Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Nova edição, revista e ampliada

A Editora Fundação Perseu Abramo lança a segunda edição de Mídia: Teoria e Política, de Venício A. de Lima, atualizado com capítulo sobre a concentração da mídia e a entrada de capital estrangeiro no setor. A primeira edição foi publicada em 2001.

O capítulo 4, ‘Comunicações no Brasil: novos e velhos atores’, foi reescrito para abranger dados mais recentes sobre a concentração da propriedade na mídia e destacar as implicações da aprovação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional nº 36 (veja texto completo em http://www.fenaj.org.br/Leis/emenda_const_36.htm), que deu nova redação ao artigo 222 da Constituição Federal para ‘permitir a participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, nas condições que especifica’, e franquear em até 30% o controle acionário das empresas de mídia brasileiras ao capital estrangeiro. O autor também analisa o papel da televisão na política brasileira e apresenta conceitos para a compreensão da centralidade da mídia no mundo contemporâneo.

Venício A. de Lima é jornalista, sociólogo, mestre, doutor e pós-doutor pela Universidade de Illinois; pós-doutor pela Universidade de Miami; professor-titular de Ciência Política e Comunicação aposentado da Universidade de Brasília; fundador e primeiro coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB, ex-professor convidado da EPPG-UFRJ, UFPA, UFBA, UCB e UCS, no Brasil, e das universidades de Illinois, Miami e Havana.

A seguir, sua entrevista ao sítio da Fundação Perseu Abramo (http://www.fpa.org.br).

Você afirma que a legislação atual tem permitido que ‘no Brasil sobrevivam a velha estrutura da propriedade familiar, o renovado vínculo com as elites locais e/ou regionais e a crescente presença das igrejas no setor de comunicações’. Como seria possível reverter essa constatação?

Venício A. de Lima – Não é exatamente a legislação, mas a sua ausência aliada aos interesses que foram se consolidando no setor de comunicações entre nós. Com a opção por um modelo comercial de radiodifusão ainda na década de 1930, grupos privados familiares ligados às elites políticas foram se apropriando do setor e exercendo influência decisiva na sua regulação. Os princípios inseridos a duras penas na Constituição de 1988 não lograram regulamentação no Congresso Nacional, onde a bancada que representa os interesses dos empresários de comunicações – direta e indiretamente – é historicamente muito forte. Assim, ao contrário de outros países que também optaram pelo modelo comercial, no Brasil não há controle sobre a propriedade cruzada nem sobre a formação de oligopólios de mídia. Somente um novo marco regulatório para o setor, que tenha como horizonte a democratização das comunicações, poderia reverter a médio e a longo prazos a situação atual.

Que conseqüências podemos ter com o fato da legislação brasileira permitir que os grupos nacionais trabalhem em parceria com grupos estrangeiros?

V.A.L. – A participação do capital estrangeiro na propriedade e gestão das empresas de comunicação permitida a partir da emenda constitucional nº36/2002 parece não ter acontecido dentro das expectativas do empresariado nacional do setor. Na verdade, a crise financeira na qual o setor está mergulhado afastou o investimento externo apesar do esforço de ‘enxugamento administrativo’ realizado por várias empresas. Se o capital externo vier, certamente jogará um papel decisivo na formatação da programação das emissoras de radiodifusão. E esse papel decisivo é exatamente o principal risco desse capital.

A que se deve o fato de duas grandes emissoras de TV, a Rede Record e a Bandeirantes, serem financiadas com investimentos de dois pastores, Edir Macedo e seu cunhado RR Soares respectivamente?

V.A.L. – O fato confirma a crescente presença e importância das igrejas na mídia brasileira. A Record é propriedade da Igreja Universal. São investimentos pesados que só podem ser realizados por grupos financeiramente fortes e que conhecem a importância do controle de redes de comunicações para o sucesso de seus respectivos empreendimentos.

Como explicar que a Globo, da família Marinho, o grupo nacional que detém o maior número de mídias, seja responsável 60% do total da dívida das principais empresas de comunicação do país?

V.A.L. – Por ser o grupo hegemônico no setor, as Organizações Globo são também o grupo com maior volume de investimento em áreas – como a TV paga –, cujo retorno ficou muito abaixo do projetado. Além disso, boa parte desses investimentos foram feitos no tempo da paridade entre o real e o dólar. A crise financeira no setor não é uma exclusividade brasileira e corresponde à reacomodação dos global players de comunicação em nível mundial após o falso boom provocado pela entrada de empresas de mídia no mercado gerado pela privatização das telecomunicações – e pela expansão dos negócios na internet.

Acredita que o endividamento dos principais grupos que controlam os meios de comunicação no país compromete sua independência de opinião?

V.A.L. – A independência desses grupos foi sempre muito relativa porque eles sempre tiveram uma relação estreita com o Estado, que ainda hoje é o maior anunciante brasileiro, além de permitir um sem número de benefícios – diretos e indiretos – para o setor. Esses benefícios vão desde o ressarcimento fiscal até a isenção tributária para a compra de equipamentos e matéria-prima como papel de imprensa. Desta forma, ao contrário do que ocorre em outros países, entre nós a relação mídia com o Estado já vem historicamente marcada por uma relação de interdependência.