Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

“Fico apontando defeito em tudo. Nasci assim”

Angeli pode estar em (eterna) crise, mas seus admiradores, não. O cartunista é o homenageado da mostra “Ocupação Angeli”, a partir desta sexta-feira (16/03) no Itaú Cultural, em São Paulo. Idealizada como uma versão estilizada de seu estúdio, a mostra exibirá cerca de 800 obras do criador de personagens como Bob Cuspe e Rê Bordosa. Em paralelo à “Ocupação”, o espaço também promove, de 29/3 a 1/4, uma exposição de audiovisual com produções na área em quadrinhos e animação, boa parte delas tendo os trabalhos de Angeli como tema. Aos 56 anos, o cartunista não baixou a guarda. Leia, a seguir, trechos da entrevista que ele concedeu ao Valor:

Hoje, existe um farto material audiovisual em torno de sua obra – na mostra do programa “Ocupação” são cerca de 13 filmes, entre curta-metragens, documentários e animações. Para um sujeito recluso como você, chega a ser surpreendente esse grau de exposição, não?

Angeli– É, eu não gosto da minha imagem em vídeo. Sempre evitei dar entrevista. Sou meio esquecido, esqueço do que estou falando no meio das gravações. E, por causa da idade, minha memória anda mais falha ainda. Mas uma hora eu tinha que começar a falar, não? As pessoas me pedem e eu não podia ficar negando a vida inteira. Mas continuo “me estranhando” em vídeo. Sou virginiano e, apesar de não me ligar em astrologia, sei que os virginianos são chatos, meticulosos. Quando vejo os meus quadrinhos em animações, em curtas, em filmes, sempre acho que faltou alguma coisa. Fico apontando defeito em tudo. É da minha personalidade ficar me esfaqueando o tempo todo. Nasci assim e pelo jeito não vou mudar.

“Sempre soube que ia dar um pé na bunda nos meus personagens”

A diretora Beth Formaggini, autora do curta-metragem Angeli 24 Horas, que faz parte da mostra no Itaú Cultural, disse que durante as filmagens você criou um personagem para si mesmo, que se confundia com seu personagem autobiográfico dos quadrinhos, o Angeli em Crise…

Angeli– É claro que quando criei o Angeli em Crise tinha muito de mim ali. Mas no quadrinho coloco uma lupa de aumento. É preciso ter um exagero, principalmente nos defeitos, para não ficar sem graça. Mas quando estou dando entrevista, não tem essa de personagem. Sou eu mesmo e, por ser eu mesmo, tem muito do Angeli em Crise.

Na animação Dossiê Rê Bordosa(2008), o diretor, César Cabral, investiga os bastidores do assassinato de um dos seus principais personagens, que você resolveu matar em 1987. Os órfãos da Rê Bordosa ainda pedem para você ressuscitar a personagem?

Angeli– Eles pararam um pouco de me encher. Teve uma época que eu andava na rua e neguinho colocava a cabeça para fora do ônibus para reclamar: “Você matou a Rê Bordosa!!!” No começo, eu achava engraçado. Depois fiquei preocupado: será que os meus personagens vivos não estão agradando, a ponto dos meus leitores pedirem a volta dos mortos? Agora essa história toda não me angustia mais. Cheguei num ponto da minha carreira em que não me importo mais em perder público. Minha preocupação é fazer um trabalho coeso, com uma ética gráfica, uma ética política. Nunca tive vontade de fazer como o [Charles] Shulz, que desenhou o Charlie Brown durante 50 anos. Sempre soube que uma hora ou outra eu ia dar um pé na bunda nos meus personagens.

“Dilma não está tão imponente como o Lula”

O [cartunista] Laerte disse que pretende lançar, em parceria com você, uma revista de quadrinhos no moldes da lendária Chiclete com Banana. O projeto vai sair do papel?

Angeli– É, o Laerte armou essa armadilha. Depois que a Chiclete acabou, não tive a menor vontade de fazer uma nova revista. Meu negócio era intensificar meu trabalho como chargista. Queria, na época, fazer um novo tipo de charge e acho que consegui – o que me deixou muito feliz. E aí veio o Laerte com essa história de revista. Quando ele falou aquilo [no programa Roda Viva, da TV Cultura], fiquei de cabelo em pé. Passou tanto tempo, a gente mudou tanto da Chiclete pra cá – o Laerte mais ainda (risos). Mas a nossa parceria funciona tão bem, a gente se gosta tanto, que se ele quiser fazer uma revista, eu faço. E está andando. Não quero fazer algo morno. Será uma revista para cumprir o papel que a Chiclete com Banana cumpriu nos anos 80.

Você é um cartunista que está muito mais para a escola do Antônio Nássara [1910-1996], ou seja, não é um caricaturista no sentido clássico. Sempre teve dificuldades em fazer caricatura. Para chegar mais próximo ao rosto do personagem, você tem um método peculiar: imagina primeiro um animal, para depois começar a pensar no personagem. Em que animais você pensou quando desenhou, por exemplo, o Fernando Henrique Cardoso e o Lula?

Angeli– O Lula não tem pescoço, né? É mais fácil de desenhar. Uma bola em cima e outra embaixo. Pronto, a base do corpo está feita. O Lula tem uma coisa meio bronca, algo que se aproxima de uma anta – se bem que eu soube que a anta, ao contrário do que as pessoas pensam, é um bicho muito inteligente. Já o Fernando Henrique se parece com um sapo. Dá uma olhada: é muito parecido. Agora a Dilma é bem mais difícil. Raramente acerto.

Em qual bicho você pensa quando desenha a Dilma?

Angeli– Ah, um roedor. Aqueles dentinhos dela. Um esquilo, uma ratazana.

Esquilo ou ratazana?

Angeli– Esquilo, vai. Por enquanto. Ela não está tão imponente como o Lula.

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Ocupação Angeli – Itaú Cultural (av. Paulista, 149, SP, tel. 11-2168-1777); de sexta (16/3) a 29/4; terça a sexta, 9h às 20h; sábado, domingo e feriado: 11h às 20h; entrada franca)

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