Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Janela no muro que enxerga o mundo

Texto escrito especialmente para o autor, amigo de 20 anos, antes de morrer em outubro, aos 58 anos, de febre maculosa.

Tavares Dias sempre foi bamba das pretinhas, desde que o conheci nos idos da TV Manchete, naqueles trepidantes anos oitenta. Só que o que era talento, promessa, foi se consolidando em letras de música, poemas, crônicas, contos e livros, numa trajetória de amadurecimento literário que pude acompanhar com a alegria de uma amizade que só se fortaleceu durante o período. Este seu novo livro, Uma janela no muro, coroa o percurso, e com tal rigor, com tal apuro do verbo e do verso, que fica difícil imaginar onde vai parar esse mineiro sem pressa que rodou Oropa, França e Bahia antes de definir-se por essa bela Guanaanira, ou Doce Ilha do Mel, que é o mesmo que dizer Vitória, capital do Espírito Santo.

O Brasil precisa saber mais dele – o que seria ato de justiça com as belas letras que se esparramam pelas páginas que esse texto modestamente apresenta. Várias delas, por puro deslumbramento, acabei transcrevendo na minha ‘Cultura & Mídia’, coluna semanal que publico na Tribuna da imprensa e no site da ABI – Associação Brasileira de Imprensa.

Humor e amor

Diga-se também que Tavares Dias não é simplesmente um grande escritor. É sujeito que foi aprendendo com o tempo os atalhos da vida. Quando escreve, não está apenas exercendo e ensinando o seu ofício – e que não é fácil, sabem disso todos os que têm que enfrentar o desafio diário diante da folha em branco e aqueles que desfrutaram os poemas de Sinais de mim (1995) e os escritos de Boca de beijo – vivências do oco do mundo (2002).

Tal como o livro anterior, Boca de beijo, este Uma janela no muro reúne crônicas publicadas no jornal Brazilian Voice (Newark, NJ, EUA), em Século Diário (Vitória) e em grande número de outros jornais, revistas e sites, no Brasil e no exterior. Nelas, o olhar do escritor cintila em narrativas que sempre misturam música, futebol e as nossas complicadas relações com o equivocadamente chamado sexo oposto (são deliciosos, entre outros, ‘Não pira sem me ligar’, ‘Cinema no Bar do Raimundo’ e ‘É o peitão da mamãe’).

Mas, para além da qualidade literária, e sem qualquer concessão às fórmulas fáceis da literatura de auto-ajuda, ou a pretensão de deitar regra para quem quer que seja, o que se evola do texto é a própria vida, vivida com cuidado e atenção, sabedoria e recato, prazer e concórdia. Vida movida a sentimentos nobres, guiada pelos ventos cálidos da amizade, da temperança e do desprendimento. Vida que mistura humor e amor no mesmo olhar pródigo que ele é capaz de estender ao outro, a todos os outros que somos nós, presos à inescapável miséria humana que ele parece compreender tanto – e perdoa.

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Mestre em Comunicação e Cultura (ECO/UFRJ) e doutor em Música (Unirio); jornalista e escritor, entre seus livros estão No princípio, era a roda (Rocco), Praça Onze – no meio do caminho tinha as meninas do mangue (Relume-Dumará) e Sobre cultura e mídia (Vitale)