, tão presente no meio digital, ainda não publicou eBooks. “Nós queríamos apostar apenas na qualidade do impresso. O livro digital ficou para um segundo momento”, conta Christano Menezes. E a pouca animação com os eBooks não se restringiu às publicações da DarkSide. Ano passado, a Biblioteca Nacional expediu 16.564 registros para livros digitais – apenas 1% a mais do que em 2013.

Os autores Raphael Montes e Carolina Munhóz ressaltam que as vendas de seus livros ainda são predominantemente de impressos. Montes indica que o eBook existe para cumprir outras funções. “O livro digital permite novas maneiras de contar histórias. Pode ser mais interativo, colocar imagens. Possibilita até que cegos ouçam o livros através de aplicativos. Mas dificilmente os eBooks ultrapassarão o número de vendas do físico”, comenta.

Outra questão levantada é a ruptura que o mercado editorial deverá passar, como indicado por Bernardo Obadia, sócio-fundador da financiadora coletiva de livros Bookstart. “Provavelmente, será tudo feito online. As livrarias mesmo estão se tornando apenas um ponto de encontro” comenta. “Assim, novas formas de publicação deverão ser favorecidas, como o financiamento coletivo. Isso vai servir de auxílio numa essencial reestruturação do mercado”, conclui.

O ponto mais importante, porém, é a dependência que editoras e autores estão criando com booktubers e páginas literárias para divulgação na web. Gustavo Magnani, escritor e dono do site Literatortura, aponta que a relação é essencial. “A internet será a mãe de todas as divulgações literárias. Esperta a editora e o escritor que une as duas coisas”, comenta.

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Matheus Mans, do Estado de S.Paulo