Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Capa não faz jus ao conteúdo

As chamadas de capa da revista Claudia de fevereiro – ‘Oráculo das deusas’, ‘Celulite’, ‘Maquilagem BBB’ e ‘Teste seu grau de satisfação sexual’ – não fazem jus às surpresas que a revista reservou às leitoras. Ou talvez a revista – por uma questão de marketing – preferiu não assustar as leitoras mais fúteis com algumas matérias mais densas que elas encontrariam lá dentro.


A entrevista com a jornalista e atriz Marília Gabriela é um dos primeiros destaques, onde ela confessa ter de usar muito creme e seguir conselhos de dermatologista, cirurgião plástico e nutricionista para manter uma bela aparência: ‘Reina uma hipocrisia geral. É óbvio que a manutenção do corpo e da juventude dá trabalho’, foi sua resposta quando a repórter comemorou o fato de a entrevistada ter revelado os cuidados que precisa para se manter em forma, ao contrário de muitas famosas que dizem que ‘só fazem ioga’.


Segue-se a homenagem a Zilda Arns, que morreu no terremoto do Haiti. Autoridades, familiares e amigos, deram depoimentos sobre o trabalho dela – o qual, como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ‘foi fundamental’.




‘A Pastoral da Criança provou que, com soluções de baixo custo, era possível aproveitar melhor os recursos públicos. Também mostrou que nessa área não bastam os funcionários, é preciso ter voluntários trabalhando. Com Ruth Cardoso, ela participou ativamente da Comunidade Solidária. Sabia negociar contratos e baseava-se em evidências científicas para fundamentar suas ações’.


Pauta pobre, pauta rica


A terceira matéria importante fala de São Luiz do Paraitinga e destaca o fato de a cidade ser comandada integralmente por mulheres: a prefeita, a presidente da Câmara de Vereadores e a delegada são as personagens que contam como estão trabalhando para reconstruir a cidade, sem levar em conta quem é de qual partido político.


Na sequência vem ‘Barbárie sem fim’, que fala da situação das mulheres que sofreram mutilação genital:




‘Nada menos que 97% das egípcias entre 15 e 47 anos sofreram mutilação genital. Na África, são 92,5 milhões de mulheres acima dos 10 anos que tiveram os clitóris extirpados por uma faca, sem anestesia. Depois o estrago foi costurado com agulha. Diariamente, 8 mil meninas passam por essa tortura lá e em outros países do Oriente Médio, da Ásia e Europa. Por que é tão difícil acabar com esse crime bárbaro?’


A última grande matéria trata de Amélia Earhart: ‘A mais famosa aviadora de todos os tempos foi também líder na luta pelos direitos femininos, empresária, designer de moda e amante anticonvencional’.


Claro que a revista também trata – e muito – de moda e beleza sem deixar de lado a tradicional matéria de sexo e textos de adivinhação como ‘O Oráculo das Deusas’. Mas esses deslizes não tiram o brilho editorial da revista. Se a todo mês Claudia conseguir manter esse tipo de equilíbrio, certamente vai fazer um bom trabalho pela causa feminina, ensinando às leitoras que mulheres que trabalham – como Zilda Arns e as mulheres de São Luiz do Paraitinga – merecem o reconhecimento da mídia. Pena que, nesses dois casos, foi preciso que duas tragédias despertassem a criatividade dos pauteiros.


Enfim: uma pauta que pode servir de inspiração para outras revistas do segmento feminino, que continuam insistindo em falar apenas de moda e beleza e escolhem, como personagem para seus perfis, as atrizes e celebridades que só merecem destaque porque aparecem na novela das oito.

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Jornalista