Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia, política e crise no Brasil

Mídia: crise política e poder no Brasil, o novo livro de Venício A. de Lima, oportunamente publicado às vésperas da eleição presidencial, oferece ao leitor uma visão geral da mídia brasileira, suas deformações históricas, sua concentração, seu papel no processo político e, por fim, a crise que está levando à sua internacionalização.

O autor dispensa maiores apresentações, visto ser um dos mais importantes e reconhecidos pesquisadores brasileiros da comunicação social, com um extenso currículo acadêmico na Universidade de Brasília, onde foi professor titular de Ciência Política e criador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política. A obra, por sua vez, transita pela sociologia da comunicação e pela economia política da comunicação, com uma escrita precisa, oferecendo interpretações instigantes, baseadas em resultados de pesquisas próprias, em referências da produção acadêmica e na própria imprensa, onde autor costuma colher amostras do pensamento vigente nas organizações que estuda.

As relações entre mídia e política é um dos temas aos quais Lima, desde a década de 1980, dedica seus melhores esforços – propondo conceitos teóricos e desenvolvendo análises conjunturais nas quais focaliza os meios como protagonistas dos processos políticos e não como meros veículos. Nessa trajetória, desde logo salientou e tratou com rigor metodológico a questão do poder da Rede Globo de Televisão, acompanhando sua atuação em diversos momentos e as mudanças de estilo e de orientação que a mantêm em sintonia com as conjunturas variáveis, na história recente do país.

Na verdade, a rede de TV desfruta de uma posição singular no cenário nacional, de modo a torná-la tão influente que qualquer movimento que faça tem inevitavelmente conseqüências nos âmbitos político e cultural. E esses movimentos – em particular no campo da política – não parecem nunca ser casuais, mas, pelo contrário, aparentam ser gestos bastante estudados, que contemplam prioritariamente os interesses estratégicos da organização.

Fiel da balança

O livro retoma essa temática da Rede Globo, mas abrange outras, por meio de textos recentes, inéditos ou reescritos e atualizados, distribuídos em três partes que examinam, respectivamente, a relação entre mídia e política; a questão da concentração da mídia no Brasil; a televisão, os jornais e opinião pública.

Indo contra a corrente dos comentários sobre o papel do jornalismo na crise política de 2005-2006, o texto que abre o livro, baseado no conceito de “escândalos políticos midiáticos”, de John B. Thompson, levanta uma questão controvertida, ao realizar, no calor de um momento conturbado, uma análise da cobertura dos episódios da crise pela grande imprensa, argumentando que a mídia adotou um enquadramento de “presunção de culpa”.

A narrativa jornalística da crise envolveu a criação e repetição diária de uma série de rótulos para se referir aos episódios, como mensalão, pizza etc., num mecanismo que pode, segundo o autor, ter induzido as audiências a avaliações inadequadas e simplificadas ou até mesmo equivocadas dos fatos. Lima indica também procedimentos adotados pela cobertura, como a omissão, a saliência e a distorção dos acontecimentos, ilustrados no texto por meio de cinco exemplos emblemáticos de matérias. Ele identifica, na amostra estudada, uma falta de compromisso com a exatidão factual e com “a observância de regras elementares do exercício profissional e dos princípios básicos da profissão”.

O texto seguinte merece destaque pela síntese que realiza de um tema complexo, ao formular sete “teses” sobre comunicação e política, apresentadas sob a forma de enunciados concisos, analisados pelo autor. São discutidas proposições como a centralidade da mídia na sociedade contemporânea; a substituição das funções tradicionais dos partidos pelos meios de comunicação; a transformação das campanhas eleitorais pela ação da TV; a conversão da mídia em ator político. Para Lima, a preocupação central com o novo papel da mídia na política deve ser com a qualidade do processo democrático, ameaçado por distorções trazidas pela concentração midiática, que compromete a diversidade e pluralidade das informações.

O autor realiza também uma análise dos 40 anos de intimidade da Rede Globo com o poder, seja agindo como legitimadora do regime militar, seja boicotando a campanha das eleições diretas em 1984, apoiando Fernando Collor em 1989 ou Fernando Henrique Cardoso, em 1998; ou, ainda, sendo o “fiel da balança” na atual crise política. Para ele, a essência do papel determinante da televisão como meio hegemônico vem do seu enorme poder de construção da realidade, por meio das representações da “realidade” que é capaz de instaurar, atuando como agência de socialização.

Andorinha solitária?

A mídia no Brasil, além de concentrada, por meio da propriedade cruzada dos veículos, está se tornando também internacionalizada, alerta o autor. A desnacionalização está envolvendo desde as grandes agências de publicidade até os grupos de mídia. Lima mostra como, por meio de artifícios legais que ampliam a participação do capital estrangeiro para além do percentual permitidos pela legislação, grupos internacionais vêm adquirindo o controle de empresas de comunicação brasileiras, tornando o país o paraíso dos grandes investidores internacionais, para os quais interessa um mercado sem exigências legais rigorosas.

Sob esse aspecto, aliás, o livro mostra como opera o sistema de concessões de canais de radiodifusão a parlamentares – legalmente proibidas –, o que ilustra bem o quadro de permissividade a que chegou esse processo, no qual parentes e “laranjas” são indicados como outorgados a fim de fugir das restrições aplicáveis a deputados e senadores.

O Jornal Nacional, um dos temas prediletos de Lima, é objeto de um capítulo que faz jus à importância do telejornal mais influente do país. Aqui, o problema é interpretar a atuação do JN na cobertura da eleição presidencial de 2002, quando abandonou o padrão oficialista e passou a dar atenção equilibrada aos principais candidatos, aumentando o volume de matérias sobre as campanhas e os grandes temas nacionais. Lima analisa as circunstâncias que poderiam explicar essa transformação, em comparação com a eleição de 1998, principalmente.

A crise financeira das Organizações Globo, as negociações entre Lula e a mídia e o novo discurso da responsabilidade social são as alternativas examinadas, mas Lima se atém em particular a esta última. Ele retoma as origens liberais desse discurso, em especial no que diz respeito à teoria da responsabilidade social imprensa, para verificar sua incidência nas práticas do Jornal Nacional.

Mas o JN não é uma andorinha solitária e, sim, parte de um conglomerado, o que leva o autor a uma outra conclusão: um grupo empresarial pode exercer o seu poder de barganha com o Estado realizando de forma diferenciada as coberturas do campo político, de modo que a análise do Jornal Nacional precisa ser combinada com a análise da revista Época e do jornal O Globo, ou até mesmo de outros telejornais da própria rede.

Leitura obrigatória

O último capítulo faz uma comparação entre jornais e televisão, em termos da sua importância na formação da opinião pública brasileira, examinando a queda das tiragens dos jornais no Brasil, concomitante à consolidação da televisão – tanto pelas dimensões da audiência desta última, como pela sua credibilidade e pelo fato de ser a principal fonte de informações na sociedade contemporânea.

Para Lima, uma alternativa à hegemonia mediática vigente seria a busca do equilíbrio entre os sistemas estatal, público e privado, o que, além do mais, é uma exigência constitucional.

Pela importância dos temas abordados pelo livro, bem como pela qualidade das análises desenvolvidas sobre eles, Mídia: crise política e poder no Brasil é leitura obrigatória para os pesquisadores que trabalham com comunicação e política. Pelo estilo e pela redação acessível aos não-iniciados, é uma sugestão para interessados não-familiarizados com a temática, mas que reconhecem sua importância para a democracia brasileira.

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Doutor em Comunicação pela ECA-USP e professor dos cursos de graduação e de pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP