Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Marcos Augusto Gonçalves

‘Bem que tentei, mas não resisti à tentação de ver no ‘affair’ Zeca Pagodinho um desses episódios que se revestem de dimensão simbólica em relação ao momento por que passa o país, suas instituições e seus governantes.

Temos um sambista genuinamente popular no papel de defensor publicitário de uma ‘nova’ cerveja. Mesmo sabendo-se que as cervejas desse tipo são todas praticamente idênticas, ele empresta sua credibilidade à marca renovada. Está, à sua maneira, dentro das convenções do mundo da propaganda, afiançando que a mudança é boa e deve ser adotada.

Passa-se o tempo, e eis que o arauto do novo sabor abandona seus seguidores. Pasmo. Revolta. ‘O que é isso, Pagodinho?’, perguntam os companheiros aflitos, já intuindo que a ética nesse negócio é muito relativa.

A mensagem é clara: por um punhado de dinheiro (e US$ 3 milhões é uma boa gaita), dá para mudar. E a mudança, afinal, não é só por dinheiro: Pagodinho sempre bebeu a velha, e não a nova. É verdade que, ao que consta, ele parou de beber. Mas tanto faz. Façam o que eu digo, não façam o que eu faço. As contradições se dissolvem na espuma. São diluídas pela encenação marqueteira. Era só uma bravata. Um amor de verão. Não era para acreditar. Esqueçam o que eu bebi.

Pagodinho foi um dos cabos eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial. Ou seja, anunciou o candidato da mudança, o novo sabor da política nacional. O cantor e compositor esteve recentemente num animado churrasco promovido pelo Planalto para seus colaboradores, às vésperas da reforma ministerial. Não foi informada a marca da cerveja servida.

Nesta semana, vi-me incluído numa lista de e-mail na qual pessoas discutem o momentoso caso. A toda hora alguém pergunta se ele foi honesto ou não. Afinal, o volúvel Pagodinho traiu ou não traiu? Fez bem ou fez mal? Dilema moral. Drama de consciência. Dúvida cruel.

Que dureza. Dá pra tomar uma Kaiser antes?’



Carlos Franco

‘Pagodinho sai do ar por decisão da Justiça’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/03/04

‘O Grupo Schincariol conseguiu, no final da tarde de ontem, liminar na Justiça para suspender o comercial Amor de Verão, da Brahma, que tem como garoto-propaganda o cantor e compositor Zeca Pagodinho. A suspensão vale a partir da notificação da Brahma e a insistência na veiculação acarretará multa diária de R$ 500 mil.

O juiz da 27.ª Vara Cível de São Paulo entendeu que houve quebra de contrato por parte de Zeca Pagodinho. No pedido de liminar, os advogados do Grupo Schincariol, Vinicius Camargo Silva, Ricardo Augusto Galvão e Márcio Quartaroli, argumentaram que a suspensão seria necessária em respeito ao contrato que o Grupo Schincariol tem com o cantor e compositor até setembro.

O contrato entre o Grupo Schincariol e Zeca Pagodinho, ao qual o Estado teve acesso, deixa claro que o cantor e compositor se compromete a gravar dois comerciais – o primeiro foi o lançamento da Nova Schin; o segundo, da passagem de ano, mas dispõe que, por prazo de um ano, tem direito sobre a imagem de Pagodinho.

Nas disposições gerais desse contrato, assinado em 21 de agosto de 2003, há, ainda, cláusula onde se explicita que o cantor e compositor deve beber a Nova Schin em todas as aparições públicas, onde ocorrer o consumo de cerveja. Em nenhum cláusula existe o compromisso de o Grupo Schincariol apoiar shows ou atividades artísticas de Pagodinho.

Nas diversas cláusulas das disposições gerais do contrato, o compromisso é sempre da relação do garoto-propaganda com a marca. Também estabelece que pelo prazo de um ano, que poderia ser renovado, o cantor ficaria impedido de participar de qualquer propaganda sobre cerveja.

O publicitário Eduardo Fischer, da agência de publicidade Fischer America, responsável pela comunicação da Nova Schin e da campanha que lançou o bordão Experimenta, confessou-se surpreso ontem com as declarações de Pagodinho.

‘Ele assinou o contrato e o contrato é muito simples. Nunca tive problemas em 25 anos de profissão ao contratar artistas, a exemplo de João Gilberto e Tom Jobim, com os quais fiz campanha para a Brahma.’

Criador do bordão ‘número 1’ da Brahma nos anos 80, desde agosto Fischer cuida das ações de propaganda do Grupo Schincariol. ‘A família Schincariol sempre honrou os contratos comigo e Pagodinho. Tudo está lá, de forma clara.

A atitude dele (Pagodinho) foi de quebrar o contrato, sem avisar.’

Em nota oficial, Fischer esboçou ainda mais o descontentamento com essa quebra de contrato por parte de Pagodinho. ‘O tamanho da repercussão que a campanha da Nova Schin produziu na concorrência pode ser medido pela extravagante atitude de convencer um ídolo da música popular brasileira a desdizer seu testemunho em favor de experimentar e recomendar a cerveja, com o sério comprometimento de sua figura. Pois os concorrentes convenceram o artista a cantar sua traição em prosa, aos jornalistas, e em verso, nos comerciais, desmentindo que houvesse falado e cantado e bebido o que falou, cantou e bebeu.’

Para Fischer, a AmBev deu a Pagodinho a dura tarefa de ‘de dublar uma versão apressada de hino à traição’. E, com isso, arrastou ‘um notável artista brasileiro à desagradável tarefa de se justificar em programas de rádio e televisão, para se livrar da imagem que já condenou um ex-jogador de futebol a sinônimo de oportunismo’ – Fischer se refere a Gerson e à campanha criada pela agência Caio Domingues para o cigarrro Vila Rica. Conar – O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) também divulgou nota ontem para explicar os motivos que o levaram a negar liminar para suspensão do mesmo comercial, explicando que a decisão foi técnica e que o mérito do assunto ainda será alvo de julgamento. Muitos publicitários estranharam a decisão do Conar, que costuma ser mais rigoroso em casos que envolvem a ética na atividade.

‘O Conar lembra que, ao negar ou conceder uma liminar, o relator não se pronuncia a respeito do mérito da causa, isto é, não condena nem absolve o anúncio. Esta decisão se dará por ocasião do julgamento pelo Conselho de Ética.’’

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‘Pagodinho desabafa com amigos: ‘Não traí’’, copyright O Estado de São Paulo, 19/03/04

‘‘Traição com traição se paga’. é isso o que o cantor e compositor carioca Jessé Gomes da Silva Filho, o Zeca Pagodinho, de 44 anos, tem dito a amigos próximos desde o rompimento público e unilateral do contrato que tinha com a Nova Schin, formalizado em comercial da concorrente Brahma que começou a ser veiculado há uma semana.

Segundo o pagodeiro, o Grupo Schincariol, por meio da agência Fischer America, não vinha cumprindo promessas feitas quando da sua contratação em setembro do ano passado, como apoio a shows. Procurado, o Grupo Schincariol afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que, a partir de agora, só se pronunciará sobre o assunto na Justiça.

Além disso, quem conhece Pagodinho sabe que a cerveja Brahma sempre foi a sua preferida, tanto em casa como nos bares. Por este raciocínio, que o cantor tem amadurecido nos últimos dias diante da repercussão da troca de marcas, a proposta de traição, tem afirmado a amigos, partiu primeiro da Nova Schin.

Pagodinho, que foi lançado pela mangueirense Beth Carvalho em 1981, também jura, de pés juntos, que nunca chegou a experimentar a Nova Schin e está chateado da vida com a afirmação do publicitário Eduardo Fischer de que é um ‘traíra’.

Para amigos próximos, Pagodinho diz que nunca experimentou a Nova Schin, nem nas gravações. ‘Eles sabiam disso porque tinham que comprar a Brahma para eu beber’, afirmou a um deles. Ele também acusa o Grupo Schincariol de não ter cumprido nem a metade do contrato assinado.

Pagodinho também tem dito, nos últimos dias, que com a Brahma tudo é diferente. Ele está feliz com o sucesso da música Amor de Verão, criada pelo publicitário Nizan Guanaes – da Africa e responsável pela campanha de Brahma – em parceria com Paulo César Bernardes, que tem como refrão ‘Fui provar outro sabor, eu sei/Mas não largo o meu amor, voltei’.

A Associação Brasileira das Agências de Publicidade (Abap), que reúne as maiores empesas do País, divulgou nota oficial em que lamenta que ‘uma peça publicitária tenha motivado uma ampla discussão sobre valores, ao mesmo tempo tão importantes e tão básicos, que não deveriam jamais ser postos em debate’. E prossegue, afirmando que valores como ética e respeito à leis e instituições foi o que fez com que a publicidade brasileira fosse respeitada em todo o mundo.’

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‘Schincariol vai processar Pagodinho e AmBev’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/03/04

‘O Grupo Schincariol vai processar o cantor e compositor Zeca Pagodinho e a AmBev, a dona da marca de cerveja Brahma, por quebra e desrespeito de contrato. Também vai cobrar, na mesma ação judicial, os danos morais e financeiros, cujos valores ainda estão sendo calculados, decorrentes da transação que fez com que o artista rompesse unilateralmente o contrato que tinha como garoto-propaganda da Nova Schin para vestir a camisa da Brahma.

As informações são do superintendente-geral desse grupo, Adriano Schincariol, de 27 anos e há 11 anos atuando na companhia da família, com sede em Itu. Ele explicou ontem, em concorrida entrevista coletiva em São Paulo, que o grupo assinou contrato em setembro do ano passado, com validade até setembro deste ano, para que o pagodeiro fosse o garoto-propaganda da Nova Schin.

‘Ele não nos avisou e rompeu o contrato, que prevê multa neste caso’, disse Schincariol, criticando o comportamento do pagodeiro e da empresa que o contratou, mas sem revelar os valores envolvidos. ‘A AmBev demonstrou, no episódio, do que é capaz o poder econômico num ambiente de forte concentração de mercado.’

No mercado publicitário, as estimativas são de que Zeca Pagodinho foi contratado pela Nova Schin por R$ 1 milhão e teria recebido o dobro disso para vestir a camisa de Brahma, mais os custos do rompimento do contrato. Se a indenização for igual ao valor do contrato com a Nova Schin, a Brahma teria de desembolsar, portanto, R$ 3 milhões. Há quem aposte, porém, que o Grupo Schincariol vai pedir mais, pois gastou cerca de R$ 180 milhões na sua estratégia de sustentação da marca Nova Schin no ano passado.

O advogado do Grupo Schincariol, Vinicius Camargo Silva, também não revela os valores envolvidos, mas adianta que a ação estará ajuizada em, no máximo, 20 dias, quando esses valores se tornarão públicos.

Schincariol e o publicitário Eduardo Fischer, da Fischer America, que responde pela estratégia de comunicação da Nova Schin, disseram, inúmeras vezes, que o episódio Zeca Pagodinho expõe a falta de ética tanto do artista como da AmBev. Fischer se mostrou frustrado com a decisão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), de não ter dado liminar para a suspensão do comercial da Brahma com Pagodinho. ‘Essa é a oportunidade de os publicitários discutirem a ética na propaganda.’

Schincariol também está convencido de que a estratégia de comunicação da Brahma, com Zeca Pagodinho, ‘está servindo de cortina de fumaça para a transação envolvendo a aquisição do controle da companhia brasileira pela belga Interbrew, que implica perdas aos acionistas minoritários’. A AmBev não emitiu nenhuma opinião sobre as críticas e acusações.

Tartaruga – Schincariol aproveitou para anunciar que assumiu a superintendência-geral do grupo familiar e reafirmou que a empresa não abrirá capital para novos investimentos. Ele estima investir R$ 200 milhões este ano na operação – a unidade de Igrejinha (RS), que deve ser inaugurada este ano, consumirá R$ 170 milhões. No valor do investimento, não estão incluídos gastos com marketing nem a possibilidade de nova fábrica na Região Norte, possivelmente no Pará.

Hoje, o grupo tem seis fábricas e uma produção de 2,1 bilhões de litros de cerveja e 1 bilhão de litros de refrigerantes. O faturamento atingiu R$ 1,74 bilhão em 2003 e Schincariol diz que tem ‘orgulho de comandar, entre as três maiores, a única cervejaria 100% brasileira’.

Fischer, criador do bordão ‘número 1’ da Brahma nos anos 80, disse que, passada a surpresa da quebra de contrato, ficou satisfeito com a decisão da AmBev de usar a Brahma no confronto com a Nova Schin. ‘Essa é a marca global deles, o que dá a dimensão de quanto nosso crescimento incomoda’. Ele rebateu críticas por ter usado uma tartaruga velha e aposentada – alusão à personagem da Brahma – no lançamento da Nova Schin. ‘A tartaruga, como qualquer outro animal, não tem contrato com ninguém. Isso é muito diferente desse caso, que envolve princípios éticos.’’

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‘O ‘Zeca’ da Casa Verde não gosta de pagode’, copyright O Estado de S. Paulo, 18/03/04

‘O paulistano da Casa Verde Alexandre Luís Clemente, de 36 anos, está ganhando dinheiro com uma semelhança física que já lhe deu divertimento e alguma dor de cabeça. Ele é o sósia do cantor e compositor carioca Zeca Pagodinho que aparece no comercial com o qual a Nova Schin reagiu ao uso de seu ex-garoto-propaganda pela Brahma.

‘Esse negócio de ser parecido com o Zeca Pagodinho é fogo. Há mais de cinco anos, muita gente nem me chama mais pelo nome, mas de Zeca’, diz ele e conta que, quando a propaganda da Nova Schin começou a ser veiculada, seu filho dizia para todo mundo: ‘Olha lá, é o meu pai’.

Clemente, que não gosta de pagode, se acostumou com a situação. Nem estranhou quando, no início da semana, a Brasil Casting, agência de modelos que trabalha para produtoras de vídeo, o procurou convidando para um trabalho.

Nele, o vistoriador de carros para companhias de seguro, que nunca foi ator, tinha apenas de figurar no fundo de um comercial, dizendo poucas palavras, mas reagindo ao que seria dito ao redor. ‘Foi uma experiência nova’, diz ele. E afirma, aliviado: ‘Agora, ninguém mais irá me chamar de traidor na rua, de vira-casaca’. Clemente brinca: ‘Estava fazendo o comercial da Nova Schin e continuo fazendo. Posso provar. Não traí ninguém’.

Pai de três filhos, Clemente também está satisfeito de agora poder mostrar a eles que é ele mesmo quem está no comercial de televisão. Quanto à cerveja, traição e dinheiro, ele evita falar. Garante que a grana que ganhou dá para quebrar uns galhos. E se outra cerveja o convidar para um comercial? Fica difícil responder, mas ele espera que novos trabalhos apareçam.’



Beatriz Coelho Silva

‘‘Como não cumpriram o combinado, traíra são eles’’, copyright O Estado de S. Paulo, 20/03/04

‘Zeca Pagodinho rompeu unilateralmente o contrato assinado em meados do ano passado com a fábrica de cerveja Nova Schin porque, segundo ele, a empresa não cumpriu o que haviam acordado verbalmente.

Em sua primeira entrevista após a ‘revanche’ da Nova Schin, que veiculou um anúncio sobre traição por dinheiro, ele devolveu a taxação de ‘trairagem’.

‘Nós combinamos bocalmente, como diz um amigo meu, que eu ia só experimentar a cerveja, mas não tinha obrigação de bebê-la. E não havia nada que me impedisse de ir a qualquer lugar ou me obrigasse a ir em eventos’, contou Zeca.

‘Eles combinaram também que, sempre nos lugares aonde eu fosse, teria alguém para me levar a Nova Schin. Como nunca apareceu ninguém – e eu bebo mesmo Brahma, todo mundo sabe disso -, nunca experimentei a cerveja em público.

Como não cumpriram o combinado, traíra são eles e não eu’, afirmou o cantor, lembrando o nome do peixe usado pela campanha da Nova Schin para fazer referência à adesão dele à campanha da concorrente Brahma, que provocou polêmica no meio publicitário.

Zeca não contou quanto ganhou para fazer propaganda da cerveja, nem quanto havia recebido antes da Nova Schin. Mas disse ter feito questão de, no contrato com a Brahma, incluir o patrocínio no valor de R$ 10 mil para a Escola de Música que mantém em Xerém, no município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. ‘Esta foi mais uma promessa feita pela Nova Schin e não cumprida. Agora, tomara que a Brahma faça a parte dela’, disse Zeca.

‘Quanto a esse cachê de R$ 3 milhões, se foi isso tudo, ainda falta eu pegar o resto, que é bastante coisa. Mas eles (Brahma e a agência Africa) estão cuidando dessa parte da rescisão do contrato, porque para mim não interessa nem o dinheiro, eu só quero tomar minha cerveja em paz e fazer a minha música.’

Zeca contou ter decidido analisar o contrato com a Nova Schin no show que deu na segunda semana de fevereiro, no Credicard Hall, para lançamento de disco Acústico. O público lhe ofereceu uma cerveja e ele disse que depois tomaria umas ‘Brahmas’. Segundo a assessora de imprensa Jane Barbosa, um representante da Nova Schin foi aos bastidores e pediu ao cantor que prestasse atenção e fizesse referência à cerveja que o patrocinava.

No carnaval, Zeca ficou sabendo que, pelo contrato, deveria ir ao camarote da Nova Schin, o que ele não planejava fazer. A negociação com a Brahma durou cerca de um mês, mas o comercial e o samba que virou jingle, foram gravados em quatro dias. ‘Eu relutei muito e ainda mexi na letra do samba para não ofender a Nova Schin’, conclui Zeca. ‘Portanto, se é assim, não traí ninguém porque não havia prometido nada a ninguém, só experimentar a nova cerveja. Porque todo mundo sabe que eu bebo é Brahma.’’