Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Livro sobre apocalipse cultural não convence

Em “Free Ride”, Robert Levine, ex-editor-executivo da “Billboard”, apresenta argumentos fortes para profetizar um apocalipse cultural.

Quando a internet surgiu, apanhou o setor cultural de surpresa, escreve ele. As empresas de tecnologia, contudo, estavam mais bem preparadas e aproveitaram para pressionar por leis favoráveis.

Os problemas começaram quando serviços como Napster passaram a ameaçar muitos modelos de negócios, ao permitir que usuários trocassem arquivos gratuitamente.

Pior: um lobby intelectual capitaneado por professores de direito e bancado pelo Vale do Silício passou a racionalizar isso sob o estandarte da “liberdade cultural”.

Levine é um escritor envolvente e instigante, e “Free Ride” tem muito a oferecer.

Sua percepção básica, a de que o apreço do Vale do Silício pela experimentação pode ter prejudicado a indústria da cultura, está certa. Sua explicação da “cultura livre” como subproduto da agenda sigilosa do Vale do Silício também tem muito de inovador.

Mas seu apego a teorias da conspiração -tudo conduz ao Google!- é uma distração.

Embora seja verdade que o Google orienta a formação de política relativa à internet, isso não significa que seus interesses e os do público sempre divirjam. Para mencionar exemplo óbvio, o Google financia projetos cujo objetivo é contornar a censura à web.

Ao montar seu passional ataque, ele muitas vezes distorce argumentos oponentes.

Exemplo: ele alardeia relatório de 2010 segundo o qual 25% do tráfego da web se relaciona à pirataria, mas não diz que o mesmo relatório constatou que filmes que podem ser assistidos legalmente são pirateados menos.

O chamado às armas de Levine -”é hora de perguntar a sério se o negócio da cultura na forma pela qual o conhecemos hoje será capaz de sobreviver à era digital”- ilustra uma má compreensão.

Se nossas leis sempre tivessem sido redigidas de forma a preservar o “negócio da cultura tal qual o conhecemos”, a fotografia, o gramofone, as fotocopiadoras, os gravadores e, sim, a internet talvez nunca tivessem surgido.

Cultura em xeque

As tecnologias são de fato ameaça tão grande à cultura?

Segundo uma pesquisa recente da BookStats, em 2011 a receita do setor editorial foi 6% mais alta que em 2008 -em parte graças aos livros eletrônicos. O avanço mundial de serviços de locação de vídeo em streaming, como o Netflix, tornou a pirataria menos atraente.

Algumas declarações de Levine enfatizam o perigo de estabelecer a política de internet tendo por base apenas os interesses do setor de conteúdo. Para este, a web é uma espécie de TV em escala maior -e seu impacto sobre os levantes árabes, o desenvolvimento econômico e humano e o futuro do aprendizado não faz diferença.

No entanto, seria irresponsável formular políticas para a internet sem examinar como elas afetarão áreas que nada têm a ver com cultura.

Será que desejamos criar ferramentas que vasculhem o conteúdo on-line em busca de violações de direitos autorais, para descobrirmos um dia que ditadores as usavam para espionar dissidentes?

O que Levine propõe não é novo. Ele quer reformar ou reinterpretar as leis que protegem as empresas de internet da responsabilidade pelos atos de seus usuários e criar novas leis que puniriam os distribuidores e consumidores de material pirateado.

Tudo traria consequências inesperadas -vigilância mais intensa, inovação travada e problemas na arquitetura da web-, mas Levine opta por não mencionar nada disso.

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[Evgeny Morozov é autor de The Net Delusion; este artigo foi escrito para The Guardian]