Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nas pegadas do mago da Folha

A empreitada não foi fácil, em razão do pouco talento para a badalação e exposição pública de seu principal personagem. Mas o jornalista Engel Paschoal encarou o desafio e produziu o livro A trajetória de Octavio Frias de Oliveira, lançado na segunda-feira (14/8), em São Paulo. O volume conta a saga do homem que fez a Folha da S.Paulo dar um salto de qualidade do ponto de vista administrativo, e preparar o caminho para as corajosas mudanças editoriais que levaram o jornal a conquistar reputação e firmar-se na liderança de circulação entre os diários brasileiros.


A base do trabalho de Paschoal são entrevistas com o publisher da Folha, seus filhos e familiares, uma extensa apuração com jornalistas que trabalharam com Frias, pesquisa documental do banco de dados do jornal e depoimentos Alberto Dines, Alex Periscinoto, Antonio Delfim Neto, Antonio Ermírio de Moraes, Boris Casoy, Carlos Alberto Cerqueira Lemos, Clóvis Rossi, Elio Gaspari, Fernando Henrique Cardoso, Getúlio Bittencourt, Ives Gandra da Silva Martins, Janio de Freitas, Jorge Paulo Lemann, José Sarney, José Serra, Lázaro de Mello Brandão, Mauro Salles, Olavo Egydio Setubal e Ricardo Kotscho. Com esse material o autor traçou um acurado perfil biográfico de um dos personagens-chave do moderno jornalismo brasileiro. Já não era sem tempo.


Na entrevista a seguir, Engel Paschoal comenta o processo de produção do livro. Nas duas páginas seguintes desta seção, os textos da introdução e da apresentação de A trajetória de Octavio Frias de Oliveira.


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O sr. Frias é reconhecidamente avesso à publicidade. Como se deu o processo de convencimento de seu principal personagem para que aceitasse o projeto do livro?


Engel Paschoal – A Mega Brasil, do Eduardo Ribeiro e do Marco Antonio Rossi, há nove anos promove o Congresso Brasileiro de Jornalismo Empresarial, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas, durante o qual é concedido o Prêmio Personalidade da Comunicação, que, por sinal, o Alberto Dines já recebeu. Até 2005, o prêmio consistia na entrega do troféu ao homenageado na abertura do congresso, com um registro no dia seguinte pelo veículo ao qual o premiado estava ligado. Em conversa com o Eduardo e o Marco Antonio, sugeri que se fizesse um livro a respeito do homenageado, que, nos últimos anos, têm sido importantes jornalistas ou empresários da comunicação. Argumentei que, devido à relevância dos nomes e à ausência de um registro do trabalho deles, o livro era o que de melhor se poderia fazer não só para resgatar e resguardar o papel do premiado, como também para agregar valor ao congresso e ao prêmio.


Aceita a idéia, coube ao Eduardo conversar com o Otavio Frias Filho a respeito do prêmio e do livro. Tivemos uma conjunção de fatores que conspiraram a favor: justamente por ser avesso à publicidade e à exposição pública, não se sabe quase nada do sr. Frias; não há uma obra que registre o papel dele não só dentro do jornalismo, de modo específico, mas como empresário de modo geral; ele já está em idade avançada (completou 94 anos neste 5 de agosto); e a própria família gostaria de fazer uma homenagem a ele, mas, imagino, não se sentia à vontade de, por iniciativa própria, produzir um livro. O Otavio foi totalmente receptivo à idéia, deve ter conversado com os irmãos Luís, Maria Cristina e Maria Helena, que também devem ter contribuído para ajudar a convencer o sr. Frias.


A partir daí, a família nos abriu totalmente todas as informações, inclusive nos fornecendo um longo depoimento dado em dois finais de semana de maio de 1989 pelo sr. Frias, no sítio dele, em São José dos Campos, a Boris Casoy, Carlos Eduardo Lins da Silva, Clóvis Rossi, Leão Serva e Otavio Frias Filho, além de fotos preciosas da família. Também tivemos uma conversa com o sr. Frias, na qual ele respondeu tudo o que perguntamos.


Com base na apuração documental e nas entrevistas que fez, o que lhe parece ter motivado, no sr. Frias, a grande virada empreendida pela Folha em 1975, e que construiu as bases do que o jornal é hoje? Os riscos à época não eram bem maiores que os desejos?


E.P. – Sem dúvida os riscos eram enormes, bastando ver estes três: vivíamos uma ditadura, o sr. Frias não tinha experiência em jornalismo e o jornal O Estado de S.Paulo tinha total, amplo e irrestrito domínio do mercado. No entanto, a visão do sr. Frias como empresário em outros empreendimentos lhe deu segurança para ir em frente. E mais: o desejo dele era ter um jornal que repercutisse e tivesse influência tanto quanto O Estado de S.Paulo. No livro ele diz que não adiantava apenas ter um jornal saneado financeiramente. Era preciso ter um jornal de importância como o Estadão. Por saber conduzir negócios e pessoas, o sr. Frias contava com profissionais altamente afinados, entre eles Cláudio Abramo. Abramo foi para os Estados Unidos para um seminário de jornalismo e levou o Otavio junto. Logo depois o sr. Frias também foi para lá e os três conversaram longamente a respeito da Folha e do momento político que o Brasil vivia. Isto foi no final de 1975.


Pedro Del Picchia fala no livro que nesse encontro de Nova York, ‘a análise política feita era que a vitória do MDB em 1974 apontava para uma mudança no regime militar. O MDB, na eleição de 74, elegeu 16 senadores dos 24 de então. Embora a Arena tivesse feito maioria de deputados no voto proporcional, sobretudo, com grande vantagem no Nordeste, no Norte, no Centro-Oeste, no voto majoritário, que era o de senador, o MDB elegeu 16 senadores e teve mais votos que a Arena. Computados os votos, o MDB teve mais que a Arena – foi quando o Quércia foi eleito aqui em São Paulo –, e esse foi um sinal que muita gente captou. Não foi só o Cláudio nem só a Folha que captaram esse sinal. A partir disso é que se organiza com mais intensidade, por exemplo, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) aqui em São Paulo, a partir disso é que o Cebrap se aproxima do MDB. Era um processo que estava em andamento, que apontava – ainda não se sabia como – para o fim da ditadura. Eu acho que foi essa percepção que o Cláudio e o sr. Frias tiveram. E começaram, no ano de 75, a pensar em algumas mudanças no jornal, que eu acredito que foram precipitadas pela morte do Vladimir Herzog’.


O sr. Frias contribuiu com pelo menos quatro grandes feitos para essa virada: levou para a Folha a visão e alguns controles do mundo empresarial; criou o Datafolha, que ampliou e, ao mesmo tempo, deu mais consistência à cobertura do jornal; bancou duas propostas feitas por Cláudio Abramo em 1975: as contratações de Alberto Dines, Paulo Francis, Newton Rodrigues, e os convites para Gerardo Mello Mourão, Oswaldo Peralva, Flávio Rangel, Glauber Rocha escreverem na Folha; e criou, junto com Abramo, em junho de 1976, a seção ‘Tendências/Debates’, que abriu espaço para todas as correntes.


Você usou no livro tudo o que foi apurado ou sobrou alguma pérola na gaveta do autor?


E.P. – O material era suficiente para um livro de no mínimo 600 páginas, ou seja, o dobro das cerca de 330 que ele tem. E esse foi um dos maiores dramas: o que deixar fora? Naquele depoimento que o sr. Frias deu em maio de 1989 há muita coisa a respeito de políticos, militares, empresários e demais pessoas com quem ele conviveu, que eu não pude aproveitar. Assim como nos depoimentos dos entrevistados. De maneira geral, posso dizer que aproveitei cerca de 30% apenas, sendo obrigado a deixar o restante fora. E pérolas, há muitas. No entanto, acredito que consegui fazer uma síntese do pensamento e das realizações do sr. Frias. O mesmo vale para os depoimentos que estão no livro. Procurei, em cada um deles, mostrar uma visão bem particular do sr. Frias. A admiração por ele é unânime, mas os motivos dela são diferentes e isso foi o que mais me atraiu nos depoimentos.


O que as novas gerações de jornalistas podem aprender com um perfil biográfico de Octavio Frias de Oliveira?


E.P. – Sem falsa modéstia, acho que muita coisa. Para começar, a história do sr. Frias é um exemplo de dedicação e superação de problemas pessoais e profissionais. E tudo é praticamente inédito, a ponto do próprio Otavio e do Luís – além de outros jornalistas que conviveram bastante com o sr. Frias – dizerem que não sabiam de vários detalhes ali relatados. Depois, há muitas informações sobre outros jornalistas e empresários de comunicação, dificilmente reunidas num só lugar como no livro. Há ainda a história da própria Folha de S.Paulo em detalhes inéditos. Além disso, coloquei muitos acontecimentos históricos que influíram na vida do Brasil, como um todo, e na do sr. Frias, em particular.


E qual a lição mais importante que o personagem deixou ao autor durante a produção do livro?


E.P. – Foram várias: a humildade, a dedicação, o profissionalismo, o respeito à verdade, o respeito, o reconhecimento e a tolerância com as pessoas. Seria impossível a Folha ser o que é hoje sem o sr. Frias.