Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Leia a música, ouça o livro

A música no cinema sempre esteve em segundo plano. Não as famosas canções das trilhas sonoras, que hoje fazem o espectador comprar o CD após assistir ao filme. A música que fica em segundo plano é a música incidental, a música de fundo. Ela pode passar despercebida, mas é parte imprescindível da cena. Se não estivesse lá, o espectador notaria. Sentiria pelo menos que algo está faltando.

Pois esta música incidental ganhou um presente. Saiu do segundo plano das cenas dos filmes para virar tema de livro. E livro grande, com doze capítulos em dois volumes, totalizando quase mil páginas. O jornalista João Máximo, pesquisador incansável, levou oito anos para concretizar a obra, publicada pela editora Rocco.

A música do cinema – os cem primeiros anos, como o próprio nome diz, é nada menos do que um levantamento musical do primeiro centenário do cinema. Longe de ser um livro técnico, é um livro de histórias, uma verdadeira enciclopédia. Lá estão filmes e compositores americanos, franceses, ingleses, italianos, suecos, poloneses, japoneses, gregos, chineses, indianos e brasileiros, entre outros. O livro traz ainda uma discografia básica com mais de 350 títulos. É a primeira vez que um trabalho deste tipo é publicado no Brasil, e o primeiro trabalho a abordar de maneira específica informações sobre a música no cinema brasileiro.

João Máximo, mais de 40 anos de jornalismo, já trabalhou nos jornais Tribuna da Imprensa, Jornal do Brasil e Jornal dos Sports, e nas revistas Placar, Manchete e Fatos e Fotos. Hoje, é colaborador do jornal O Globo.

Escreveu sempre sobre suas paixões – o futebol, a música e o Rio de Janeiro. É autor de mais de dez livros, entre eles Noel Rosa – uma biografia, Maracanã – meio século de paixão e Paulinho da Viola – sambista e chorão, este produzido para a coleção ‘Perfis do Rio’. Em entrevista a este Observatório, Máximo fala sobre o novo livro e diz que não fica muito confortável com o rótulo de escritor. Afirma que é, antes de tudo, jornalista.

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Como surgiu a idéia de fazer um livro sobre a música no cinema?

João Máximo – A idéia foi de Vivian Wyler, diretora editorial da Editora Rocco. Trabalhamos juntos no Caderno B do Jornal do Brasil, na primeira metade dos anos 80. Tendo criado na Rocco uma coleção de livros sobre cinema, ela se lembrou de nossas conversas sobre trilhas sonoras no dia em que achou que era hora de incluir a música em sua coleção. Foi em fins de 1994. A proposta era eu entregar os originais em tempo de lançar o livro em dezembro do ano seguinte, em meio às comemorações do centenário do cinema. De início, hesitei. Fiz ver a Vivian que talvez fosse melhor um livro sobre musicais, assunto que tenho a pretensão de dominar. Seria mais interessante para o leitor, mais familiarizado com as canções do que com a música de fundo. Mas ela bateu pé: era a música incidental, ‘a música clássica do século 20’, que ela queria. E assim foi. A idéia e a temosia foram dela.

Por que você escolheu trabalhar com o longo período de cem anos?

J.M. – Justamente porque o primeiro objetivo era comemorar o centenário do cinema, em 1995. Este seria o ano limite do nosso trabalho – e também o meu prazo de entrega. De forma alguma imaginei que levaria oito anos para cumprir a tarefa.

Valeu a pena?

J.M. – Claro que valeu. Veja só: a demora se deveu a um princípio muito simples. Se fosse para editar um livro sobre a música incidental, bastaria a Rocco traduzir um dos muitos que há sobre o tema. Daí eu ter concluído que a única contribuição que eu poderia dar seria a de abordar numa mesma obra – pela primeira vez em qualquer tempo ou lugar – os cinemas americano, europeus, asiáticos, brasileiro, tudo durante os cem primeiros anos da arte. Foi um passo ousado. Principalmente porque todas as informações que eu passaria adiante me chegariam em segunda mão. Eu teria de comprar livros, assinar revistas, comprar ou alugar vídeos, aumentar ainda mais minha alentada discoteca – o que de fato fiz.

Enfim, primeiro era preciso aprender para depois ensinar. Na verdade, não acho que chegue a ensinar alguma coisa. Meu trabalho foi o de ler e ouvir tudo, administrar os textos e os sons pesquisados, digeri-los para o leitor e colocá-los no papel da maneira mais simples, objetiva e clara possível. Aqui funcionou o jornalista, o que realmente sou. Posso dizer que valeu a pena, pois o resultado me agradou. Sobretudo, jornalisticamente. Mas se o livro é realmente o que pretende ser, não sei. Gostaria que um cinemúsico, desses que conhecem profundamente o assunto, me dissesse. Sei que não é mal escrito. Sei também que é uma pesquisa de tirar fôlego de qualquer um menos determinado. Mas só.

O futebol, a música e o Rio de Janeiro são paixões suas. Depois deste livro, o cinema também entra para esta lista?

J.M. – Sempre fui um apaixonado por cinema. Quem não é? E mais: um cinéfilo desde pequeno ligado na música dos filmes. Não me peça para explicar essa ligação. No máximo eu apelaria para um palpite: minha paixão pela música do cinema e do teatro (tenho a maior coleção do Brasil de discos sobre musicais de teatro) talvez se deva ao fato de eu sempre contextualizar a música que ouço. Quer dizer, de uma sinfonia de Beethoven a um samba de Noel Rosa, costumo ouvir música associando-a a um fato, um personagem, uma situação, um clima, uma emoção. Não será essa a missão da música dos filmes? É só um palpite.

Você está no jornalismo há mais de 40 anos. Além disso, é crítico de música, pesquisador, escritor. Quando olha para trás, sente-se realizado?

J.M. – Muito obrigado pelo ‘escritor’, mas tudo que sou é um jornalista que eventualmente escreve livros. Aliás, como muitos. Dos mais de dez que tenho publicados, alguns em parceria, só um não é resultado de encomenda: Noel Rosa – uma biografia, escrito com Carlos Didier.

Entendo escritor de outra forma, o que se dedica a uma obra mais criativa, pessoal, toda ela por sua conta e risco, e não como realização de idéia de outrem. Bem, mas este não é assunto para aqui e agora. Pesquisador, sou, realmente. Daqueles chatos, renitentes, obsessivos, a ser aprovado com distinção num exame escrito e oral com meu amigo Hermínio Bello de Carvalho, para quem muita gente se diz pesquisador sem realmente o ser.

Realizado? Nunca. Ou melhor, acho que a verdadeira realização está mais na caminhada do que na chegada. Na verdade, nunca chegamos a lugar algum. Vamos cumprindo etapas, subindo degraus, nos sentindo ‘realizados’ a cada subida, mas conscientes de que nunca chegaremos no topo. Seria, de fato, muito aborrecido chegar lá. O que faríamos depois?