Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bienal do Livro compete com internet e festas como Flip

Qual é o diferencial da Bienal do Livro hoje? Ao longo dos dez anos de existência da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, o surgimento de outros eventos similares pelo país pôs essa questão em evidência para algumas editoras. Como ponto de encontro com o autor e plataforma de lançamentos, as bienais perderam parte de seu charme e impacto para as festas literárias, realizadas em cidades idílicas bem distantes do caos das metrópoles, como Paraty, Olinda (Fliporto) e Ouro Preto (Fórum das Letras). Como feira, o evento viu crescer a competição desvantajosa com a comodidade e a economia próprias do comércio eletrônico.

Com esses argumentos, algumas editoras optaram por não participar da 22ª edição da Bienal do Livro de São Paulo, que começa hoje (9/8) e vai até o dia 19. É preciso destacar que a bienal apresenta um aumento de 16% no número de selos editoriais, que pulou de 950 para 1.100. As empresas que permanecem frisam a importância do evento. Mas as críticas podem ser um sinal de alerta. “A bienal não evoluiu”, afirma Raul Wassermann, que entre 1999 e 2003 foi presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), entidade que organiza a bienal paulista. Ele chegou a reservar um estande de 60 m2 para sua editora, a Summus, mas acabou cancelando a presença.

Para a editora, que é focada em obras de não ficção, a bienal era uma oportunidade de mostrar produtos que não chegavam às livrarias, diz o editor. Mas a internet supriu essa necessidade. “A bienal virou um saldão, o que é ótimo para o consumidor. Mas isso pode ser compensado por meio de pequenas feiras, do e-commerce etc. O investimento hoje não compensa.”

“Poucos se dispõem a participar”

Depois de ter participado de cinco edições com estande próprio, a Cosac Naify é outra ausência de peso neste ano. De acordo com Bernardo Ajzenberg, diretor-executivo da casa, a editora avaliou que a Bienal não é mais o canal adequado “para o contato e a ampliação de seu público”. Ajzenberg ressalta que, num país como o Brasil, com um grande déficit educacional e uma rede de livrarias pequena, o evento ainda cumpre, em tese, a função de aproximar o livro das chamadas “grandes massas”. “Mas para que isso funcione efetivamente, os ingressos teriam de ser mais baratos e a organização deveria viabilizar uma participação mais equilibrada, democrática e menos custosa para as editoras”, diz. A melhor opção, para Ajzenberg, seria a proliferação de feiras mais setorizadas, tanto temática quanto geograficamente, para que a população tenha um contato menos superficial com o mundo do livro.

Sempre presente na edição carioca da bienal, Marcus Gasparian, da Paz e Terra, não participa regularmente do evento em São Paulo. Também ausente nesta edição, ele considera a bienal um espaço importante para a mobilização da mídia e do público. Mas pondera: “Acho que as editoras que trazem convidados, promovem debates e outras ações poderiam ter um tratamento diferente daquelas que não o fazem, que estão lá apenas para vender assinatura de revista.” Nos anos 1990, a Paz e Terra promoveu encenação gratuita de uma peça de Bertolt Brecht (cujas obras ela publica) e até um show com Gilberto Gil para o lançamento de um livro do antropólogo Antonio Risério. “Mas o modelo atual é caro e inibe as editoras com ideias.”

Karine Pansa, atual presidente da CBL, aponta alguns números e ações que indicam a busca por aperfeiçoamento. O investimento passou de R$ 1,5 milhão, em 2010, para R$ 2 milhões, e o número de horas da programação cultural foi de 1.100 para 1.250. Além disso, houve melhoria do acesso, com ligações a duas estações de metrô (Barra Funda e Tietê) e oferta de 50 linhas de ônibus (eram 20, em 2010). “Nunca ninguém colocou para a CBL a questão de valores diferenciados para quem realiza ações. De todo jeito, é preciso estabelecer os parâmetros do que é uma boa programação cultural antes de dar descontos. Ao fim de cada edição, fazemos um balanço e instituímos uma comissão para discussões, mas poucos se dispõem a participar”, diz. Segundo ela, a Bienal tem um perfil mais popular que as festas literárias e, por isso, um papel mais forte na formação de leitores.

“Programa da família”

Para Pascoal Soto, diretor-geral do grupo Leya no Brasil, a bienal ainda é o evento literário mais importante do país – “ao contrário do que se pensa da Flip, que é mais voltada para um público sofisticado e com poder aquisitivo mais alto”. “A Bienal é mais popular e, de uns tempos para cá, as editoras têm deixado para publicar títulos com mais apelo popular durante o evento.” Esta é a terceira vez que a editora participa da Bienal, com um estande de 150 m2, ante 50 m2 da primeira vez. “Mesmo que no fim das contas o dinheiro movimentado não reverta tanto em venda direta, a bienal é importante para reunir o editor, o distribuidor, o livreiro… Toda a classe do mercado”, diz.

Vice-presidente do Grupo Record, Sônia Jardim afirma que, se a bienal for avaliada como espaço de venda, a conta não fecha. “Mas isso depende do grau de participação. Para a editora que encara a bienal como vitrine, com efeito a longo prazo, é difícil recuperar o investimento em dez dias”, observa. “Mas nossa visão é a de que a bienal é muito mais do que um espaço de vendas. É uma ação de marketing institucional. E nós temos a responsabilidade de expor a obra de nossos autores.”

Ela também vê uma diferença entre a exposição que os livros têm na Bienal e as oportunidades representadas pela internet e pelas festas literárias. “Segundo a Fipe [Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas], são mais de 20 mil lançamentos por ano no Brasil. Por mais antenado que alguém seja, é impossível estar por dentro de tudo”, comenta. “Nas festas literárias, por não haver exposição dos livros, não há chance de garimpo do desconhecido. Além disso, as festas são para um público mais iniciado. A bienal é um programa da família.”

22ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo

Pavilhão de Exposições do Anhembi, av. Olavo Fontoura, 1.209; de 9 a 19/8, das 10h às 22h. Ingressos: R$ 12. Entrada gratuita para professores, profissionais da cadeia produtiva do livro, bibliotecários, estudantes inscritos pelo sistema de visitação escolar, maiores de 60 anos e crianças com até 12 anos.

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[Eduardo Simões, para o Valor Econômico]