Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Um gênero jornalístico-literário

Não é fácil conceituar livro-reportagem. Primeiro porque as publicações referentes ao tema são recentes e um tanto quanto escassas. Segundo porque demanda um olhar aguçado sobre diferentes aspectos do jornalismo convencional. Trata-se de um produto não periódico oriundo da reportagem que, segundo Edivaldo Pereira Lima (2004), conserva a fórmula de lead seguindo a máxima da pirâmide invertida em que o autor da matéria parte do ponto mais importante da notícia – o fato – para elementos periféricos, como o motivo dele. Um padrão implantado no Brasil, em 1951, pelo Diário Carioca.

Neste tipo de mídia, o factual perde a prioridade em favor da exploração do fato por diversos prismas, recheando o material com dados, números, informações, detalhes e, ao longo do discurso, elenca causas, efeitos e incrementos, abrangendo reflexos e resultados. A linguagem jornalística é parâmetro para a elaboração de material nesse segmento, embora muitas vezes esta tome contornos de literatura, visto que se trata de livro. Assim, combina “cultura erudita, cultura popular e cultura de massa, linguagem coloquial e linguagem formal” (PEREIRA LIMA, 1998, p.30).

Este é um gênero que, no Brasil, ganhou expressão no contexto da ditadura militar entre as décadas de 60 e 80, quando os profissionais da imprensa, para burlar a censura, lançavam mão de argumentos embebidos na linguagem literária para transmitir a informação “Se nos jornais e meios de comunicação de massa a informação era controlada, cabia à literatura exercer uma função para-jornalística”, é o que aponta o livro Pena de Aluguel: Escritores Jornalistas no Brasil 1904 – 2004, produzido pela escritora Cristiane Costa (2005, p. 154).

“Irreverente e rompedor de fórmulas”

O escritor tem a chance de ser narrador e personagem da história relatada, visto que o mito da isenção e imparcialidade é dispensável para o material. Para materializar esse trecho tomo como exemplo o livro Rota 66 – a história da polícia que mata, de autoria do jornalista Caco Barcellos. Nele fica evidenciado o interesse particular do autor pelo assunto abordado que compõe parte do seu repertório.

O livro-reportagem passou e exercer função de inovar o exercício jornalístico por aventurar-se a congregar conceitos e métodos originários de disciplinas como a literatura e a história. Observando a necessidade de ampliar as reflexões sobre a notícia, os jornalistas enxergaram no livro uma ferramenta adequada para o exercício informacional exigido pelos projetos especiais que não poderiam ser contemplados nas mídias convencionais em virtude da sua abrangência.

Alceu Amoroso Lima chama o jornalismo de “literatura em prosa de apreciação de acontecimentos” (1969, p. 27). Já Edivaldo Pereira Lima complementa o pensamento do Alceu explicando que “num primeiro momento, o jornalismo bebe na fonte da literatura. Num segundo, é esta que descobre o jornalismo” (PEREIRA LIMA, 1995, p.138). Afirmar que o livro-reportagem é um produto mestiço não seria nenhum absurdo, pois a presença da hibridez jornalístico-literária em suas narrações torna-o um gênero “irreverente e rompedor de fórmulas”, conforme classifica Edivaldo Pereira Lima (1998, p. 8). Isso permite um envolvimento maior do apreciador com a publicação.

Casamento possível

O livro-reportagem, desse modo, é o estilo por excelência do jornalismo literário, que polemiza o noticioso (personagens, temas, fatos) através de manejo variável de literariedade e operações jornalísticas normativas e arbitrárias, como caracteriza o artigo “Livro-reportagem: um gênero de polêmica”, elaborado pelo Grupo de Pesquisa e Estudos Culturais Comparados em Jornalismo Literário da Universidade Federal de Roraima no Amapá (ALMEIDA, 2011).

Um artigo de Barbosa e Rodrigues (2010) toma como exemplo as crônicas que, apesar de suas marcas literárias, são veiculadas em jornais. Assim mesmo é o livro-reportagem que apresenta uma produção jornalística mesclada com a literária.

Com o livro, o jornalismo perde a característica da superficialidade e ganha em permanência, uma vez que o livro-reportagem pode ser apreciado a qualquer época. Grandes reportagens são publicadas também sob essa plataforma. O livro-reportagem evidencia um casamento possível entre jornalismo e literatura.

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[Soraia Vasques é jornalista e produtora cultural]