Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Monteiro Lobato não merece

Poucos escritores no Brasil foram tão maltratados, humilhados e perseguidos como Monteiro Lobato (1882-1948), pelo simples fato de amar ao seu país e revelar publicamente ideias de cunho nacionalista: ‘Temos ferro e petróleo e são nossos’, afirmava. Acusação: comunista e ateu. Por se escudar na verdade é procurado como criminoso. Não lhe restava alternativa. Teria de experimentar o ambiente promíscuo, sujo e que fede a detergente pesado, a cadeia. Lá conheceu gente de boa formação cultural e malandros de toda espécie, inclusive ladrões de galinha, com especialidade em asfixiá-las, antes de meterem no saco, para não abrir o bico. Humorado, dizia que aprendeu muito sobre o outro lado da vida. Tornou-se especialista em certos tipos de conhecimento, o científico e o marginal.

Para surpresa e decepção, o escritor mais amado pelas crianças e respeitado pelos adultos de bom senso, é censurado, presentemente, por outro ‘delito’: é conivente com o racismo. Alguns de seus personagens, como Pedrinho e tia Anastácia, são capazes de subverter ideias e a ingenuidade dos miudinhos. Calúnia grosseira, descabimento exagerado e esdrúxulo, logo por parte de quem? Do Conselho Federal de Educação – CFE, por iniciativa do personagem orwelliano Antonio Gomes da Costa Neto, mestrando em relações raciais na UnB.

Teve seus 15 minutos de fama ou infâmia. Denunciou Monteiro Lobato àquele colegiado como capaz de afrontar as regras de políticas públicas ao desmerecer das relações etno-raciais através do livro Caçadas de Pedrinho, de 1933. Os conselheiros caíram na armadilha e determinaram que a obra não fosse distribuída às escolas públicas e se tal acontecesse que se colocasse ‘tarja vermelha’, por se tratar de matéria racista, logo, letal à formação da meninada na era da internet. Isto tem um nome: é censura, o que não se admite mais, sob qualquer hipótese.

A vingança dos modernistas

É demais. Monteiro Lobato nem morto descansa em paz. Em vida, muitos dos livros, todos clássicos, foram queimados nas escolas. Já não tendo como se defender, aqueles que desejam mostrar serviço levantam-lhe suspeitas de racismo, o que fere a verdade. Quando escreveu aquele livro, o contexto era diferente da situação atual. Ele não quis ofender ninguém. Só lhe interessava divertir os leitores mirins, tanto que o ministro da Educação, revendo o problema e os protestos de todo o país, pediu que o ato do CFE fosse revisto. Um vexame que manchou a imagem de grandeza de um grande brasileiro. O melhor, evitar.

O autor do Sítio do pica-pau amarelo foi um escritor tão extraordinário que, até os dias atuais, calcula-se que vendeu a impressionante soma de 45 milhões de livros, incluindo o sucesso, em determinadas décadas, em que o número de analfabetos não passava de uma vergonha, a população menor, os meios de transportes complicados e o poder aquisitivo baixo. Eu pergunto: quem, na escola, a partir da década de 30, não leu, pelo menos, uma obra desse precursor dos livros infantis em nosso país?

Até Rui Barbosa o elogiou. E nem por isso os meninos-leitores se tornaram stalinistas ou racistas. Não dá para esquecê-lo através das aventuras de um Pedrinho, o rinoceronte Quindim, o visconde de Sabugosa, Saci Pererê, Emília e tantos outros personagens que encantaram o mundo de sonhos das crianças. Os seus leitores de todos os tempos pensam melhor que a gente grande de hoje.

Além de um fabuloso autor de histórias infantis e literárias, o paulista foi um intelectual corajoso, portador de grande cultura, sendo dos poucos que teve a coragem de enfrentar os modernistas da Semana Moderna, de 1922, ao criticar em particular a pintura da Anita Malfatti. Os modernistas vingaram-se e os brasileiros estão envergonhados.

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Professor universitário, jornalista e escritor