Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Comunique-se

‘Paulo Markun, apresentador do programa Roda Viva, da TV Cultura, e diretor da Agência Deadline, participou do Papo na Redação desta quinta-feira (15/04) diretamente do estande do Comunique-se no 7º Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas em São Paulo. Antes do chat, Markun participou do evento dando uma palestra sobre ‘O futuro da mídia e das relações empresa-imprensa – oportunidade, desastre ou mudança de paradigma?’

O tema da palestra também foi o assunto mais freqüente do Papo. Markun falou de isenção jornalística e explicou porque cada vez mais os jornalistas procuram emprego nas assessorias de imprensa. Segundo ele, ‘há empresas e assessorias que operam corretamente, outras mais ou menos e terceiras totalmente irresponsáveis ou antiéticas. O duro é separar o joio do trigo.’

Markun afirmou que gostou muito da experiência do Papo, destacando o nível das perguntas e a interação com os usuários como os pontos mais positivos. O jornalista disse, também, que vai disponibilizar a transcrição do chat em seu blog.

Confira, na íntegra, o Papo na Redação com Paulo Markun:

[13:06:30] – Lenilson Guedes de Aquino (Repórter – Rádio Tabajara AM – PB) pergunta para Paulo Markun: Você ainda tem algum vínculo com a Revista Imprensa?

Paulo Markun responde: Não, Lenilson. Fiquei na revista dois anos, aproximadamente, os dois primeiros anos, quando ela era dirigida também pelo Manoel Canabarro, pelo Dante Mattiussi e pelo Sinval de Itacarambi Leão, que continua lá. Depois, eu e o Canabarro deixamos a sociedade. Em 1992, criei uma newsletter sobre comunicação, a Deadline e em 1994, a revista Radar. Ambas já falecidas.

[13:08:04] – Geraldo Lopes (Redator – Alerj) pergunta para Paulo Markun: Olá, Markun. Vou fazer uma pergunta quase infantil, mas é que ainda existem empresários que afirmam o contrário. Então vamos lá: a relação empresa imprensa atropela o jornalismo isento, se é que existe isenção no jornalismo?

Paulo Markun responde: Geraldo, jornalismo isento é utopia, deve ser meta a se alcançar, mas não existe. Mas é possível ter a isenção como meta e fazer jornalismo na sociedade em que vivemos. Dá algum trabalho, nem todas as empresas fazem e nem todos fazem o tempo todo. Mas existe, acho eu.

[13:10:24] – Karla Siqueira (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: Como você avalia o relacionamento entre o jornalista da redação e os departamentos de comunicação das empresas atualmente?

Paulo Markun responde: Cada vez tem mais jornalista nos departamentos de comunicação das empresas e menos nas redações. Ouvi falar ontem de uma pesquisa feita na ECA (informação meio vagabunda, essa, de ouvir falar) segundo a qual 93% do conteúdo dos grandes jornais vem hoje das assessorias. Isso preocupa. Mas como em quase tudo na vida, esse relacionamento tem preto, branco e cinza. Ou seja, há empresas e assessorias que operam corretamente, outras mais ou menos e terceiras totalmente irresponsáveis ou antiéticas. O duro é separar o joio do trigo.

[13:12:18] – Geraldo Lopes (Redator – Alerj) pergunta para Paulo Markun: Vou insistir na pergunta: a relação empresa imprensa atropela o jornalismo? O que fazer para manter a isenção engordar o faturamento?

Paulo Markun responde: Geraldo, se o faturamento vier da publicidade e da venda avulsa e assinaturas, é possível manter a isenção. Mas todo mundo sabe que tem publicação e programas de rádio e TV que vendem espaço editorial, descaradamente, como tem jornalista que vende sua pena a terceiros que não o veículo para o qual trabalho. Que tem, tem.

[13:14:10] – Miriam Abreu (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: Na sua opinião, qual será o futuro do profissional de imprensa?

Paulo Markun responde: Miriam, não tenho a menor idéia. Acabei de participar de um painel no Congresso de onde estou escrevendo essas respostas, dizendo isso. Acho que a soma de internet, grandes empresas de telefonia, abertura para o capital estrangeiro, crise da mídia, assessorias, blogs e novas tecnologias está gerando um bicho estranho, parecido com a realidade pré-Gutemberg, por incrível que pareça. Onde vai dar? Sei lá, sinceramente. E quem disser que sabe o futuro, está engabelando a gente.

[13:15:55] – Karla Siqueira (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: Qual o limite do trabalho assessor de imprensa ao propor uma pauta que beneficie a empresa que representa?

Paulo Markun responde: Karla, nenhum assessor de imprensa vai propor uma pauta que prejudique a empresa que represente. Mas acho, genericamente, que o assessor como qualquer cidadão não deve mentir, enganar, inventar. Quem dizia isso era o Claudio Abramo no livro A Regra do Jogo. Não há uma ética do jornalista que seja diferente daquela que deve pautar as pessoas em geral. Agora, como cumprir esse preceito no dia-a-dia das assessorias é o xis dessa questão.

[13:17:31] – Geraldo Lopes ( Redator – Alerj ) pergunta para Paulo Markun: Desculpe, Markun. Em primeiro lugar boa tarde e, seja bem vindo. Com o advento do micro, do celular, da Internet e outros meios eletrônicos de comunicação, o jornalismo impresso estaria em extinção?

Paulo Markun responde: Se o jornalismo impresso não acabar, ele terá de mudar muito. Por enquanto, são os jornais impressos que continuam a ter mais influência na formação de opinião pública. Minha filha de 29 anos lê pouco jornal, se informa pela TV. Os de 18 e 14 só se informam pela internet. Agora como eles formam a opinião é o que eu me pergunto o tempo todo.

[13:18:22] – Rafael Fernandes (Estudante – atual) pergunta para Paulo Markun: Na sua opinião, qual o papel fundamental da imprensa na formação do jovem?

Paulo Markun responde: Rafael, é quase uma continuação da resposta anterior. A juventude lê pouco no papel e lê e escreve muito na internet. O que não compreendo, nem imagino é como será a imprensa dentro de cinco, dez anos…

[13:22:55] – Lenilson Guedes de Aquino (Repórter – Rádio Tabajara AM – PB) pergunta para Paulo Markun: Você não acha que o resultado dessa pesquisa feita na ECA é porque as empresas preferem fazer economia de custo, quando o certo seria investir na contratação de mais profissionais? Tem muito jornalista saindo nas redações porque descobriu que algumas assessoria de imprensa pagam melhor.

Paulo Markun responde: Sim, essa economia explica parte do problema. Mas minha triste experiência como empresário de comunicação me levou a aprender que nem só de jornalista vive a imprensa. Uma vez um diretor do falecido Diário Popular, que era genro do dono (veja como o capitalismo aqui é familiar) mencionou uma metáfora que acho fundamental. Jornalismo é como corrida de fórmula um. Se você colocar o Senna ou o Schummacher num carro de uma escuderia de segunda linha, jamais vencerá a corrida. É preciso ter um bom carro, uma equipe de box afinada, a melhor gasolina, pneus de primeira, tecnologia de ponta e muita grana. Daí, o Senna ou o Rubinho farão a diferença. Os jornalistas são os pilotos, nada mais. Por isso, quando lancei a revista Imprensa e o Roberto Civita me recebeu com toda a gentileza, examinou a revista e afirmou, elegante – ‘Wellcome to the club, Markun’- eu emendei rápido: ‘Sou sócio-atleta, Roberto’. E era mesmo, é claro…

[13:25:55] – Meyre Anne Brito (Estudante) pergunta para Paulo Markun: Como você acha que o assessor de imprensa deve agir para não se sentir um jornalista prostituido pelos interesses da empresa que trabalha?

Paulo Markun responde: Meyre, qualquer jornalista, seja numa assessoria ou numa redação, terá, em última instância, um poderoso instrumento para evitar ser prostituído: pedir demissão. Isso em última instância, evidentemente. Até lá, acho que é preciso ponderar junto aos dirigentes da empresa ou do veículo, sempre que acharmos que o limite está sendo ultrapassado. Muitas vezes a gente consegue convencer o patrão. Outras vezes, a gente tem de engolir o sapo. Quando o sapo é grande demais, feche a boca e tire seu time de campo, não há outro caminho, embora seja difícil…

[13:27:44] – Anselmo Gomes (produção – Forest) pergunta para Paulo Markun: Então, as assessorias fazem um trabalho q deveria ser das redações … e quem não têm condições de ter uma assessoria, como fica?

Paulo Markun responde: Esse é o problema. O pobre, o sujeito acusado de um crime, a ONG que faz um belo trabalho, nem sempre tem assessoria. Fica fora da mídia. Que não cobre o que se passa no interiorzão, que só faz entrevista por telefone, que reage apenas às sugestões de pauta, de modo geral. Sempre coloco essa advertência para não ficar como o sujeito que c…regra o tempo todo. Vício que nós jornalistas, temos desde criancinhas…

[13:29:09] – Miriam Abreu (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: Desde que Lula assumiu a Presidência da República, os jornalistas vêm reclamando da falta de acesso a informações sobre o governo federal. Você tem alguma sugestão para evitar esse desgaste entre Planalto e imprensa?

Paulo Markun responde: Entrevista coletiva. O presidente Lula poderia muito bem participar do Roda Viva, que FHC fez duas ou três vezes. O Kotscho já tem vários pedidos do Roda e de centenas de veículos. Mas acho que essa política de receber jornalistas no Dia dos Jornalistas e probir as perguntas sempre vai dar desgaste. Uma coletivazinha não faria mal a ninguém, presidente…

[13:32:04] – Karla Siqueira (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: Que trabalho te dá mais prazer: o que você exerce na Deadline ou a apresentação do Roda Viva?

Paulo Markun responde: Hoje não tenho mais atividade na Deadline, que tornou-se a agência que cuida da minha pauta para palestras, mediação de debates e atuação como mestre de cerimônia de eventos. Aos 52 anos, 33 de jornalismo, estou aprendendo a gostar desse tipo de trabalho, que exige jogo de cintura, compostura e agenda livre. Agora o Roda Viva é o melhor e o mais antigo programa de entrevistas da TV brasileira. Estou lá há seis anos e se depender da minha vontade, terão de me aturar por um bom tempo ainda. Concluindo o merchandising, informo que estou concluindo agora um livro que deve sair nos próximos meses pela Editora Objetiva. Chama-se O Sapo e o príncipe e é uma biografia comparada de Lula e FHC. No momento, esse é o trabalho que me dá maior sofrimento. Espero que publicado, passe a dar prazer…

[13:34:00] – Celso Raeder (Diretor – Terceira Palavra MK e Comunicação) pergunta para Paulo Markun: Caro Markun, percebo que a maioria dos universitários chega ao fim do curso com a mentalidade do empregado, ou seja, sonham em trabalhar na empresa dos outros, com carteira assinada e direitos trabalhistas. Você não acha que falta espírito empreendedor no meio acadêmico, para estimular os jovens a tornarem-se empresários?

Paulo Markun responde: Falta espírito empreendedor na sociedade brasileira como um todo. Tem muita gente que acha que criar uma empresa é como arranjar um emprego onde a gente faz a hora, o salário e as regras. É mais complicado do que isso e continuando o merchandising (se você não vender seu peixe, ainda que com certa elegância, quem fará isso por você?) estreia no ddia 24 de abril, sábado, sete e meia da noite na TV Cultura o programa Negócios e Soluções, parceira do Sebrae/SP com a Cultura e apresentação deste sujeito aqui.

[13:35:27] – Geraldo Lopes (Redator – Alerj) pergunta para Paulo Markun: Beleza, Markun. Você tocou num problema grave. Como você vê o tratamento que a mídia dispensa ao pobre acusado de crime, mesmo que ele ainda não tenha culpa formada?

Paulo Markun responde: Como diria o Boris isto é u-ma ver-go-nha! Vergonha são esses programas de fim de tarde, apresentados por coleguinhas, que fingem defender o interesse da sociedade e do cidadão. Quer absurdo maior que a cena protagonizada pelo secretário de Segurança do Rio, ao apresentar a solução do crime em que foi morto aquele casal de americanos?

[13:36:43] – Miriam Abreu (Repórter – Comunique-se – RJ) pergunta para Paulo Markun: No Dia Nacional do Jornalista, comemorado em 07/04, o Comunique-se fez a seguinte pergunta a profissionais da área: `Qual seria o melhor presente para o profissional de imprensa neste dia?`. Você poderia também nos responder a esta pergunta?

Paulo Markun responde: Acho que o mesmo presente que todo brasileiro continua esperando: o aquecimento da economia e aqueles dez milhões de empregos tão mencionados na última campanha eleitoral. Quanto ao resto, que a liberdade continue a abrir as asas sobre nós.’



ENTREVISTA / PEDRO DORIA
Bruno Natal

‘Entrevista – Pedro Doria’, copyright URBe, www.urbe.blogger.com.br, 24/03/04

‘Se Pedro Doria não tivesse trocado seu curso de Engenharia na UFRJ pelo de Comunicação, a imprensa teria perdido um ótimo jornalista. Com passagens pela Rede Globo e pelo jornal o Dia, aos 29 anos, Pedro assina uma coluna no No Mínimo.

Suas análises da política internacional, sempre na mosca (algo difícil nos tempos atuais), são uma das melhores fontes para entender o que se passa pelo mundo.

Nessa conversa com o URBe, Pedro explica seu modo de trabalhar, fala sobre escrever entre bambas e ainda avalia os possíveis resultados da eleição dos EUA.

Como você começou a escrever na No Mínimo?

A NoMínimo nasceu de um grupo de jornalistas que trabalhava na NO., um site bem maior que fechou por conta da crise das

ponto-com. Lá, eu era editor de Internacional e assinava uma coluna diária, misto do que hoje são o Weblog e a minha coluna.

É muita responsabilidade estar no meio dessa turma toda?

Sou o caçula, faço 30 este ano. Olha, não tem universidade que ensine o que eu aprendo todo dia lá. Clichê, não é? Pois é, só que no caso é isso. É nas sutilezas que o processo acontece. Alguém mexe no seu texto, inclui uma vírgula e faz toda a diferença. E é mais que isso. São as conversas: uma troca de idéias constante, quando você para pra ver, não é numa ou noutra idéia que você está aprendendo: é na maneira que o raciocinio se organiza, ali onde as dúvidas surgem, na sacada que você não teve e alguém com várias décadas de experiência mais que você têm. É na maneira que voce vê as pessoas discutindo idéias e depois vê o texto delas pronto, escrito numa elegância, numa organização. Só então você percebe como o raciocínio se formou e como o trabalho final ficou. Esses caras eram meus ídolos quando pensei em ser jornalista. Vale cada segundo.

O que vc lê diariamente, quais são suas referências?

Sou mau leitor de jornal, passo os olhos na Folha e no Globo, principalmente na parte de internacional — para saber o que eles destacaram, consideraram importante, o que estão noticiando. Têm sempre aquelas figuras que, não importa sobre o que estão escrevendo, gosto de ler. Elio Gaspari, Clovis Rossi, isso para não falar da turma do site.

Não dirijo, em geral vou de ônibus para a redação, o que acaba tomando uns 40 minutos de ida e de volta. Gasto esse tempo com livros, principalmente, não-ficção, história contemporânea, escrita por jornalistas ou historiadores. Pode ser coisa muito específica — agora, estou lendo um chamado ‘The Bill Clinton Story’, de um veterano jornalista chamado John Hohenberg, que presidiu muitos anos o prêmio Pulitzer, e que conta a história da eleição presidencial de 1992, nos EUA.

Quando o dinheiro permite, gosto de ler algumas revistas também, principalmente The Economist, The New Yorker, Atlantic Monthly, Wired, para citar as mais usuais.

Quais são seus sites obrigatórios, aqueles que você não deixa de ler nenhum dia? Você lê sites e blogs pessoais, que não sejam de grandes veículos de comunicação?

Meu guia é minha Startpage. Ela está sempre aberta; não leio tudo ali todo dia, claro que não; nem a metade. Às vezes clico ao léu, às vezes vou à cata de algum jornal de um país específico. Mas claro que isso é limitado pelas línguas que você fala — meu francês é ruim, então acabo evitando os franceses. É limitador, principalmente neste caso, porque muito do escrito sobre o Oriente Médio de bom é em francês. Gosto um bocado do Blue Bus.

Leio muitos blogs, em alguns dou uma olhada quase diária: Daily Kos, Scripting News, Metafilter, Eros Blog, Romenesko’s Media News, InternETC… o critério é informação ou bom texto. Nos dois você lucra.

Acontece um fato grande, importante. Como você faz, da análise dos fatos até publicar o texto?

Complicado, vamos lá. No início de tudo você recebe a notícia. Explodiram trens em Madri. Alguém liga e avisa, você ouve no rádio, alguém comenta no bar. Nesse momento, ligo para algum amigo, meu pai, que é media junkie, algum colega de redação, para saber o que está acontecendo. Neste meio tempo, já estou a caminho ou da redação ou de casa. Aí, a primeira coisa que faço é ligar a televisão, ou GloboNews ou algum dos canais jornalísticos estrangeiros, CNN, BBC, FoxNews, no caso espanhol, TVE da Espanha. A tv me serve como ruído de fundo, cada nova informação relevante, conforme vai aparecendo, ouço ali.

Análise nao é opiniao, análise é informação cruzada. Para isso, você depende das perguntas que faz. Explodiram trens em Madri, a pergunta começa com foi a Al Qaeda, foi o ETA? Naquele dia, escrevi uma coluna sobre as duas possibilidades quando a tv veiculou que a Al Qaeda tinha assumido o atentado para um jornal árabe de Londres, o al-Quds al-Arabi — ficou claro que tinha sido a Al Qaeda, porque eles sempre se comunicam através de lá. Depois de um tempo cobrindo isso, você aprende esses macetes.

Tento ficar de olho no que comentaristas que respeito estão dizendo, mas muitas vezes só é possível no dia seguinte. Lendo comentário dos outros você aprende um bocado, principalmente em como, com as mesmas informações que você tinha, chegaram a outras conclusões. O trabalho, basicamente, é este: reunir informação. Enquanto a tv está ligada, você cai na web, monitorando sites como o GoogleNews para filtrar, pelos títulos, tudo o que esta sendo publicado sobre um assunto. Então você cruza informações com buscas pelo Google. O truque está em saber que perguntas você quer respondidas. Não se satisfazer com o que a maior parte das notícias te dão. Você vê, o exército paquistanes estava cercando um sujeito que parecia ser o Ayman al-Zawahiri, lugar-tenente do bin Laden. O noticiário vai te dizer isso: planejou o 11 de setembro, é braço direito de bin Laden, alguns se aprofundam um pouco mais. O que você quer saber?

Bem, o que você quer saber é como fica a al-Qaeda sem esse sujeito. Que tipo de pessoa ele é. E você começa a mergulhar na biografia dele a procura de respostas. No fim, resta seu feeling. A análise serve para ajudar o leitor a entender porque uma coisa é importante, dar uma idéia de o que pode acontecer. Você tem de contar com um leitor inteligente que saiba que você está abrindo uma porta, buscando caminhos, mas que de maneira alguma você é infalível. Você é apenas alguém pago para se preocupar exclusivamente com o que está acontecendo no mundo para ajudar o leitor, concentrando em pouco espaço o que você gastou o dia — ou a semana, o mês, o ano, a vida… — apurando.

Você tem feito uma boa cobertura da corrida presidencial nos EUA, contextualizando fatos e explicando muitas das confusões inerentes. Consegue prever o que vem por aí? Descreva brevemente (se é que dá…) os dois cenários possíveis.

É claro que não consigo prever nada — eu achava que o Howard Dean ia ser o candidato. A velocidade com que ele sumiu foi estonteante. Por outro lado, ele foi importante, tirou dos Democratas o medo de bater no Bush. É mais provável a eleição do Bush do que a do Kerry, mas nao é de forma alguma impossível a eleição do Kerry. Hoje, eu diria, 60/40.

Bush, dois cenários: ele percebe que os neo-conservadores prepararam várias armadilhas pra ele, tudo que prometeram que aconteceria não aconteceu e os demite no dia seguinte à posse; não pode fazer antes porque demonstra fraqueza. Se isso acontecer, ele chama de volta a turma que esteve com seu pai no governo, gente como James Baker. Teremos um governo menos belicista, mais pragmático, tentando remendar o estrago, aproximar-se da Europa para conseguir ajuda no Iraque. Outro cenário: Bush continua neo-conservador. Escolha o seu: Irã, Síria. Acho que vão pra Siria, Irã é complicado demais.

Kerry vence. Bem, será um governo parecido com o de Bush sem os neo-conservadores, aproxima-se da Europa, tenta remendar relações para conseguir ajuda no Iraque. Mas será diferente de qualquer Bush no sentido de que haverá o retorno do investimento em pesquisa científica, menos religioso em sua visão de mundo. Ambos serão mais protecionistas economicamente. É profundamente difícil imaginar um governo Kerry porque a última vez que este braço do Partido Democrata esteve no poder foi quando o Kennedy era presidente — vamos ver. Tudo é chute essas alturas… muito cedo para avaliar de fato.’



ENTREVISTA / CARLOS MANGA
Laura Mattos e Silvana Arantes

‘Lobo do ar’, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/04

‘’Comecei maltratado pelos críticos, passei a cult e terminei aplaudido por todos, da plebe à intelectualidade’. Assim o diretor de cinema e TV Carlos Manga, 76, resume seus 50 anos de carreira.

Das chanchadas carnavalescas da Atlântida, nos anos 50, à minissérie ‘Um Só Coração’ (2004), na Globo, sua obra será tema de uma retrospectiva no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, a partir desta terça (leia ao lado).

Entre outros pioneirismos, Manga foi o responsável pela primeira edição de videoteipe da TV brasileira, em 1961. Entusiasmado com o feito, beijou a boca de um homem ‘pela primeira e última vez’. Era o técnico com quem dividia o estúdio. Além dessa revelação, na entrevista a seguir Manga fala mal do cinema novo e do governo Lula, afirma que a escalação de Erik Marmo para ‘Um Só Coração’ foi um erro e diz querer fazer um filme para se aposentar.

Folha – Que avaliação faz da produção industrial de filmes dos estúdios Atlântida (Rio), nos anos 50?

Carlos Manga – É indiscutível a importância desse início. Sofri grande perseguição dos críticos, que não souberam entender a beleza daquela ingenuidade, a verdade do diálogo daquela indústria de cinema com o povo brasileiro.

Folha – As chanchadas eram tidas como pastiche de Hollywood. Os críticos não souberam ver ali uma identidade nacional?

Manga – Eles não perceberam que o modo de contar não era hollywoodiano, mas brasileiro. A Vera Cruz [companhia cinematográfica paulista] apareceu como a redentora do cinema nacional, mas não conseguiu se identificar com o público, sua alegria. Eram filmes europeus, não traduziam nossa identidade. Depois veio uma narrativa de esquerda, distante do público [refere-se ao cinema novo]. A Atlântida criticava uma sociedade nefasta com humor. O povo ria e entendia. O público entendeu, a crítica não. Hoje, a crítica está mais próxima.

Folha – O sr. acha?

Manga – Sim. Acabamos de fazer uma minissérie em que mostramos a cultura da formação brasileira e, desta vez, a plebe, a crítica, os intelectuais, todos apoiaram. A crítica entendeu que o folhetim passou a importância desses paulistas que tornaram o país conhecido no mundo todo. Aos 76 anos, estou muito romântico. Quando eu teria a chance de ser entrevistado por um dos mais importantes jornais do país com as minhas chanchadas? Agora consegui, usando o meu método de humor.

Folha – Só hoje o sr. se sente reconhecido?

Manga – Reconhecido sou há algum tempo. No início, muito maltratado. Depois fui reconhecido e virei até cult. Agora é mais do que isso. Ouvir o taxista na rua falar de Oswald de Andrade [1890-1954] é empolgante. Se pudéssemos fazer mais isso, iríamos conhecer a verdade dos nossos ídolos ou a inverdade dos falsos ídolos. Não quero me estender, porque fico de esquerda demais.

Folha – O sr. se considera uma pessoa de esquerda?

Manga -Pintei meu bigode para aplaudir [o líder comunista] Luiz Carlos Prestes [1898-1990], quando ele saiu da cadeia. Mas um dia vi Prestes no palanque defendendo um ditador fascista para se eleger senador [em 1945, Prestes aderiu à candidatura de Getúlio Vargas, seu antigo opositor]. Não entendi, porque ele havia matado sua mulher, grávida, com pontapés na barriga [o governo Vargas entregou Olga Benário a Hitler, e ela morreu num campo de concentração, em 1942]. Fui procurar meu mestre, Mário Lago [1911-2002], comunista convicto. Ele me disse: ‘Manguinha, o que importa é o partido. Os sentimentos baratos temos que deixar de lado’. Nesse dia, dei um beijo na mão dele e desisti de ser de esquerda. Hoje estou vendo que era tudo bobagem, o Brasil está entregue ao poder que era de esquerda, e não conheço ninguém mais de direita do que este governo atual.

Folha – Com o fim da Atlântida, ir para a TV foi seu caminho natural? Ou os lugares que passaram a existir no cinema não o interessavam?

Manga – Cansei de levar tanta paulada de crítico e resolvi trocar o salário de um mês pelo de um sábado. E me vendi, fui para a TV.

Folha – Valeu a pena?

Manga – (silêncio). Na resposta, deixem uma linha em branco. Não sei. Por um lado, economicamente, ganhei. Por outro, perdi um pouco do meu ídolo, meu amor, que é o cinema.

Folha – Acha que a TV se pauta muito pelos rostos bonitos?

Manga – Há atores que não são verdadeiros, e outros maravilhosos. Em ‘Um Só Coração’, vi jovens que me entusiasmaram. Tive momentos emocionantes com a minissérie. Óbvio, tive outros decepcionantes, porque nem todos têm o mesmo dom. Apaixonei-me demais por esse trabalho. É o melhor do qual participei na TV.

Folha – Foi conseqüência dessa paixão ter defendido Erik Marmo [criticado em jornais por sua atuação em ‘Um Só Coração’]? Ou o sr. o vê como um ator de talento?

Marmo – Ele merecia incentivo, como eu mereci e não tive quando comecei. É um iniciante, que foi jogado num covil de cobras, principalmente aquela ‘maldita’ Ana Paula Arósio (risos). Ele, coitado, sofreu as conseqüências de um rapaz em início de carreira num grupo muito forte. Não acho que deveria ser premiado como grande ator, mas deveriam ter um pouco de paciência com ele.

Folha – A culpa, então, é menos dele e mais da escalação?

Manga – É. Eu sei, porque posso me culpar pela escalação. Achei um casal lindo. Quando vi o teste dele e da Ana Paula, achei uma coisa tão bonita fisicamente…

Folha – O sr., que fez a primeira edição em videoteipe da TV brasileira [‘Chico Anysio Show’, TV Rio, 1961], fica assustado com a TV sendo transmitida por celular?

Manga – Não. Quando iniciei isso todo mundo se assustou. Depois daquele passo, o resto é conseqüência. Na madrugada do dia da experiência, fomos para o vídeo trabalhar. Tentamos de todas as maneiras, até que descobrimos uma que deu certo. Foi a primeira e, graças a Deus, a última vez em que dei um beijo na boca de um homem. Nós nos abraçamos feito duas bichas românticas, dentro de uma salinha de videoteipe. Foi uma loucura (risos).

Folha – Seu projeto é encerrar sua carreira com um filme?

Manga – Não sei se vou conseguir, mas é o que eu mais desejo. Cinema para mim é minha mãe.’

***

‘Retrospectiva evidencia busca pelo público’, copyright Folha de S. Paulo, 18/04/04

‘Em sua extensa obra, Carlos Manga procurou uma aproximação com o grande público através da chanchada e da TV.

Nesta retrospectiva do CCBB, de seus 24 longas, estão presentes 11, além de ‘Carnaval Atlântida’ (52), de José Carlos Burle, que traz a estréia de Manga na direção, à frente de números musicais. A mostra abriga os principais longas de sua fase mais prolífica no cinema, dos anos 50 e Oscarito, em que predominavam comédias -com sutis críticas sociais- e musicais da Atlântida. Dessa fase, entram ‘Nem Sansão nem Dalila’, ‘Matar ou Correr’ (ambos de 1954) e ‘O Homem do Sputnik’ (59), entre outros. Das décadas seguintes, entram poucos filmes, como ‘Pintando o Sete’ (59) e o derradeiro ‘Os Trapalhões e o Rei do Futebol’ (86).

Da TV, meio pelo qual se expressa desde os anos 60, estão ‘Chico City’, ‘Sandy & Júnior’, ‘Um Só Coração’ e outros. Serão exibidos primeiros capítulos das produções de dramaturgia e um episódio dos humorísticos.

RETROSPECTIVA CARLOS MANGA. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/ 3113-3651). Quando: de terça (dia 20) a 2/5. Quanto: de R$ 2 a R$ 4 (cinema) e grátis (sala de vídeo). Encontro c/ o diretor: terça, às 21h.’