Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

‘Não é possível dar google em tudo’

Gay Talese está otimista. Apesar das ameaças ao jornalismo impresso, por conta da expansão do alcance da internet e da perspectiva dos efeitos da crise internacional, o veterano autor, 77, acha que periódicos e revistas têm sobrevivência garantida caso continuem apostando em boas histórias. ‘Sei que falo como um velho da profissão’, disse, em entrevista à Folha, por telefone, de Nova York, onde vive. ‘Mas o mundo está cheio de coisas interessantes. Basta ser criativo para encontrá-las e disseminá-las de modo original.’

Para Talese, porém, vive-se um momento de incerteza por conta da fragilidade de alguns veículos. E destaca o exemplo do New York Times, que se encontra em uma situação econômica alarmante. ‘Vários erros foram cometidos ali. O principal deles foi terem aberto seu conteúdo on-line.’

Em sua opinião, o equívoco estaria em tornar gratuito algo que custa caro, a informação. ‘Há mentiras em todos os lados, na política, no esporte, na cultura. Buscar a verdade é a essência do jornalismo. Só que essa busca custa caro. É preciso pagar o repórter, suas contas, suas viagens, seus telefonemas e até a imensa quantidade de tempo que se perde atrás de pistas faltas.’

Se isso não for feito, conclui, não haverá diferença entre uma informação obtida pelo Guardian ou por um blog anônimo. ‘É preciso cobrar pelo que se publica. Porque se trata de uma tentativa de encontrar a verdade, uma verdade que é necessária para a sociedade e que tem um preço.’ E arremata: ‘Não é possível dar um google em tudo e achar que assim se está informado. A internet está cheia de lixo’.

Qual seria a saída, então, para evitar a queda da circulação de jornais e o desinteresse de anunciantes tanto nos meios impressos quanto nos eletrônicos? ‘Não sei’, admite. ‘A economia e os governos têm de dar conta disso. Não sou pessimista. Sei que é um momento trágico, mas o que fazemos é muito importante e não acredito que deixará de ser.’

No Brasil

Ao lado do cientista Richard Dawkins, Talese é um dos principais destaques da Festa Literária Internacional de Paraty, que acontece de 1º a 5 de julho. Desde os anos 50, está na ativa e é um dos expoentes do chamado ‘new journalism’ -não-ficção apresentada com vestimenta literária. É autor de clássicos do gênero, como A Mulher do Próximo (2002), e O Reino e o Poder (2000). Atuou no New York Times, na Esquire e em outras publicações.

Agora, o jornalista tem Vida de Escritor, livro de 2006, lançado no Brasil. A obra traz histórias sobre como algumas de suas reportagens foram feitas, sua busca por inspiração e sugere elementos em comum a grande parte delas.

Conhecido por retratar famosos, como o cantor Frank Sinatra ou o jogador de beisebol Joe DiMaggio, outra obsessão do escritor surge nessa obra: o fracasso. É o caso da jogadora de futebol chinesa Liu Ying, que perdeu um pênalti na final da Copa do Mundo de 1999 e fez com que seu país fosse derrotado pelos Estados Unidos.

Ou de certo endereço em Manhattan onde várias tentativas de criar um restaurante foram feitas, mas nunca deram certo. ‘É uma espécie de capital do fracasso em Nova York’, define. ‘Não tenho fascínio pela derrota em si, mas pelas histórias de perseverança. Dos anti-heróis que não atingem a glória. Ou seja, a maioria das pessoas.’

Apesar de prolixo, o livro é uma boa introdução à obra de Talese. Mostra o rigor e o detalhismo na apuração de fatos e expõe dúvidas comuns a autores e jornalistas.

Obama

Talese vê com bons olhos o novo governo dos EUA. Entre as qualidades de Barack Obama que enumera, destaca a nova cara do país que está sendo oferecida ao mundo. ‘Bush falou à Venezuela, ao Irã, à Cuba, à Europa e ao Brasil coisas que nos embaraçavam. Não nos sentíamos representados por ele, e sim envergonhados’, afirmou.

Mas Talese também critica a atuação da mídia no período, por não ter duvidado da informação sobre a presença de armas de destruição em massa no Iraque. ‘A imprensa também é responsável por termos mandado à morte nossos soldados e por destruirmos aquele país, que definitivamente vivia melhor com Saddam Hussein.’

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Jornalista