Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Façanhas de um Indiana Jones da nossa língua

Se a língua nossa de cada dia está azul-anil como mostra a capa do livro homônimo de Deonísio da Silva, deve ser de raiva de ser tão mal usada, tão esculhambada e tão deixada de lado, trocada por absurdos. O escritor sideropolitano (perdão pelo palavrão, mas como chamar os naturais de Siderópolis, cidade do valoroso estado de Santa Catarina?) reuniu em volume suas crônicas sobre a língua portuguesa que saíram no Jornal do Brasil, no Jornal da Estácio, no Observatório da Imprensa e outros veículos.

Deonísio é uma espécie de Indiana Jones das nossas ruínas do idioma. Ainda não adotou o chapéu do professor norte-americano, mas escava os labirintos secretos da origem das palavras, entra pelos pântanos das versões não raro conflitantes das etimologias, chuta longe as serpentes da falta de bom-senso e bom-gosto e chicoteia os vendilhões do vernáculo, aqueles que privilegiam a falta de cultura e as formas equivocadas.

Seu método é usar algum tema da atualidade, que pode ser o Dia de Reis, os discursos do presidente Lula (uma rica fonte de inspiração), as estranhas falas de congressistas, a baixa língua que é usada na televisão. A partir daí, as crônicas dedicam-se a informar e ensinar. Palavras, expressões, bordões são seguidos até seus princípios, vê-se que nem sempre significam o que aquele que falou pretendeu. Nessa briga, os conflitos entre a linguagem jurídica de advogados,juízes, desembargadores e ministros da Justiça parecem um exercício de nonsense.

Felicidade geral

Palavras e expressões como metrossexual, baixo clero, orra, meu!, são temas, assim como curiosidades como os nomes de Lula, casos de Jânio Quadros, a letra do Hino Nacional, as palavras do Natal, as gírias da violência e um imenso etc. provocam a atenção de Deonísio e são temas para mais crônicas interessantes e bem-humoradas.

Claro que o autor bebe em fontes hediondas, como a escolha de palavras feitas por políticos e tribunos ou os sinais de analfabetismo galopante que se escondem por aí. Talvez essas fontes desjeitosas (uma palavra cara ao escritor) sejam as responsáveis diretas pela coloração esquisita da língua estampada na capa. Mas podem confiar: A língua nossa de cada dia vale a leitura e deveria ser distribuída como preservativo ou vacina contra a gripe para o bem de todos e felicidade geral da nação.

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Jornalista e crítico literário, redator-chefe da revista Cult