Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Fontes e jornalistas, razões de ser e agir

‘Ter fontes em todos os lugares é mais do que fundamental, é um exercício de sobrevivência numa redação…’ (Luiz Antonio Mello. Manual de sobrevivência na selva do jornalismo. Niterói, Casa Jorge Editorial, 1998)

‘Quando o jornalismo se acomoda no aconchego das fontes organizadas e foge dos maus cheiros que atormentam os desprotegidos, ele próprio começa a cheirar mal.’ (Manuel Carlos Chaparro)

A sociedade tem necessidade vital de se manifestar. E seus agentes, qualificados no contexto jornalístico como fontes, já não protagonizam somente os fatos, mas a projeção desses. ‘Aconteceu… nos processos jornalísticos uma revolução das fontes… A notícia tornou-se produto abundante nas relações humanas globalizadas. Inundou redações. Porque noticiar é, hoje, a forma mais eficaz de interferir no mundo’ [(Manuel Carlos Chaparro. ‘Jornalismo na fonte’, in: Dimes, Alberto e Maurin, Mauro (org.). Jornalismo brasileiro: No caminho das transformações. Brasília, Banco do Brasil, 1996, pp. 132-154)].

É inevitável que o relacionamento com o universo de onde os fatos brotam exija um novo olhar e ângulos mais complexos de abordagem. Essa busca de compreensão dos modos de construção da atualidade, no mundo contemporâneo, interessa tanto à universidade quanto aos profissionais de comunicação, incluídos aí jornalistas, fontes e veículos, partes envolvidas no novo contexto, igualmente interessadas em compreender o processo do qual são protagonistas.

Explica-se assim o propósito de Imprensa na berlinda – A fonte pergunta, que é atender em parte a essas demandas, oferecendo novos elementos e novas perspectivas para a reflexão sobre o mundo globalizado, movido à informação. E o faz com a marca crítica de um formato original, o das entrevistas invertidas, em que as fontes perguntam e os jornalistas respondem.

Para começar, convém pontuar as várias definições do tema fonte. ‘Fontes são aqueles que têm algo que dizer e informar, os produtores das ações sociais – dos atos e falas noticiáveis. Podem ser instituições econômicas, como empresas, bancos, entidades empresariais; instituições políticas, como governos e poderes; instituições públicas, como igrejas, escolas, universidades, ONGs; profissionais liberais, artistas, personalidades, entre outros. São não só os que querem, mas os que necessitam se manifestar… empresas, escolas, igrejas, sindicatos, partidos políticos, grupos culturais, associações de todos os tipos, entidades e pessoas com aptidão para produzir fatos, atos, falas, bens, serviços e saberes que influenciam a atualidade; logo, com potencialidade maior ou menor de desorganizar, reorganizar ou explicar o mundo presente das pessoas’ [idem].

Os livros de jornalismo ensinam os futuros profissionais a encontrar as fontes e como tratá-las. Depois, nas redações, se depararão com manuais que também retomam o assunto, por ângulos diversos.

Já se vão mais de 20 anos desde que Luiz Beltrão, em Jornalismo interpretativo (1980), acentuou a necessidade de conhecer a fonte e seus propósitos: ‘Conhecer a fonte é distinguir os propósitos do sujeito promotor da ocorrência, ou as intenções do intermediário ou do testemunho, de quem (pessoa ou instituição) fornece dados mediante os quais se mede o peso do acontecimento noticiável. Sem esse prévio conhecimento da política informativa da fonte, sem essa atividade cognitiva fundamental, não poderá o comunicador da informação de atualidade distinguir, na maré das circunstâncias e ângulos que concorrem para torná-los visíveis e desapercebidos, os autênticos valores e aspectos com que irá preencher as lacunas, os vazios da informação, habilitando-o a dar à mensagem aquela transparência e complementação, sem a qual o receptor continuará mal informado ou, pior ainda, passível de trocar seu status do titular do direito de ser informado pelo de tutelado sem poder ou capacidade decisória’.

O professor e jornalista Heródoto Barbeiro, que participa de Imprensa na berlinda – A fonte pergunta, e seu parceiro, Paulo Rodolfo de Lima, na primeira edição (2001) do Manual de radiojornalismo, chamam a atenção para interesses e pressões que permeiam a atividade de elaboração de pautas em veículos jornalísticos. Não só opinam que o pauteiro deve-se colocar acima dessas pressões, mas deve também distinguir as fontes de seus intermediários, as assessorias de imprensa, destacando que o interesse jornalístico precisa prevalecer: ‘Assédio ao pauteiro, por pessoas, instituições e empresas, para que seus trabalhos sejam publicados, é grande. O pauteiro deve-se guiar pelo interesse jornalístico, portanto social, das pautas sugeridas. Esse é o único critério para que uma sugestão de pauta seja aceita. […] As assessorias de imprensa não devem ser discriminadas, mas não são fontes principais de informação. Elas são as pontes entre os jornalistas e o entrevistado, entre o veículo de comunicação e a empresa pública ou privada. Quando uma empresa fala somente por intermédio da assessoria, deve-se divulgar uma nota com a versão da empresa, atribuída à assessoria…’

Veículos e seus manuais

Na busca de definições e conceitos sobre o tema verifica-se que o tratamento dado às fontes, pelas diversas redações e por seus manuais, encontra similitude com conteúdo, mesmo quando se trata de redações sem manuais impressos, formalmente adotados. Como a revista Veja, alguns veículos preferem abster-se de um manual, o que não significa que não o possuam de modo informal, sustentados pela tradição das culturas internas.

Em geral, esses documentos cuidam de conceituar a fonte e resolver questões diversas da relação com elas: o que é fonte; o direito ou a conveniência de ficar no anonimato ou de ser identificada (fontes on e off); a veracidade da informação e a idoneidade da fonte; o cultivo do bom relacionamento com a fonte pelo profissional do jornalismo; e questões como a intimidade e os riscos de submissão à fonte, acordos com favorecimentos mútuos, dissimulação de intenções, cuidados na elaboração dos textos e, enfim, procedimentos de proteção da fonte.

Os manuais dos grandes veículos brasileiros abordam em geral todas essas questões. Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo, para citar apenas três dos principais jornais brasileiros, tratam delas objetivamente, com acento diferente em cada particularidade, de acordo com os interesses ou a cultura própria do veículo.

A Folha de S.Paulo oferece abordagens diversas do verbete em diferentes edições do seu manual de redação. E vale retomá-las pela riqueza dos detalhes. Na edição de 1987, a fonte é descrita como ‘quem fornece informações ao jornal por iniciativa própria ou por solicitação de um jornalista’, deixando claro que se deve às fontes a matéria-prima utilizada pelo jornal. Sob essa noção, dizia aquele manual: ‘[…] cultivar um relacionamento assíduo com elas é condição importante para a realização de um trabalho jornalístico completo’. Mas recomendava cuidado: o relacionamento é importante, porém ‘não significa que o jornalista deva submeter-se às fontes ou desfrutar de sua intimidade’.

Por causa dessa preocupação com a intimidade entre jornalistas e fontes, o Manual da Folha de 1987 recomendava aos profissionais do jornal cuidados ético-deontológicos, para que não ocorresse uma descaracterização do interesse jornalístico, por influência da fonte, que sempre possui os próprios. E estabelecia regras para o relacionamento entre as partes:

** O jornalista da Folha não participa de pools junto às fontes, porque esse tipo de prática prejudica o espírito de iniciativa do repórter.

** O jornalista não deve aceitar intimidações: se ocorrerem, deve comunicá-las o quanto antes a seu superior e sempre incluir no texto um relato da ameaça recebida.

** Em caso de situações constrangedoras, como insultos ou ofensas que a fonte dirija ao jornalista, este deve informar o seu superior sobre o incidente, e não aceitar desafios do entrevistado.

** O jornalista não deve valer-se de sua condição para pleitear favores junto às fontes.

Manifesta-se aí a visão de que as fontes sempre oferecem perigo, estando em permanente conflito com os jornalistas. São produtoras de matéria-prima e também interessadas em conduzir o processo de produção da notícia, ou seja: de alguma maneira, ‘cobram’ a informação que oferecem.

Na edição de 2001, no verbete ‘classificação de fontes’, o manual da Folha de S.Paulo cria uma tipologia de fontes, até mesmo as escritas, e concentra-se na necessidade de ‘hierarquizar as fontes’, de acordo com o grau de confiança das informações fornecidas. Na hierarquia proposta, há quatro tipos de fonte:

** Fonte tipo zero – Escrita e com tradição de exatidão, ou gravada, sem deixar margem a dúvida: enciclopédias renomadas, documentos emitidos por instituição com credibilidade, videoteipes…

** Fonte tipo um – É a mais confiável nos casos em que a fonte é uma pessoa… Tem um histórico de confiabilidade… Fala com conhecimento de causa, está muito próxima dos fatos que relata, e não tem interesses imediatos na sua divulgação… A Folha admite que informações vindas de uma fonte ‘tipo um’ sejam publicadas sem checagem com outra fonte.

** Fonte tipo dois – Tem todos os atributos da fonte ‘tipo um’… Mas toda informação… deve ser cruzada antes de ser publicada.

** Fonte tipo três – A de menor confiabilidade. É bem informada, mas tem interesses (políticos, econômicos etc.) que tornam suas informações nitidamente menos confiáveis…

Manuais brasileiros reforçam a necessidade de que as fontes merecem ser tratadas com respeito e atenção, ao mesmo tempo em que devem receber uma determinada proteção do veículo quando fornecem informações on ou off. Assim, o manual de O Globo, como outros mais, descreve a maneira como essa proteção deve ser feita: ‘O jornal considera dever ético proteger as fontes de informação às quais prometeu anonimato. Essa proteção será mantida até mesmo diante de interpelação judicial, assumindo a empresa jornalística os ônus pela defesa de seus profissionais que se recusarem a identificar suas fontes. O direito ao anonimato só desaparece em uma circunstância: quando o jornal se convence […] de que recebeu informações falsas, tendo a fonte agido dolosamente’.

A ordem, no entanto, é identificar a fonte e evitar o anonimato e, quando isso não for possível, fornecer indicações sobre ela ao leitor, tal como se encontra no manual de O Estado de S.Paulo: ‘Sempre que possível, mencione no texto a fonte da informação. Ela poderá ser omitida se gozar de absoluta confiança do repórter e, por alguma razão, convier que não apareça no noticiário. Recomenda-se, no entanto, que o leitor tenha alguma idéia da procedência da informação, com indicações como fontes do Palácio do Planalto… fontes do Congresso… pelo menos dois ministros garantiram ontem […]’.

Por fim, vale mencionar que procedimentos no relacionamento e na identificação de fonte, na redação de matérias jornalísticas, não são apenas preocupações e padronizações da imprensa brasileira, mas de todo o mundo. Citamos um exemplo como comparação. O manual do jornal espanhol El País orienta os seus profissionais: ‘Há que empregar a palavra ‘fonte’ no texto quando se aporta uma informação pessoal. Portanto, não se pode utilizar, por exemplo, a expressão ‘segundo fontes municipais’ […]. Há que evitar o recurso de dissimular como fontes informativas (‘segundo os observadores…’, ‘a juízo de analistas políticos…’) aquelas que só aportam opiniões. Nesses casos, deverá identificar-se a pessoa consultada. […] Não é interessante conhecer uma opinião se não se sabe quem a avaliza’.

Fontes de informação e condicionantes de relacionamento com jornalistas são apontados em manuais e livros de jornalismo, dado que são causa e mote do conteúdo da notícia e, portanto, uma das razões de ser do próprio jornalismo. Em Imprensa na berlinda – A fonte pergunta lhes damos ‘microfone’ e ‘caneta’ de entrevistadores.

Mas, antes disso, retoma-se e pontua-se um pouco mais a questão da cultura jornalística e a nova realidade de relacionamento com as fontes.

História e o novo cenário

Imprensa na berlinda – A fonte pergunta é uma proposta inédita exatamente porque inverte o sentido da interlocução, chamando as fontes para fazer perguntas diretas aos jornalistas, que assumem a posição de questionados. Temos aqui 190 fontes na condição de entrevistadores e 173 jornalistas, na de entrevistados. O resultado do conjunto de perguntas e respostas, apresentadas nos próximos capítulos, nessas entrevistas invertidas é um ótimo e original conteúdo para a reflexão, a discussão e o aperfeiçoamento da relação entre fontes e redações, fora da qual não há notícia. O que se revela é um rico cenário de conflitos e cooperação, até agora escondido pelos preconceitos de um lado e de outro. Preconceito, por exemplo, enraizado na arrogante cultura jornalística, que a leva a se referir com desprezo às fontes, tratando-as como interlocutores suspeitos. Arrogância por parte das fontes, que, só porque existem e têm um poder próprio, exigem um jornalismo a seu serviço. Às vezes, até a serviço das suas vaidades.

Nem sempre foi assim.

No início do século XVIII o jornalista inglês Samuel Buckley, no lance provavelmente mais criativo da história do jornalismo, decidiu separar as notícias dos artigos, para fazer do primeiro diário político do mundo, o Daily Courant, um jornal essencialmente noticioso. De olho no sucesso, e notável talento inventivo, ele introduziu na redação uma palavra nova, ‘acurácia’, infelizmente caída no esquecimento, que bem poderia fazer parte dos manuais de redação do nosso tempo.

Importado das ciências exatas, mais precisamente da física, o termo ‘acurácia’ refere-se ao rigor adotado nos procedimentos preliminares para que as ações ou operações de que esses procedimentos fazem parte tenham garantia prévia de sucesso. Para Samuel Buckley, a acurácia, aplicada ao jornalismo, significava, especialmente, rigor na escolha das fontes para a apuração dos fatos.

Sabia ele, ou o intuiu, que escolher bem a fonte, e ter a certeza da sua confiabilidade, é a melhor maneira de previamente controlar a qualidade da notícia.

Apesar de menosprezada pelo discurso das redações, a fonte é instituição indispensável ao sucesso das ações jornalísticas. É da fonte que o jornalista colhe o relato, o testemunho, a opinião, o conteúdo com que realiza a sua arte maior, a narrativa da atualidade. Da fonte brotam o acontecimento da notícia, a fala da explicação, a revelação da novidade, o detalhe poético para o requinte literário. Da fonte vêm a polêmica que ativa o interesse do leitor e o saber que a reportagem socializa.

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Por tanto depender das fontes, o ambiente jornalístico acolheu e cultivou por décadas a fio a convicção de que o melhor repórter é aquele capaz de seduzir e preservar bons informantes em locais estratégicos. Por muitos anos, ao longo do século XX, fez parte da cultura jornalística a crença de que, sendo a notícia um objeto escondido, caberiam ao jornalista a iniciativa e a competência de procurá-la. Do lado das instituições, sem estruturas nem conhecimentos de comunicação, temia-se a investigação jornalística. E havia, em relação à imprensa, uma atitude defensiva.

Mas o pós-guerra elaborou um mundo novo, com experimentações vitoriosas de democracia, civismo, mercado e tecnologia, em misturas que dinamizaram uma lógica universal de competição, sustentada em informação. Surgiu a possibilidade da notícia em tempo real, com circulação instantânea em redes universais.

A instantaneidade e a abrangência ilimitada da difusão eliminaram os intervalos entre o momento da materialização dos fatos e a sua divulgação em forma de notícia. E esse é um detalhe de extraordinária importância, se levarmos em conta a combinação de duas variáveis: com a eliminação do intervalo entre o fato e o seu relato a notícia passou a fazer parte do acontecimento; formatado como notícia, o acontecimento ganhou eficácia de ação discursiva, com capacidade de produzir confrontos e efeitos imediatos.

A notícia tornou-se, assim, produto abundante nas relações humanas globalizadas. Inundou as redações. E noticiar passou a ser a forma mais eficaz de as instituições agirem e interagirem no mundo.

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Nesse novo mundo da difusão, as fontes pensam, agem e dizem pelo que noticiam, exercitando aptidões que lhes garantem espaço próprio nos processos jornalísticos, nos quais agem como agentes geradores de notícias, reportagens, entrevistas e até artigos. Para isso se capacitaram profissionalmente, apropriando-se das habilidades técnicas do jornalismo.

Já tivemos formas primitivas de difusão, como os tambores tribais e os arautos medievais. Hoje temos os satélites acoplados a fantásticas tecnologias de difusão. Uma delas é o videofone, que tanto sucesso fez na recente guerra do Iraque. Graças a esses sistemas, universalizou-se a simultaneidade de acesso à informação. E a possibilidade universal de acesso simultâneo à informação deu à notícia, em nossos dias, uma força que ela jamais teve: a de desorganizar ou reorganizar as coisas da vida humana, da dimensão do presente, em tempo real e com alcance planetário.

Por isso se tornou tão importante saber noticiar. E por isso as instituições se tornaram fontes organizadas e se apropriaram das habilidades da linguagem jornalística. No Brasil, pelo menos 40% dos jornalistas trabalham fora das redações…

Quem persiste em não entender que o processo de produção da atualidade se dá em um novo ambiente jornalístico do qual toda a sociedade institucionalizada participa, e a linguagem jornalística deixou de ser monopólio das redações, persevera provavelmente na crença de que o mundo ainda se move em ciclos de 24 horas, ao ritmo da periodicidade dos jornais.

O mundo, porém, deixou de ser esse, se é que alguma vez o foi. E quem ainda não percebe isso também não nota que, sem as ações dos sujeitos sociais produtores de fatos e falas noticiáveis, as redações nada teriam que relatar ou que comentar.

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Está aí, na competência agressiva dos discursos particulares, uma das mais complicadas contradições da informação jornalística dos nossos dias.

Mas é preciso tomar cuidados para que não se dê abordagem moralista à questão, como se de um lado estivessem santos e, de outro, pecadores. Os cuidados a serem tomados devem começar pelo reconhecimento da legitimidade dos discursos particulares, com os quais se elaboram os antagonismos da democracia.

Nesse quadro, há uma discussão nova a ser feita, que deve começar pela seguinte pergunta, raramente formulada nas redações – se é que alguma vez o foi: qual a razão de ser do jornalismo?

Não é fácil obter respostas, nem em livros. Porém, mesmo sem renunciar aos cruzamentos bibliográficos, é possível identificar a razão de ser do jornalismo no próprio jornalismo se, com olhos de ver, forem observadas, com algum método, as manifestações que o materializam: jornais, revistas, telejornais, noticiários radiofônicos e espaços noticiosos da internet.

A despeito da cultura de receituários, e da fé quase cega depositada em receituários, está no jornalismo, e não fora dele, o saber que o elucida. Por quê? Ora, porque, embora pouco e mal teorizado, o saber produzido nas práticas profissionais é o que explica e fundamenta o sucesso diário da notícia.

Se olharmos os jornais, qualquer que seja o dia, o que nos oferecem eles? Do começo ao fim dos espaços principais, o que as fontes dizem e fazem. Só isso vira notícia e gera comentários. Os jornais projetam e inserem na atualidade as colisões institucionais que interessam à sociedade e ao seu aperfeiçoamento ético-normativo. E, ao difundir relatos de ações institucionais e humanas oponentes, o jornalismo constitui-se espaço público, socializando os discursos em confronto, para a produção de efeitos transformadores da realidade, em ciclos contínuos de novos conflitos, para novos acordos.

Na regência do processo, dando sentido e significação aos acontecimentos, estão ideários democráticos que a experiência histórica humana do pós-nazismo configurou em códigos permeados de dez grandes valores universais: paz, solidariedade internacional, igualdade, liberdade, fraternidade, justiça, democracia, dignidade da pessoa humana, dignificação do trabalho e proteção legal aos direitos.

Esses são os valores que costuram a unidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos, neles se inspiram as constituições democráticas mais avançadas e se organiza a perspectiva ética do relato e do comentário jornalísticos.

Os conflitos que interessam ao jornalismo, e para o jornalismo convergem, sempre têm, além dos lados oponentes, um terceiro lado: o da sociedade. E por sociedade se pode entender o acomodamento provisório das forças sociais divergentes, resultante da dinâmica de avanços por conflitos e acordos, em torno de princípios e valores.

Aí está a razão de ser do jornalismo: a sociedade e os seus valores.

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Há, porém, duas questões graves nessa nova fisionomia da atualidade. Uma delas, aquilo a que se pode chamar ‘exclusão discursiva’, que atinge grupos sociais sem capacidade de produzir os próprios discursos: moradores de rua e desempregados, por exemplo. A outra questão é a perplexidade que toma conta das redações. Armadas de viseiras antigas, continuam a se achar donas da atualidade, como se a pudessem produzir.

Pois está na hora de lembrar a editores, pauteiros e repórteres que os acontecimentos têm autores, e eles estão fora das redações. E os fatos não valem pela sua materialidade, mas pelo que podem significar na dimensão discursiva. Nisso se inclui a busca de novos protagonistas, dando voz aos que ainda não a têm. Será contribuição preciosa à inserção discursiva, tema do qual, infelizmente, pouco se fala.

Não basta, pois, noticiar; é preciso identificar nos acontecimentos, compreender e fazer aflorar os conflitos que interessam à sociedade – com independência e honestidade intelectual.

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Quanto às fontes, já passou da hora de a crítica da mídia incluir, em sua metodologia e em suas lupas, a análise da atuação delas nos processos jornalísticos. É preciso enxergar as fontes como partícipes, responsáveis pela produção de conteúdos, não como entes estranhos e hostis, desprezados pelos manuais de redação. A fonte, que antigamente ajudava o jornalista a descobrir a notícia, hoje a produz, na sua materialidade e no seu conteúdo, e com atributos de noticiabilidade que a tornam irrecusável.

E há que ser duro na crítica – em favor das fontes e do jornalismo –, porque o que se diz e faz para ser notícia só o é porque altera ou pode alterar o mundo na sua dimensão mais importante: a da vida das pessoas.

Nesse processo, a ninguém interessa um jornalismo minado em sua confiabilidade pela publicação de notícias irrelevantes ou de veracidade duvidosa, divulgadas sob a pressão de razões outras que não as jornalísticas. E se o que serve às instituições, e está nas expectativas da sociedade, são o pressuposto e a exigência de um jornalismo veraz e, além de veraz, vinculado, por compromisso, a uma visão ética do mundo, então é dever das próprias instituições, e de seus executivos, contribuir para a construção e a preservação desse jornalismo confiável e dos seus valores culturais.

Os manuais de obrigações dos assessores de comunicação deveriam impor-lhes, como prioritária, a tarefa de educar e reeducar executivos para os deveres e os trabalhos de ser fonte nos processos jornalísticos. Urge ir além desses media trainings com a pedagogia do ‘ensinar a dizer’. É preciso que a educação dos executivos falantes alcance a compreensão intelectual – até mesmo na perspectiva ética – do que significa a intervenção competente das fontes nos processos jornalísticos, para os múltiplos cenários dos embates institucionais sobre os quais se elabora este nosso mundo movido à informação.

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