Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Esses jornalistas que tanto nos ensinaram

Como é que você vai deixar de comprar uma antologia de O Pasquim que traz na capa a bula dos medicamentos para o tédio, para a tristeza desses dias, para os rebaixamentos da mídia, que já não produz leitores há décadas e aos poucos vai perdendo aqueles que conquistou?

Quem lê jornal, hoje? Os jovens, não! Ou, ao menos, poucos deles se dão ao trabalho de ler jornais e revistas que não sejam especializados. Eles estão se refugiando em nichos da internet. Navegam, passeiam, estacionam em algum porto e dali seguem por mares nunca dantes navegados por seus pais.

Quando abrem jornais, vão às páginas de esporte, de música, de cinema, às folhas ilustradas, a qualquer coisa que se assemelhe a um oásis nos imensos desertos que tratam do Lula, dos ministros do Lula, do Renan aliado de Lula, dos temas e problemas que deveriam espelhar a organização da sociedade e a direção para onde caminha a humanidade, estes, sim, assuntos que interessariam a todos. Mas, não! A imprensa parece obcecada com os políticos, na mesma medida em que os castos e os tarados sexuais só pensam em sexo, os primeiros para evitá-lo, os segundos para nele se esbaldarem.

‘Bermuda debaixo do terno’

Este volume II da antologia de O Pasquim abrange os anos de 1972 e 1973. Foi organizada por Sérgio Augusto e por Jaguar. Eram verdadeiros professores, esses jornalistas que tanto nos ensinaram, por ínvios caminhos, naqueles anos. Não tinham títulos, não eram mestres nem doutores em coisa nenhuma, mas cada um tinha muito o que nos ensinar.

O corpo docente de O Pasquim tinha Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Paulo Francis, Jaguar, Sérgio Augusto, Luiz Edgar de Andrade, Newton Carlos etc. De vez em quando, vinham textos de Fernando Sabino, Dalton Trevisan, Rubem Braga.

Estão todos neste segundo volume. Na primeira orelha, Ancelmo Góis, citando Jaguar, resume a linguagem de O Pasquim: ‘Ele tirou o paletó e a gravata do jornalismo brasileiro.’ Décadas depois, O Estado de S. Paulo proclamou que tinha bermuda debaixo do terno…

Ter o que dizer

Na segunda orelha, algumas frases célebres que, em síntese, dizem ao que viera o semanário: ‘A união faz a farsa’; ‘É relinchando que a gente se entende’; ‘Ou vai ou racha. Nós achamos que racha’; ‘O importante não é vencer. É sair vivo’.

Na página 222 da antologia, eis uma questão de História: antes de perguntar o nome de Incitatus, cavalo de Calígula e primeiro senador biônico, aparece entre parênteses: ‘Depois disso, cavalo ser senador passou a ser rotina, mas ofensa não vale’).

Na página 31, carta de Adélia Prado: ‘Os Lírios de Há muito Tempo: Uma noite, tomávamos café, antigamente./ À porta da cozinha, branquejavam os lírios./ Nós tomávamos café. Etc, etc, etc.’ E a resposta – de Ivan Lessa, claro: ‘Quem branqueja à porta da cozinha é Omo Total, princesinha. Depois, lírio não rima com café. Tente chá. Gemada. Um troço assim. Cuidado com essa história de poesia. Às vezes, ela morde.’

Na página 309, uma inusitada proposta de Sérgio Cabral, pai do atual governador do Rio: ‘Começo a reexaminar a minha candidatura ao governo da cidade. Minha primeira medida, caso me candidate e seja eleito: isenção de impostos por toda vida para quem comprar um edifício, derrubá-lo e construir em seu lugar uma casa.’

Lê-se por gosto, mas, no mínimo, a antologia é bibliografia indispensável em qualquer curso superior, especialmente de jornalismo, para mostrar como quem sabe escrever pode testemunhar o seu tempo, ainda quando não é este o seu projeto.

Escrever não é muito mais do que isso: ter o que dizer e saber como fazê-lo.

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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor da Universidade Estácio de Sá, onde coordena o Curso de Letras; www.deonisio.com.br