Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Informação, pluralidade e democracia

Ao colocar em evidência a centralidade de um sistema midiático plural – diversificado e independente para a consolidação, aprofundamento e contínuo avanço das democracias –, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) apenas ratifica o compromisso universal assumido pelas diferentes sociedades, por meio do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Recentemente, a Unesco, por meio da publicação dos Indicadores de desenvolvimento da mídia: marco para a avaliação do desenvolvimento dos meios de comunicação [disponível aqui], ofertou aos seus países membros uma ferramenta objetiva para avaliar o quanto os sistemas de mídia distribuídos pelo globo se aproximam (ou não) desse horizonte proposto pela Declaração Universal. Critérios complementares, que passam pelo sistema de regulação estatal, pela composição das empresas do setor, pela formação dos profissionais que trabalham na mídia, pelas estratégias de autorregulação, pela força da sociedade civil que se envolve nesse debate, pela infraestrutura do setor, entre outros, foram sugeridos para um melhor e mais preciso diagnóstico sobre como as nações estão na garantia dessa mídia plural, diversificada e independente.

Na esteira desse esforço, é razoavelmente consensual que a maior dificuldade está em encontrar ferramentas, metodologias e critérios adequados para se medir, avaliar, diagnosticar e acompanhar a qualidade da informação produzida pelos veículos noticiosos.

Sendo o jornalismo uma instituição central no sistema de freios e contrapesos das sociedades democráticas, no agendamento das questões relevantes para essas mesmas sociedades, bem como na informação precisa, veraz e crível aos cidadãos e cidadãs é desejável, assim como é, por exemplo, para o sistema educacional, que critérios e ferramentas para a produção de informações jornalísticas de elevada qualidade possam ser postos em execução. As práticas de transparência e prestação de contas que devem ser levadas a cabo por todas as instituições relevantes para a democracia dependem de ferramentas e critérios com esses objetivos.

Questões consensuais

Mas, o que é qualidade? Uma vez definindo-a, como garanti-la? Não é difícil perceber que é aqui que moram as dificuldades e riscos associados a essa agenda.

Há, entretanto, na visão da Unesco, alguns conjuntos de questões razoavelmente consensuais em meio a esse debate bastante multifacetado. Sem a pretensão de sermos exaustivos, diríamos:

a) a definição e aplicação de critérios e ferramentas de garantia da qualidade da informação jornalística é uma empreitada fundamentalmente autorregulatória, isto significa, que cabe às empresas do setor (sejam elas privadas, públicas ou comunitárias) definirem o formato final para esses padrões de qualidade;

b) levar adiante um sistema para a garantia da qualidade da informação jornalística implica, necessariamente, uma postura fortemente transparente das empresas do setor. Em outras palavras, não se pode tratar de uma atividade de mão única, padrões de qualidade apenas podem existir em um modelo no qual os públicos interessados, leitores, telespectadores, ouvintes, media watchers, tenham a possibilidade de interagir com as empresas de mídia, verificando se a qualidade anunciada teoricamente está sendo refletida, na prática, nas páginas de jornal, nas ondas do rádio e nos telejornais;

c) um dado sistema de qualidade implica, como dissemos, transparência, mas também implica uma lógica de freios e contrapesos e de prestação de contas para a própria mídia. Assim, iniciativas como os ombudsman, códigos de ética, conselhos de leitores e outras são importantes para a efetiva garantia da qualidade;

d) os critérios não podem ser totalmente isolados dos compromissos mais amplos assumidos por uma dada sociedade, logo as expectativas direcionadas às instituições que dão sustentáculo à democracia, inclusive a imprensa, sobretudo na ampla e irrestrita proteção aos direitos humanos de todos e todas devem estar refletidas nesse potencial sistema de qualidade.

Iniciativas com objetivos semelhantes

O estudo ‘Indicadores da qualidade da informação jornalística’ [download disponível abaixo], realizado ao longo de 2009, pelos pesquisadores da Rede Nacional de Observatórios de Imprensa Danilo Rothberg, da Universidade Estadual Paulista, Josenildo Guerra, da Universidade Federal de Sergipe, Luiz Egypto de Cerqueira, do Observatório da Imprensa e Rogério Christofoletti, da Universidade Federal de Santa Catarina, buscou solucionar essas e outras questões relacionadas à qualidade da notícia.

Nesse sentido, os quatro textos que dão forma aos resultados do estudo trazem:

a) um levantamento das visões dos jornalistas profissionais sobre qualidade;

b) uma sistematização das posições dos gestores das empresas do setor sobre qualidade; e

c) uma reflexão, discussão e concepção de uma matriz de indicadores para aferir a qualidade jornalística.

A matriz proposta não nasceu apenas das entrevistas e procedimentos metodológicos específicos desenvolvidos pelos autores. Ela bebe da fonte de outras iniciativas anteriormente levadas a cabo com objetivos semelhantes. Além dos Indicadores de desenvolvimento da mídia da Unesco, os autores tiveram em especial atenção propostas desenvolvidas pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância – Andi (Brasil) e a pesquisa Valor Agregado Periodístico (VAP) (Chile); na categoria ‘Parâmetros de avaliação de procedimentos’, analisou a ‘Propuesta de indicadores para un periodismo de calidad en México’, produzida pela Fundación Prensa y Democracia (Prende, México) e o documento ‘Managing for Excellence: measurement tools for a quality journalism’, produzido pelo Media Management Center (USA); e na categoria ‘Parâmetros de avaliação de sistemas de gestão’, analisou as normas padrões ‘ISAS BC & P 9001’, do International Standartization & Accreditation Services (Isas) e da Media & Society Foundation – MSF (CEE) e os ‘Indicadores Ethos-ANJ de Responsabilidade Social para o Setor de Jornais’, uma parceria entre o Instituto Ethos e a Associação Nacional de Jornais (Brasil).

As estruturas sedimentadas pela Fundação Nacional de Qualidade também foram consideradas.

É alvissareiro notar uma das principais conclusões do estudo: a elevada concordância com os conceitos de qualidade propostos indica que, entre a amostra, a atuação profissional está solidamente relacionada a princípios claros, objetivos e atuais segundo as prescrições de uma organização multilateral atenta à qualidade das mídias em todo o mundo.

Ao convidar o estimado leitor e a estimada leitora a comentar, criticar, debater e difundir esses quatro textos, deixo uma importante análise pinçada do texto de Luiz Egypto de Cerqueira:

‘A notável síntese exposta na redação do Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem evidencia o quanto a liberdade de expressão, e por via de consequência a liberdade de imprensa, é mais do que um princípio democrático e civilizatório; é, sobretudo, a afirmação inequívoca do direito humano a uma comunicação de qualidade, veraz, pertinente, fidedigna e consoante com as melhores práticas da convivência cidadã e da vida democrática.’

Boa leitura!

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Publicações para download

**Indicadores da Qualidade no Jornalismo: políticas, padrões e preocupações de jornais e revistas brasileiros‘ – Rogério Christofoletti

**Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da UNESCO‘ – Danilo Rothberg

** Sistema de gestão da qualidade aplicado ao jornalismo: uma abordagem inicial‘ –Josenildo Luiz Guerra

**Qualidade jornalística: ensaio para uma matriz de indicadores‘ – de Luiz Egypto de Cerqueira

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Coordenador de Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil