Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De olho nas denúncias de corrupção no Esporte

O Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (25/10) pela TVBrasil discutiu o trabalho da mídia na apuração das denúncias de corrupção envolvendo o Ministério do Esporte. A pasta, chefiada pelo ministro Orlando Silva, é comandada pelo PCdoB desde 2003. Segundo o policial militar João Dias Ferreira, desde a gestão de Agnelo Queiroz há um esquema de desvio de recursos públicos no Ministério por meio de ONGs de fachada. O policial diz que, até o momento, não há provas do envolvimento diretos dos dois ministros, mas garante que indícios incriminam assessores do alto escalão. Em 2010, o policial foi preso na Operação Shaolin, da Polícia Federal (PF), acusado de ter desviado R$ 3,2 milhões do programa Segundo Tempo, criado para estimular a prática do esporte entre crianças e adolescentes.

João Dias Ferreira disse que uma “central de propina” funcionava no Ministério com a finalidade de arrecadar recursos para o PCdoB. Em depoimento à PF na segunda-feira (24/10), o policial afirmou que ONGs pagavam “pedágio” para um escritório de consultoria. O esquema incluiria também a contratação dos serviços de um “cartel” de empresas indicadas por funcionários do Ministério. Parte dos recursos arrecadados no esquema financiaria a estruturação do PCdoB e campanhas de candidatos do partido. Na terça-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) abriu inquérito para investigar a participação no ministro no esquema. O ministro nega as acusações.

Para discutir este assunto, Alberto Dines recebeu no Rio de Janeiro o jornalista Eduardo Tironi, editor-executivo nacional do portal de jornalismo esportivo Lance!Net. Tironi foi editor do Lance!Net e editor-executivo regional da edição carioca do jornal Lance!. Em São Paulo, o programa contou com a presença de Mauro Cezar Pereira, comentarista dos canais ESPN e da Rádio Estadão-ESPN. Pereira trabalhou em diversos veículos de comunicação, como O Globo, O Dia, Placar e Valor Econômico. No estúdio de Brasília, o convidado foi João Bosco Rabello, diretor da sucursal de Brasília de O Estado de S.Paulo. Rabello trabalhou no Correio Braziliense, Jornal do Brasil e O Globo.

Informante e também réu

Em editorial, Dines disse que as denúncias mais contundentes contra o ministro partiram da revista Veja há doze dias, mas foram encampadas pelo restante da imprensa. “Derrubar ministros exige competência: é preciso saber o que dizer, como dizer, a quem dar credibilidade. Quase tudo o que vem sendo publicado sobre as irregularidades já era conhecido há, pelo menos, três anos. O dado novo, dinamite pura, estava na informação de que o próprio ministro recebera vultuosa propina numa garagem. Acontece que o denunciante e principal fonte das reportagens é réu, também é denunciado, cúmplice assumido de tudo o que agora está ajudando a desmascarar”, sublinhou. É imprescindível, na avaliação de Dines, que a mídia dê espaço ao direito de defesa dos acusados.

Antes do debate no estúdio, o programa apresentou um depoimento exclusivo do ministro Orlando Silva. O ministro contou que a revista Veja entrou em contato com sua assessoria na quinta-feira e enviou as perguntas no final da tarde de sexta-feira. A edição chegou às bancas no sábado. “Foi um prazo absolutamente inviável de ter qualquer resposta. Eu estava no exterior, acompanhando a abertura dos Jogos Panamericanos. O que ficou claro para nós é que a matéria estava pronta, editada e que iria apenas ter um registro para não dizer que não ouviu o outro lado”, criticou.

Para Orlando Silva, o contato de Veja tinha como objetivo apenas cumprir uma formalidade. Não havia interesse em esclarecer a verdade nem apresentar o contraditório. “Eu acredito que foi um erro no processo de construção desta matéria”, disse. O ministro apontou um grave erro na capa da revista. “Quem ler a reportagem vai ver que a reportagem diz ‘determinada pessoa teria ouvido falar que o ministro recebia dinheiro’. A capa da revista afirma ‘O ministro recebia dinheiro’. A edição é mais grave ainda porque não há provas e a revista crava como se fosse a verdade absoluta”.

Apedrejamento

Orlando Silva disse que boa parte da cobertura da imprensa neste episódio tem servido para promover um linchamento público. “Houve um editorial de um jornal na semana passada que me deixou chocado. O editorial dizia: ‘não importa que não haja provas, não importa o processo. Há a acusação, a acusação é grave e isso apenas justifica a demissão do ministro’. Foi quando eu reagi dizendo que querem tirar o ministro no grito”, lembrou. O ministro contou que chegou a pensar em processar a Veja e O Estado de S.Paulo, mas recuou porque não quer criar uma “cortina de fumaça” e prefere evitar insinuações de que estaria tentando restringir a liberdade de imprensa.

Alguns órgãos de imprensa, na avaliação do ministro, foram adotando uma posição mais moderada após as primeiras denúncias e ofereceram espaço para a sua defesa, como a Folha de S.Paulo. “Eu registro como uma atitude democrática de um órgão que denuncia o que tem que denunciar mas dá espaço ao contraditório”, elogiou. Orlando Silva argumentou que há uma campanha agressiva da imprensa mas que a sociedade tem capacidade crítica de analisar as notícias para formar a sua opinião sobre os fatos.

A reportagem mostrada pelo programa ouviu a opinião de jornalistas. Juca Kfouri disse que independentemente da conduta pessoal do ministro, há um dado concreto e comprovado. “O Ministério dele fez um sem número de convênios com ONGs ligadas ao partido dele que não se justificam sob nenhuma ótica republicana”. Supor que o Ministério pode fiscalizar tantos convênios é um convite “para a coisa inescrupulosa”. Kfouri comentou que toda vez que estoura uma denúncia, o jornalista é obrigado a se perguntar a quem interessa aquele escândalo, mas as informações devem ser investigadas mesmo que a fonte seja inidônea. “Que interesse ao diabo. Quem pôs este jabuti na cerca não fomos nós, não foi a sociedade brasileira. Foi o Ministério do ministro Orlando Silva”, disse Kfouri. O esporte no Brasil, na opinião do jornalista, é uma grande caixa-preta.

Caso antigo

Luiz Ernesto Magalhães, repórter da editoria Rio do jornal O Globo, avaliou que os pontos mais graves das denúncias são o apadrinhamento e a adoção de critérios mais políticos do que técnicos na escolha das entidades que vão fazer iniciação de base ou projetos sociais com o Ministério do Esporte. “É inacreditável que uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada comecem a ser citados no exterior por crises que acontecem no Ministério do Esporte”, lamentou Magalhães. Daniel Bramatti, repórter de O Estado de S.Paulo, comentou que, há alguns anos, o PCdoB tem como estratégia ocupar o nicho esportivo do setor público brasileiro. “Sempre que eles fazem uma aliança, negociam a ocupação da pasta dos esportes. Isso virou quase que um feudo do partido. As denúncias que envolvem o ministro lançaram luz sobre essa situação e, apesar de a presidente Dilma ter dado respaldo a ele recentemente, eu diria que a situação dele ainda não está resolvida” avaliou.

Para Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S.Paulo, a presidente Dilma está “se livrando de um entulho”. “E ela tem que agradecer muito à imprensa porque todas essas histórias começaram e foram desenvolvidas pela apuração de bons jornalistas. E a imprensa fez o seu papel de moralização do país”, disse Cantanhêde. A colunista comentou que o primeiro movimento dos acusados de corrupção é jogar a culpa na imprensa. “Na verdade, a imprensa não cria [os fatos]. Todas essas coisas que saíram quanto ao Alfredo Nascimento lá nos Transportes, contra o Wagner Rossi lá na Agricultura, contra o Pedro Novaes lá no Turismo, tudo isso, e agora o Orlando Silva lá no Esporte, tudo isso tinha uma origem ou no Ministério Público ou na Polícia Federal, com exceção talvez do Palocci, que foi um grande momento do jornalismo brasileiro”.

Fraude disseminada

No debate ao vivo, Dines pediu para João Bosco Rabello comentar o pedido de investigação das denúncias contra o ministro no STF. Para Rabello, o caso não se esgota no depoimento do policial que tenta incriminar Orlando Silva. O assunto é mais grave porque envolve uma rede de ONGs montada pelo PCdoB cujo traço comum é a fraude. “Em fevereiro deste ano, O Estado de S.Paulo publicou uma série de dez reportagens sobre este problema do Segundo Tempo, mostrando estas fraudes, percorreu vários pontos do país e deu amplo espaço para o ministro Orlando Silva dar a sua versão dos fatos”, relembrou. Na avaliação do jornalista, o STF entende que os indícios pertencem a um contexto mais amplo do que as informações divulgadas por João Dias Ferreira.

Para Rabello, o ministro, que já vinha enfrentando dificuldades para cumprir a agenda em função da crise, está interditado. “Eu acho que a presidente Dilma já teria mudado o Ministério se não tivesse havido a pressão do PCdoB, a luta que o partido fez para se manter no cargo, inclusive com ameaças ao PT”, sublinhou. Rabello disse que a decisão do STF, ao colocar o ministro sob investigação, pode ajudar a presidente a afastá-lo do cargo porque retirou a autoridade de Orlando Silva na condução dos negócios do Ministério. “Daqui para frente será insustentável. Eu aguardo para os próximos dias uma decisão neste sentido. Eu não posso prever, mas o bom senso indica isso”, disse.

A revista Veja, na opinião de Eduardo Tironi, “riscou o fósforo” que desencadeou um incêndio. Depois da investigação de Veja, vieram à tona outras denúncias de aparelhamento. “Uma coisa é inegável: a maneira como o Ministério do Esporte vem se comportando, vem trabalhando, é de se investigar. É papel da imprensa olhar com muita atenção para ele”, disse o representante do Lance!Net. Tironi ressaltou que, apesar de o Lance! ter sido fundado centrado no que acontece dentro dos campos de futebol, quadras, piscinas e pistas, a realidade política se impõe.

Torcedor desatento

“O Lance! tem várias questões editoriais, de princípios, que ele defende. Então, o Lance! não pode ficar alheio a este assunto. O Lance! vem dedicando uma parte do seu noticiário para isso. Ainda representa menos de 5% do que é o nosso DNA, que é o esporte como evento, mas o espaço vem sendo maior”, contou o jornalista. Embora a maioria dos torcedores acredite que o que ocorre fora dos gramados não afeta o desempenho do time, “é sabido que esse negócio alguma hora vai chegar lá”. Aos poucos, a torcida brasileira vem se tornando mais consciente das implicações do processo político no esporte.

Dines perguntou a Mauro Cezar Pereira como é possível oferecer ao torcedor de futebol, muitas vezes limitado à leitura apenas dos cadernos de esportes, uma visão ampla da questão se o assunto está sendo tratado nas páginas de política. Pereira respondeu que o caminho mais acertado seria desfragmentar a cobertura. “Durante o período – longo até – que Orlando Silva está à frente do Ministério do Esporte, inúmeras foram as vezes em que parte da imprensa fechou os olhos diante de sua conduta”, relembrou. Na avaliação de Mauro Cezar Pereira, o ministro disse que não quer que se forme uma cortina de fumaça, mas em diversas ocasiões esta postura foi adotada para esconder a sua “pálida” posição diante de pedidos “absurdos” da Fifa.

Radicalmente contra a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, Pereira criticou duramente a postura passiva da imprensa em relação aos gastos com estes eventos. Um exemplo é o caso da construção de estádios de futebol em localidades onde não há público suficiente para justificar o seu uso depois dos dois eventos internacionais. Além disso, comparados ao gasto com a construção de estádios no exterior e até mesmo obras do mesmo porte no Brasil, os valores estariam muito acima da média.

“Para que vai servir um estádio para 45 mil pessoas em Cuiabá, que não tem time na Série A, na Série B, no Brasileiro, que mal tem para futebol profissional? Para que um estádio em Manaus, onde as pessoas nem torcem para os times locais, torcem para Vasco e Flamengo? Para que um estádio para 45 mil pessoas em Natal, onde um dos times, o ABC, tem o seu estádio e o outro, o América, não vai ter potencial para colocar 50 mil pessoas por jogo? São vários elefantes brancos. Há um outro em Recife que está sendo construído no meio do nada. É grave isso”, alertou o jornalista.

 

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O ministro da vez

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 616, exibido em 25/10/2011

Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.

Orlando Silva é o ministro da vez. Há 12 dias, desde que Veja começou a enquadrá-lo com pesadas denúncias, o resto da mídia aderiu de corpo e alma a este esporte radical e, como todos, extremamente perigoso.

Derrubar ministros exige competência: é preciso saber o que dizer, como dizer, a quem dar credibilidade. Quase tudo o que vem sendo publicado sobre as irregularidades já era conhecido há, pelo menos, três anos. O dado novo, dinamite pura, estava na informação de que o próprio ministro recebera vultuosa propina numa garagem.

Acontece que o denunciante e principal fonte das reportagens é réu, também é denunciado, cúmplice assumido de tudo o que agora está ajudando a desmascarar. Por arrependimento ou manha, por revanche ou de olho nas vantagens que vai auferir com a delação, o ex-policial brasiliense João Dias Ferreira é suspeito. Está prometendo provas desde que o caso começou e as provas ainda não apareceram.

Se a mídia pretende ajudar a faxina iniciada pela presidente Dilma Rousseff, é preciso que os seus procedimentos sejam inquestionáveis, sobretudo no tocante ao contraditório, ao acusado deve ser oferecido o direito de defender-se junto com a acusação. A primeira matéria de Veja só foi remetida ao ministro quando a edição da revista já estava praticamente fechada.

O exercício do jornalismo está garantido pela Constituição – mesmo que alguns magistrados não o reconheçam – mas, se o quarto poder pretende obter a sanção da sociedade, é preciso que aprenda a resistir às tentações do vale-tudo. Derrubar ministros não é um fim em si mesmo. É apenas o primeiro passo para criar na sociedade um ambiente de seriedade e responsabilidade.