Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Mídia e a política do avestruz

A edição de segunda-feira (25/8) da Folha de S.Paulo publica a fotografia de uma manifestação realizada em São Paulo, no domingo, para pedir punição aos torturadores que atuaram nos organismos de repressão política durante a ditadura militar. Apenas a foto e um texto curto, sem mais referências. Os outros jornais, nem isso. Ignoraram completamente o acontecimento.


Desse modo, o tema da abertura dos arquivos sobre o período do regime de exceção, reclamado por parentes de mortos e desaparecidos e por pesquisadores, vai sendo varrido para baixo do tapete da História. Sob o olhar complacente da mídia.


A única exceção da chamada grande imprensa é a revista CartaCapital. Em sua edição desta semana, a revista entrevista o juiz espanhol Baltasar Garzón, que foi responsável pelo processo que condenou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet. E reproduz o conteúdo da reunião que ocorreu no dia 7 de agosto no Clube Militar, no Rio, quando militares da reserva protestaram contra a possibilidade da abertura de processos contra torturadores.


O texto é quase cômico, não fosse o fato indiscutível de que os autores das declarações ali reproduzidas conseguiram intimidar o governo e estão sendo levados a sério pela imprensa em geral.


Fatos relevantes


Com base em uma gravação de 133 minutos, CartaCapital retrata uma espécie de delírio que parece ter tomado posse dos participantes no evento do Clube Militar. Um delírio muito semelhante ao estado de espírito que se apossou do Estado brasileiro durante vinte anos, produzindo o período mais nefasto da história política do país.


Para alguns leitores, pode parecer incompreensível que a imprensa esteja tentando impedir que manifestações pela punição de torturadores sejam levadas a público. Pelo menos para que o tema seja devidamente discutido pela sociedade civil. Afinal, é senso comum que um dos papéis do jornalismo seria ajudar a sociedade a juntar no cotidiano os fatos relevantes que vão compor a História.


Mas tudo indica que, como em outros assuntos nos quais se sente desconfortável, a imprensa prefere fingir que o acontecido não aconteceu.