Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Eles também querem ser lidos

Livros, livros e mais livros. O mercado editorial brasileiro passa por bons momentos e aproveita a maré para lançar anualmente centenas de novos títulos destinados aos mais variados públicos. Na lista figuram romances, graphic novels, entrevistas, biografias e outros gêneros literários. Os bons ventos são impulsionados por dois fatores principais: o aumento do poder aquisitivo e a valorização da leitura.

Uma pesquisa divulgada em 2008 pelo Instituto Pró-Livro, intitulada Retratos da leitura no Brasil [disponível aqui, página 112], constatou que pessoas com idade acima de cinco anos leem anualmente 4,7 livros, incluindo os didáticos indicados pela escola. Esse número, no entanto, representa um avanço significativo em relação à pesquisa anterior, realizada em 2001 pelo mesmo instituto, no qual a média era de 1,8 livros lidos anualmente.

Mas, se comparado a outros países, o índice brasileiro deixa a desejar. A média americana, por exemplo, é de 11 livros lidos por ano, enquanto os franceses ficam na casa dos sete [disponível aqui]. Mesmo com esse quadro, o mercado editorial brasileiro continua aumentando o número de publicações. Só no ano passado, foram atribuídos pela Agência Brasileira do ISBN 65.111 (International Standard Book Number – ISBN), sistema internacional que identifica numericamente cada livro segundo o título, autor, país e editora, e que também pode ser usado para catalogar software [os dados são da Fundação Biblioteca Nacional, disponíveis aqui].

“Um pouquinho de espaço para quem está começando”

Diante deste contexto, um grupo de novos autores brasileiros busca alguém que os acolha. A referência aos novos, nesse caso, não está ligada ao fator idade, mas àqueles que estão publicando seus primeiros trabalhos e integrando o rol de escritores. No entanto, depois de, quem sabe, levar seus escritos a diversas editoras até que uma os aceite, o medo do “anonimato” pode continuar, caso seu trabalho não ser torne conhecido pelo público.

Na visão da jornalista Luciana Villas-Boas, diretora editorial do Grupo Record, apesar do crescimento das publicações não há valorização da literatura brasileira. E isso se deve à falta de visibilidade dos autores por parte da mídia, principalmente aqueles que estão iniciando sua carreira. Luciana acredita que os veículos de comunicação nacionais que de alguma forma trabalham com literatura não estejam preparados para receber, analisar e encomendar comentários sobre os originais a resenhistas qualificados. “Em grande parte da imprensa faltam os recursos e o tempo para que isso seja feito. Outro aspecto a questão é a formação do jornalista, que entre os mais jovens tende a ser precária”, justifica.

Ela ainda identifica que quando se trata de um livro estrangeiro, que já recebeu um aval da imprensa internacional, fica mais fácil analisá-lo, já que os veículos de comunicação sabem o que fez ou o que faz sucesso.

Mas quando se trata de obras nacionais, não há referência, a não ser o da editora. “Às vezes isso não basta para o jornalista acreditar que aquele trabalho merece algum espaço”, analisa. “Sempre há uma divulgação mais intensa daqueles mais conhecidos, quando são grandes autores. Por exemplo, Leite Derramado, do Chico Buarque. Não só no caderno literário, mas no caderno B do Jornal do Brasil, de O Globo, foram [publicadas] matérias imensas. Eu acho que deveria ter um pouquinho de espaço para quem está começando”, constata o escritor Francisco Azevedo, autor de Arroz de Palma, lançado em 2008 pela Record.

Rascunhotrabalha apenas com literatura

Seu romance, que narra a história de uma família portuguesa que imigrou para o Brasil, não ganhou ampla divulgação na imprensa, mas se fortaleceu com a promoção pelo boca-a-boca. Ao contrário do que poderia acontecer, Francisco não ficou chateado com a situação. Ele registrou no livro que a humanidade se divide em dois grupos de pessoas: os que reclamam e os que agradecem. E lembra que sempre haverá motivos para agradecer. “Eu agradeço àquela parte da imprensa que, mesmo sendo pouca, me ajudou a divulgar”, lembra. E que parte foi essa? “A entrevista do Sem Censura com a Leda Nagle, três ou quatro críticas que saíram nos jornais, que foram todas muito boas, duas ou três entrevistas que eu dei para Rádio MEC e Rádio Cultura de SP.”

Por mais que a mídia não fale de todos, ela tem lá seus motivos para isso. O jornalista Carlos André Moreira, crítico literário do jornal Zero Hora,explica que o veículo para o qual trabalha, por exemplo, não possui um espaço fixo para novos autores, mas que sempre está de olho nos gaúchos que estão começando. “Alguma coisa no jornal sempre sai, justamente porque o Zero Hora tem uma posição de valorização do trabalho e do que se faz em termos locais”, garante.

Mas o diário, diz ele, não fica restrito apenas aos escritores do Rio Grande do Sul. Ali também são publicadas resenhas e análises de autores de outras localidades. O que acontece, identifica Moreira, é que a imprensa em geral enfrenta uma dificuldade em relação a este tema. Mensalmente, o jornalista recebe cerca de 100 novos títulos de várias editoras e não há tempo suficiente para ler e falar de todo esse material. Mesmo com a ajuda de colaboradores e acadêmicos que tratam de temas específicos, falta um elemento chave: espaço. “É uma realidade que os jornais de modo geral têm diminuído um pouco seu espaço de texto em benefício de uma edição um pouco mais arejada, com um pouco mais de imagens, com projeto gráfico diferenciado”, constata. Além desse fator, o Segundo Caderno, espaço do ZH reservado aos temas culturais, não fala apenas dos livros e precisa dividir suas páginas com outros assuntos. Como alternativa à imprensa tradicional, Moreira cita o Rascunho, um jornal mensal que trabalha apenas com literatura e está aberto para debater diversos assuntos.

E se ganhar um prêmio?

Diante da discussão, a escritora Cláudia Lage, autora de Mundos de Eufrásia (Record), um romance que descreve o relacionamento de Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco, personagem da história do Brasil, e que mescla realidade e ficção, considera que uma divulgação ideal por parte da imprensa não é só aquela que noticia ou resenha uma obra, mas a que acompanha a repercussão que esta causa. Ela sugere que uma ação simples seria o interesse por autores que ultrapassaram a segunda edição de seus livros, já que a lista dos mais vendidos publicados em jornais e revistas brasileiros é geralmente ocupada pela literatura estrangeira. “Se um livro nacional alcança mais de seis, oito mil leitores, isso é, a meu ver, uma ótima notícia para todos nós”, acredita.

Mas, antes da avaliação, como selecionar a obra? Que parâmetros são usados para escolher que livro será analisado? Moreira diz que, no caso do Zero Hora, isso fica a critério do resenhista. Porém, os livros que ganham muitos comentários na imprensa forçam o jornal a falar sobre eles também, só que não da mesma forma. “Isso não significa que a gente vai falar com reverência ou na mesma linha que todo mundo está falando”, esclarece. “Se o livro for bom, provavelmente ele vai ganhar uma resenha positiva. Se não for tão bom, vai ganhar uma resenha menos positiva.”

E se o novo autor ganhar um prêmio? Isso atrai a atenção da imprensa? O jornalista não acha que os holofotes sejam um fator determinante para isso. Às vezes, uma resenha sai porque o autor é consagrado, como argumentou Azevedo, ou porque é alguém cujo trabalho o jornal já acompanha e conhece, mas no caso de quem está iniciando, ressalta Moreira, o prêmio é uma forma de notar alguém que passou despercebido. Quanto a este tópico, tanto Francisco Azevedo quanto Cláudia Lage foram finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria Autor Estreante – ele, em 2009, e ela, em 2010. No entanto, de modo geral, o trabalho de ambos não ganhou ampla visibilidade.

Respaldo acadêmico

Luciana acha que para que o novo autor seja visto, não bastam apenas as premiações no currículo. Além dos prêmios, este também precisa do apoio da academia. “Quem não consegue a benção da crítica universitária fica sem defensores e divulgadores”, sublinha. “Duvido que Cidade de Deus tivesse alcançado reconhecimento se não tivesse conquistado o respaldo do Roberto Schwarz, que fez uma campanha pelo livro.” Na visão dela, a crítica universitária valoriza mais as obras que apresentam experimentos radicais na forma literária. O jornalista, por sua vez, dá a resenha, mas não abre muito espaço porque o público em geral não gosta desse experimentalismo justamente porque esse tipo de obra não atrai o leitor.

Para o professor Alcir Pécora, que leciona Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem na Universidade de Campinas (Unicamp), o respaldo da academia, de certa forma, possui um peso em relação à avaliação de uma determinada obra. Mas ele acredita que isso não seja determinante nem na aceitação do público, nem nas pautas dos jornais e no mercado cultural.

Pécora não se arrisca a falar pela crítica acadêmica em geral, mas compartilha que não existe unanimidade na universidade sobre o tratamento crítico das obras, seja de autores novos ou consagrados. “Eu, pessoalmente, vejo os novos da mesma maneira que vejo qualquer autor, com atenção ao objeto construído, seu decoro próprio, e o esforço de levantamento de hipóteses sobre o seu lugar no campo da cultura”, posiciona-se. Portanto, para ele os novos autores não são “café com leite”. A abertura para a análise das obras desses escritores por parte da universidade, explica o professor, está cada vez maior. Mas isso, aponta, nem sempre é positivo. A justificativa é que a academia precisa ser capaz de falar de obras que, fora dela, quase ninguém fala, algo que fuja do mercantilismo.

Conteúdos extras e canais de interação

Azevedo, que antes de publicar seu primeiro romance escreveu peças teatrais e roteirizou um longa, crê que a crítica é importante para qualquer trabalho, seja na literatura, na música, no cinema ou nas artes plásticas. Pécora avalia que a produção contemporânea levanta questões válidas que devem ser consideradas com o mesmo rigor com que se estudam os autores canônicos. “Pessoalmente, tenho me preocupado bastante em repensar o sentido da literatura contemporânea em face da herança cultural, num esforço de conectar as duas pontas do campo de cultura”, compartilha.

Mas para não depender unicamente da imprensa para que os livros se tornem conhecidos, Cláudia Lage lembra que existem outras formas de divulgar esses trabalhos. Eventos literários, palestras e debates são estratégias que devem ser adicionadas à agenda do autor. No entanto, o que tem contribuído significativamente com sua carreira é o uso da internet, que tem se revelado um espaço livre e democrático para isso.

Tanto escritores quanto editoras têm feito campanhas e páginas especiais específicas para seus livros. A página do jornalista Laurentino Gomes, por exemplo, autor do best-seller 1808 [o livro narra a fuga da família real portuguesa para o Brasil quando esta foi perseguida por Napoleão Bonaparte e apresenta os primeiros anos do Brasil Império; site disponível aqui], ganhou a temática do livro e apresenta uma série de conteúdos extras, além de canais de interação.

Os que reclamam e os que agradecem

Cláudia considera o boca-a-boca via internet uma forma importante de divulgação, além do ambiente proporcionar uma forma de interação entre autor e leitor. “Todos os dias recebo uma mensagem via e-mail, sites de relacionamento ou no meu blog falando sobre o livro. Na maioria das vezes são pessoas que não conheço, de todos os lugares do Brasil, que a literatura e a internet nos uniu”, entusiasma-se.

Apesar de tudo, Cláudia acredita que a internet compensa, mas não substitui o alcance da imprensa. O ideal, diz ela, é que todo escritor conte com as duas possibilidades de divulgação. Além do boca a boca, Azevedo também está vislumbrado com a internet. Ele comparou a venda de seu livro com a de outros escritores renomados que também venceram o Prêmio São Paulo de Literatura, como Moacyr Scliar e Milton Hatoum, e constatou que os números são semelhantes. “Isso, sem divulgação nenhuma”, reforça.

Depois do lançamento, Azevedo começou a vasculhar a internet e encontrou blogs falando de seu livro, recomendando aos seus seguidores e fazendo comentários sobre a obra. Mesmo não possuindo um blog ou uma conta no Twitter, essas ferramentas tornaram-se seus aliados. “Eu vejo várias frases maravilhosas [no Twitter] de pessoas que eu nem sei quem são. Uma dizia assim: `O Arroz de Palma, um livro de trezentas e tantas páginas que a gente lê em duas sentadas merece ser divulgado.´ Ótimo”, descreve.

Moreira vê a divulgação pela internet como algo já consolidado, apesar de as editoras terem demorado a enxergar essa possibilidade. O blog, especificamente, analisa o jornalista, é uma maneira para que os autores se tornem conhecidos não como autores, mas como pessoas.

E, reforçando a teoria de Azevedo, sempre haverá os que reclamam e os que agradecem. “Eu fico grato a essa tecnologia que tem me ajudado”, conclui o autor.

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[Jefferson Paradello é jornalista, Curitiba, PR]