Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

De Dalton Trevisan à banda polaca

Livros tidos como de referência e manuais de literatura, desatualizados em mais de setenta anos, pois quase todos pararam no Romance de 30, explicam muito pouco de livros e escritores representativos das letras nacionais.

Nesta falha geológica estão nomes como Alfredo Bosi, com História Concisa da Literatura Brasileira, e Antonio Candido, com Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. As duas ficam parecendo obras que estudaram a pré-história de nossas letras. Especialmente a deste último que, ao deixar os séculos XVI e XVII de fora, simplesmente ignorou nada menos do que o Barroco.

Mas há boas alternativas, entre as quais História da Literatura Brasileira, de Luciana Stegagno Picchio, das mais completas a abordar o fenômeno literário brasileiro; a História da Literatura Brasileira: seus fundamentos econômicos, de Nélson Werneck Sodré; os livros de Flávio Loureiro Chaves, Massaud Moisés e Domício Proença Filho, todas exemplares no que propõem e nos períodos que cobrem.

Já imaginaram uma história da literatura brasileira sem o Padre Vieira? Pois ela existe, é de autoria de um de nossos mais turiferados críticos e ainda tem o subtítulo de ‘momentos decisivos’. Como se o Barroco não tivesse sido um ‘momento decisivo’, não apenas em nossas letras, mas na cultura brasileira! Não se quer dizer que referidas obras não sejam consistentes no que abordam, mas seus cortes são injustificáveis, seja qual o método escolhido.

Este pano de fundo explica o ar de surpresa que mais uma vez se manifestou semana passada, quando Dalton Trevisan, um dos maiores contistas vivos, não apenas do Brasil, mas do mundo, foi agraciado no Prêmio Portugal Telecom deste ano outra vez – ele já tinha arrebatado o troféu numa edição anterior deste prestigioso galardão, que honra as literaturas de língua portuguesa.

O Paraná não lembrou apenas agora que detém o passe de um craque da seleção brasileira de nossas letras. Pois, além de Trevisan, nas últimas décadas se fez presente com nomes como os poetas Paulo Leminski, Helena Kolody e Alice Ruiz; narradores como Domingos Pellegrini, Manoel Carlos Karam, Noel Nascimento e Wilson Bueno, sem contar  o grande historiador da inteligência brasileira e crítico literário Wilson Martins, sempre atualizado com a literatura brasileira, semana após semana, há várias décadas, tendo pontificado nos grandes jornais, depois de décadas de docência na Universidade de Nova York.

Coleção de causos

E, por coincidência, na mesma semana em que tão pouco os leitores encontraram sobre a reiterada presença do Paraná no Prêmio Portugal Telecom, o jornalista e cartunista Dante Mendonça lançava A Banda Polaca (Novo Século, 148 páginas, R$ 33).

Ilustrado por Márcia Széliga, o livro é uma primorosa coletânea de causos marcados com um tipo de humor quase privativo deste imigrante europeu do Brasil meridional. O sociólogo Octávio Ianni resumiu em triste síntese a vida sofrida que os polacos levaram por muito tempo, quase escravizados por imigrantes já estabelecidos, como os alemães e os italianos. A frase cunhada por Ianni é de uma clarividência rara na sociologia tropical: ‘o polaco é o negro do Paraná’.

Também o cineasta Sylvio Back dedicou ao tema um belo documentário: Vida e Sangue de Polaco.

O livro levanta, entre tantas questões, uma pequenina e muito curiosa. Por que dizemos ‘polonês’ e não ‘polaco’? Eis algumas pistas simples de duas línguas neolatinas, como o português: em espanhol é ‘polaco’, em italiano é ‘polacco’.

‘Polaco’ chegou antes à língua portuguesa. O primeiro registro escrito é de 1562.  ‘Polonês’ chegou quase um século depois, em 1656. Provavelmente foi a carga pejorativa sobre ‘polaco’, especialmente sobre ‘polaca’, que fez com que o português trocasse ‘polaco’ por ‘polonês’.

Com efeito, ‘polaca’ não denominou com preconceito étnico evidente apenas as prostitutas de várias nacionalidades, mas também a Constituição do Brasil promulgada no dia 10 de novembro de 1937.

Como se vê, são detalhes que revelam, por vias sutis e transversas, que há mistérios medonhos em tantas ocultações, sejam de vivos, sejam de cadáveres de autores de quem crítica e historiografia literária exigiram como condição sine qua non para os reconhecerem nada menos do que o atestado de óbito!

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Jornalista