Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Falem mal

Você conhece alguém que nunca tenha visto televisão?

Certamente, não. Ela chega praticamente a todos os municípios brasileiros e está em 90% das residências, segundo dados do IBGE. É a principal fonte de informação e diversão de uma parte significativa dos brasileiros. Por onde quer que se olhe, estão as antenas para captar as transmissões: nos gabinetes e botecos; às margens de rios da Amazônia e nos barracos das favelas.

Segundo o Ibope, em maio de 2004, só na Grande São Paulo, o telejornal com maior audiência foi visto por mais de três milhões de pessoas. No mesmo período, a tiragem diária da Folha de S.Paulo, o jornal impresso de maior circulação do país, foi, em média, de 307 mil exemplares.

Daí a grande preocupação e os animados debates em torno do conteúdo e das mensagens veiculadas na telinha. Dizem que os noticiários televisivos são superficiais; que a programação não atende aos interesses do cidadão e que poderia ter mais qualidade e menos apelação; que a busca da audiência privilegia a conquista dos patrocinadores e desvirtua o papel social das emissoras.

Tais discussões só evidenciam o poder desse meio de comunicação e sua importância para a sociedade. A televisão no Brasil tem pouco mais de meio século, tempo em que, para captar olhares país afora, se popularizou e avançou em tecnologia. É uma concessão pública, que pode ser explorada comercialmente, mas tem que oferecer qualidade à população, como todo serviço dessa natureza.

Vista só como negócio, a TV perde a chance de se consolidar como espaço de conscientização, de enriquecer com informações quem a está assistindo, de ser um espelho crítico da realidade. Sem uma produção local, vira território estrangeiro e dissemina idéias e ideais que nada têm a ver com a cultura nacional.

A produção da televisão brasileira, em especial, tem a qualidade reconhecida e respeitada mundialmente. Defeitos existem, é claro, e é bom que sejam permanentemente analisados. Se o modelo atual da televisão e dos programas jornalísticos não agrada, que se fale mal mesmo, que se repense o que está sendo feito. Um protesto individual do telespectador insatisfeito é a troca de canal, boicote solitário imensamente facilitado pelo uso do controle remoto.

Profissionais que saem todos os anos das faculdades de jornalismo, e os que já estão no mercado, podem fazer melhor. Podem buscar soluções criativas, formatos inovadores, propor mudanças nas estruturas televisivas. Criticar é fácil, apresentar soluções ‘é que são elas’. Quem trabalha ou pretende trabalhar nas redações das emissoras deve refletir sobre o poder que detém e não se deixar levar apenas pelo glamour de se tornar uma pessoa pública, de ser reconhecido na rua como um pop star. Até porque esses são poucos entre o grande número de profissionais que se dedicam à árdua tarefa de levar ao ar uma edição de telejornal.

‘Palpitação sobrenatural’

É indispensável estabelecer a ética como limite, privilegiar a boa informação, respeitar o interesse público e do público. É preciso buscar uma formação que sustente o senso crítico e permita identificar o que é uma notícia e a dimensão de um fato. Facilmente, um profissional ruim pode se transformar num agente da desinformação, o pecado maior de um jornalista. E não adianta culpar a falta de tempo: a agilidade é uma das características do telejornalismo e não deve servir de álibi para noticiários de má qualidade.

Tendo isso em mente, resta mergulhar na rotina dos telejornais, encarar o desafio de trabalhar sempre em equipe e descobrir como é fascinante produzir notícias que podem chegar a milhares de telespectadores, e, de alguma forma, mudar a vida deles para melhor. Conquistar credibilidade é a satisfação de um profissional que se dedica à incansável tarefa de informar, e da melhor forma possível.

Este livro não apresenta uma fórmula ideal de telejornalismo. Até porque se ela existisse já não seria novidade para ninguém nesse meio em que a competição é permanente. O que pretendemos é mostrar aspectos dos bastidores e da produção de notícias, e contribuir para que os futuros jornalistas de televisão conheçam um pouco mais a rotina e os desafios que vão encarar. Incluímos um glossário com os termos técnicos empregados ao longo do texto, para facilitar a compreensão e deixar o leitor familiarizado com o jargão jornalístico.

Ouvimos repórteres, produtores, editores e apresentadores de telejornais. Buscamos resgatar coberturas que entraram para a História, pesquisamos o registro de fatos que marcaram a trajetória do noticiário na TV. Foram longas conversas e trocas de impressões. Agradecemos a todos que de alguma forma contribuíram com nosso trabalho, especialmente à jornalista Márcia Dal Prete, nossa primeira leitora. Com grande experiência profissional e visão crítica, ela nos deu sugestões fundamentais.

E, nas palavras de um colega ilustre, encontramos a síntese do que move esses profissionais. Trata-se do escritor e jornalista Gabriel García Márquez. O texto foi extraído do discurso proferido na abertura da Conferencia da Sociedad Interamericana de Prensa, realizada em Los Angeles, nos Estados Unidos, em 1996.

Quem não sofreu essa servidão que se alimenta de imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte.

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Pela ordem, editora da Rede Globo em São Paulo, onde exerceu a função de de repórter de TV, detentora de dois prêmios Wladimir Herzog e ex-professora de telejornalismo na PUC-Minas e na Faculdade Cásper Líbero; e freelancer, ex-repórter especial da Rede Globo, com passagens no SBT, na TV Bandeirantes e na Radiobrás como repórter, apresentadora e editora