Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

O Estado de S. Paulo

IRÃ
Adriana Carranca

Irã usa novela para fazer propaganda

‘O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, investe na criação de um novo – e mais moderno – aparato estatal nas áreas de cultura e entretenimento, com a produção própria de minisséries de TV, um canal de notícias em inglês com transmissão para o exterior e websites oficiais que difundem propaganda islâmica. Ao mesmo tempo, tem intensificado o controle do conteúdo das TVs e rádios e a censura sobre jornais, internet, livros, música e cinema.

Com o monopólio da produção televisiva e orçamento cinco vezes maior que o do Ministério da Cultura, a gigante estatal de radiodifusão Irib, diretamente subordinada ao líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, lançou minisséries nacionais na linha de sucessos americanos como Friends. Direcionadas aos jovens, exibem cenas antes impensadas no Irã, como mulheres européias sem o véu islâmico. Além de histórias de amor e amizade, no entanto, carregam mensagens políticas.

A minissérie Zero Grau retrata a história de amor entre um palestino funcionário da Embaixada do Irã em Paris e uma francesa judia a quem ele ajuda a fugir, durante a 2ª Guerra Mundial. Enquanto mostra o sofrimento de judeus no Holocausto, que Ahmadinejad chegou a colocar em dúvida, a série retrata o tio da protagonista como um judeu brutal, tirano e manipulador, de fortes ligações com o sionismo. ‘(A série) tem uma mensagem política subliminar muito clara, a distinção entre judeus e sionistas, e ajuda a reforçar o anti-sionismo’, disse ao Estado o vice-diretor do Departamento de Oriente Médio da organização Human Rights Watch, Joe Storck.

Em julho, Ahmadinejad inaugurou a emissora estatal via satélite Press TV, com notícias 24 horas em inglês. O canal tem 50% de investimento privado, mas seu conteúdo é totalmente controlado pelo Estado. No discurso de inauguração da emissora, Ahmadinejad fixou como uma de suas missões ‘expor as notícias propagandistas dos inimigos’. A Press TV também conta com um site de notícias em tempo real, alimentado por quase 400 jornalistas, entre eles 26 correspondentes internacionais, em cidades como Washington, Nova York, Londres, Beirute e Damasco. Internamente, o governo controla todo o conteúdo de radiodifusão e tenta bloquear o acesso a canais como BBC e CNN. Antenas parabólicas são proibidas desde 1994.

O Conselho Supremo da Revolução Cultural, subordinado a Khamenei e responsável por todas as políticas culturais e de educação, ordenou a estatização das empresas de acesso à internet e em 2003 passou a filtrar os sites – estima-se que 10 milhões sejam bloqueados. Em janeiro, o Parlamento tornou obrigatório o registro de blogueiros e donos de websites. Em paralelo, funcionários do governo – até Ahmadinejad – criaram sites próprios.

Para Stork, a estratégia de transmitir mensagens políticas por meios destinados a jovens é uma indicação de que o regime começa a reconhecer que precisa dessa população. ‘Essa nova geração não viveu o período do xá Reza Pahlevi, não guarda memórias da Revolução Islâmica e não se identifica com seus ideais’, disse ao Estado o advogado iraniano Payam Akhavan, especialista em direitos humanos e multiculturalismo. ‘São jovens modernos, grudados nos canais internacionais via satélite e viciados em Internet. Sabem o que acontece em outras partes do mundo e têm os mesmos objetivos de democracia, liberdade e prosperidade.’

PROIBIÇÕES

Ao mesmo tempo, o governo tenta limitar o acesso a produções do Ocidente. No início do ano, o ministro da Cultura e Orientação Islâmica, Hossein Saffar Harandi, proibiu a reimpressão e venda de clássicos da literatura ocidental. Já o Conselho baniu das rádios e TVs músicas consideradas ‘indecentes’. A importação de CDs já era proibida. Também está em discussão um documento do Conselho propondo novas regras para o cinema nacional, a ser votadas pelo Parlamento em 2008. Entre os tópicos está o ‘apoio à identidade nacional e religiosa como estratégia para evitar a invasão cultural’.

‘O principal objetivo da política do Irã em relação ao cinema não tem sido artístico ou econômico, mas o resultado de um projeto ideológico’, diz a pesquisadora brasileira Alessandra Meleiros, autora do livro O Novo Cinema Iraniano, que viveu seis meses em Teerã. ‘Na produção audiovisual, a propaganda política é crescente.’

‘Não podemos dizer que não há censura’, disse ao Estado o cineasta Mohammad Afarideh, diretor do Centro de Documentário e Filmes Experimentais, criado para estimular a produção de jovens iranianos. ‘Mas em qualquer sociedade há regras a ser seguidas.’

Para analistas, Ahmadinejad tenta atrair os jovens em torno da mesma atmosfera ultraconservadora da era pós-revolução. ‘Ele sabe que, no fim, poderá contar com o nacionalismo persa. Por isso, aposta no programa nuclear. Mas voltar no tempo é impossível. Essa nova geração não quer mais isso’, disse o analista político Mohammad Soultanifar, da Universidade de Azad.’

Controle estatal

‘Internet – Desde janeiro, o Estado exige o registro oficial de sites. Estima-se em mais de 10 milhões as páginas com acesso bloqueado

Imprensa – Constituição proíbe divulgação de notícias ‘nocivas’ aos princípios do Islã. O Estado e os clérigos controlam a maioria dos 20 diários impressos

Rádio e TV – Devem seguir ‘critérios islâmicos e interesses do país’. Todas as emissoras são estatais: oito rádios nacionais e uma de ondas curtas para o exterior, quatro TVs nacionais e quatro canais internacionais de notícias

Música – Este ano, foram banidas de rádios e TVs músicas ocidentais, consideradas indecentes. A venda de CDs ocidentais é proibida’

 

VENEZUELA
Renata Miranda

Socialismo de Chávez chega à cultura

‘Depois de anunciar diversas mudanças nos campos político e econômico da Venezuela, chegou a vez de o presidente Hugo Chávez incluir a cultura em seu projeto do ‘socialismo do século 21’. Desde que chegou ao poder em 1999, Chávez parece empenhado em criar um império midiático estatal, centralizando sob o controle do governo a produção televisiva, cinematográfica e, agora, musical do país.

‘Chávez quer centralizar a cultura venezuelana da mesma maneira que fez com outros setores’, afirmou a chefe do Departamento de Comunicação da Universidade Central da Venezuela, Moraima Guanipa, ao Estado, por telefone. ‘O presidente está criando um aparelho cultural paralelo que deslegitima outros organismos que já atuavam nesse meio há anos.’

Chávez – que declarou guerra ao ‘imperialismo cultural’, exigiu que as rádios tocassem mais música nacional e criou um pólo de cinema para encorajar a produção venezuelana – continua promovendo sua ‘revolução cultural’ no país, agora com a inauguração do Centro Nacional do Disco (Cendis) no dia 15. No site do Ministério do Poder Popular para a Comunicação e a Informação da Venezuela, o diretor do Cendis, Xulio Formoso, afirma que um dos principais objetivos do projeto – orçado em US$ 7 milhões – é ‘difundir o projeto bolivariano’ do presidente. O órgão vai produzir inicialmente 28 mil CDs e DVDs diariamente para ‘democratizar’ o trabalho de artistas nacionais.

Atualmente, Chávez controla seis emissoras de TV, incluindo a Televisão Venezuelana Social (TVes). A TVes substituiu a Rádio Caracas Televisão (RCTV), emissora privada que não teve a concessão renovada pelo governo em maio. O Estado possui também oito estações de rádio, uma agência de notícias e a maior provedora de internet do país, a Cantv.

No ano passado, o presidente inaugurou a Vila do Cinema – uma instituição que conta com uma produtora de vídeo de última geração e tem como prioridade os filmes cujo roteiro venere a história do país. Muitos dos projetos da instituição, que traz em seu site o slogan ‘Luzes! Câmera! Revolução!’, são políticos e criticam o chamado ‘imperialismo ianque’. Um dos projetos em andamento é o filme Bambi C-4, baseado na história do ex-agente da CIA Luis Posada Carriles – apontado por Cuba e Venezuela como o autor de vários atos terroristas, entre eles a explosão de um avião cubano que fazia a rota Caracas-Havana em 1976 que deixou 73 mortos.

De acordo com o cientista político Oscar Reyes, da Universidade Andrés Bello, os projetos culturais do governo estão diretamente vinculados às idéias socialistas de Chávez. ‘Esses projetos têm como objetivo tentar trocar a mentalidade burguesa pela proletária’, afirmou. ‘Se você assistir à emissora TVes,por exemplo, vai notar que eles, assim como as outras emissoras públicas, só dão espaço para filmes cubanos e russos e documentários sobre os movimentos antiglobalização.’ Segundo Reyes, a televisão ainda é um dos grandes campos de batalha do governo.

O analista político venezuelano Jesus Herrera, da Universidade Simón Bolívar, em Caracas, afirma que o governo de Chávez foi uma ruptura na cultura do país.

‘Os governos anteriores não davam importância à cultura nacional’, disse Herrera. Segundo ele, Chávez implementou uma política nacionalista para revalorizar a tradição cultural da Venezuela. ‘Chávez é antiimperialista e encontrou na cultura uma maneira de promover o bolivarianismo.’’

TECNOLOGIA
Ethevaldo Siqueira

No iForum, o admirável mundo novo do software

‘Avanços extraordinários estão ocorrendo no mundo do software. Um deles é o da ‘eficiência da entrega de aplicativos’, melhor tradução para application delivery. Para entender esse conceito, uma boa comparação talvez seja a da entrega de produtos físicos. Como garantir a entrega pontual e precisa de uma pizza, revista, carta ou encomenda no endereço do cliente? Todo fornecedor de produtos físicos gostaria de contar com um sistema simples, mas confiável, que envolva não apenas a supervisão da infra-estrutura, mas de toda a logística, ou ciclo de transporte desses produtos, com a possibilidade de acompanhar e corrigir problemas em qualquer ponto do processo. E, na verdade, os maiores couriers, como FedEx, DHL ou outros, já contam com algum sistema desse tipo.

No mundo da computação, tudo se faz de forma virtual, com ferramentas de acompanhamento da entrega de aplicações armazenadas no próprio computador, na rede local ou num servidor remoto. Os softwares de entrega de aplicações podem ser empregados em, pelo menos, três ambientes: na internet, nas estruturas cliente-servidor e em desktops.

Essa foi, em síntese, a agenda do iForum Global, evento realizado em Las Vegas, há poucos dias, num encontro de mais de 3 mil especialistas mundiais em software de empresas como Citrix, Microsoft, Dell, HP, Fujitsu, VMware, IBM, Neoware, Xensource, Wyse e dezenas de outras.

Assim como a Microsoft lidera a área de sistemas operacionais e softwares para PCs no mundo, com a plataforma Windows, a Citrix Systems tem sido uma das principais empresas nessa área de application delivery ou ‘eficiência da entrega de aplicativos’. Por isso, tem promovido o iForum Global, anualmente, desde 1997, com seus parceiros.

VIRTUALIZAÇÃO

O conceito de virtualização é um dos mais modernos nessa área de entrega de aplicativos. Imagine, leitor, que você possa acessar em seu laptop os aplicativos armazenados em seu escritório ou em sua casa, esteja onde estiver, graças a um software desse tipo. O executivo pode deixar o escritório à noite e retomar seu trabalho, em sua casa ou em Tóquio, com todos os recursos virtuais de seu computador ou do servidor de sua empresa. Eis aí, de forma bem simplificada, um exemplo de virtualização.

Mas o programa de palestras do iForum envolveu muito mais do que virtualização, abrangendo o progresso de áreas da computação verde, da eficiência de aplicativos e da segurança da informação.

Computação verde é uma idéia afinada com os problemas do aquecimento global e com a defesa do meio ambiente. Assim, para reduzir o consumo de energia e as emissões de gás carbônico (CO2), os cientistas e usuários pensam hoje em computadores cada vez mais simples, poupadores de energia, que buscam aplicativos em servidores distantes ou na própria rede, graças aos recursos da virtualização. É a volta do sonho antigo de que ‘o computador é a própria rede’ – tão debatido no final dos anos 80 e começo dos 90.

O FÓRUM

O iForum Global nasceu com a proposta de conferir uma nova direção à computação, dizem os organizadores. O que aconteceu nesses dez anos foram centenas de inventos, avanços e inovações que trouxeram, acima de tudo, uma grande sinergia à computação no mundo. Em especial à computação móvel ou àqueles usuários que precisam trabalhar em locais remotos.

Uma das primeiras áreas de sucesso dessas ferramentas de entrega foi a dos desktops que rodam sistemas operacionais Windows, em todas as suas versões. Hoje, segundo a Citrix, a cada dia a rede de suporte à infra-estrutura de softwares de entrega de aplicativos dá apoio a mais de 200 mil empresas, nas quais trabalham 70 milhões de usuários corporativos, que rodam aplicativos de virtualização em seus desktops.

E mais: 75% de todos os usuários da internet rodam alguma forma de softwares desse tipo no Google, Yahoo, Ebay, Amazon, MSN ou outros gigantes da internet.

A utilização desses softwares pelos usuários de produtos da Microsoft é um bom exemplo, pois, graças à virtualização, a plataforma Windows Vista e aplicativos como o Word 2007 ganharam recursos e confiabilidade que não teriam sem essa tecnologia.

A virtualização, na opinião dos especialistas, abre novas perspectivas às redes de dados e de comunicações e aos softwares aplicativos. Aumenta a produtividade e dá apoio à decisão, à internet, ao comércio eletrônico, à contabilidade financeira, ao desenvolvimento de capital humano, à administração de clientes e à colaboração.

Numa demonstração no Laboratório Tecnológico do iForum Global, em Las Vegas, os participantes puderam ver o desempenho de um desses softwares de entrega, o WanScaler Microsoft Windows Server 2003, que combina a aceleração de aplicativos com os serviços de rede e programas baseados no Windows .

Para os interessados brasileiros, será oferecida uma versão local do Citrix iForum, que será realizado no dia 8, no WTC Hotel, em São Paulo.’

 

LITERATURA
Antonio Gonçalves Filho

A vida oculta de Freyre

‘Os 20 anos da morte do autor de Casa-Grande & Senzala, o recifense Gilberto Freyre, são marcados por três iniciativas que colocam em discussão a obra do sociólogo – lembrado, como nenhum outro no Brasil, tanto por intelectuais como por populares (em 1962, a escola de samba Mangueira desfilou com enredo inspirado em seu mais famoso livro). A primeira delas é um estudo destinado a provocar polêmica, Gilberto Freyre: Uma Biografia Cultural (Editora Record, 714 págs., R$ 80), do antropólogo Enrique Rodríguez Larreta e do professor de Letras Guillermo Giucci, ambos nascidos no Uruguai. Nela, a dupla examina os anos de juventude de Gilberto Freyre, de 1900 a 1936, traçando uma genealogia intelectual de suas principais contribuições sociológicas. As outras duas iniciativas são o lançamento do livro de memórias do maior amigo de Freyre, Edson Nery da Fonseca, Em Torno de Gilberto Freyre, que será lançado na próxima semana, e uma exposição que o Museu da Língua Portuguesa inaugura no dia 27.

Na biografia cultural escrita por Larreta e Giucci, Freyre surge como uma personalidade multifacetada, uma identidade não só em conflito com as culturas por onde passou, na América e Europa, como com a própria sexualidade. O livro da dupla é bastante honesto para não fugir de temas como as experiências homoeróticas de Freyre ou outras discussões incômodas – sobretudo sobre a tese de que a presença de uma democracia étnica leva automaticamente a uma democracia social. Nesse sentido, todo Gilberto Freyre, defendem os autores da biografia, conflui para Casa-Grande & Senzala.

Não por outra razão, eles concentram seus esforços na análise da obra central do sociólogo, vista como a representação de um mito, ‘uma crença profunda para ser compartilhada por uma nação’ no valor da mistura de raças e da integração dos contrários. O dado biográfico, justificam, é essencial para se entender as condições de possibilidade da obra. ‘Só alguém com conhecimento em primeira mão de outras culturas modernas podia valorizar, comparativamente, a experiência brasileira da miscigenação’, escrevem os dois professores, que concederam uma entrevista ao Estado, reproduzida nesta e na página seguinte.

Como se diz na biografia, as posições políticas do sociólogo nos anos 1960 contribuíram para que sua obra fosse lida como uma justificação ideológica do patriarcalismo escravocrata. Em que medida os estudiosos estrangeiros ajudaram a recolocá-lo no patamar dos pioneiros da moderna antropologia?

Dentre os historiadores franceses da Escola dos Annales, como Fernand Braudel e Lucien Febvre, Gilberto Freyre sempre foi reconhecido pelas qualidades de seu principal livro, Casa-Grande & Senzala. Esses historiadores destacaram sua contribuição para uma antropologia histórica, com ênfase no cotidiano, na culinária e na cultura material. Nessas leituras, a temática racial ou as posições políticas nunca estiveram em primeiro plano. Intelectuais franceses famosos como Georges Dumezil, Philippe Ariès e Maurice Blanchot foram simpatizantes da direita nacionalista francesa nos anos 1930. Até mesmo um antropólogo de ampla influência no Brasil, como Claude Lévi-Strauss, sustentou posições políticas acerca da imigração, das mulheres e da cultura muçulmana que podem ser consideradas reacionárias. O vínculo entre a obra de um autor e suas opiniões políticas não se expressa em simples relações de causa e efeito, nem comprometem o conjunto de sua obra, como é mostrado em nossa biografia de Gilberto Freyre.

A leitura corrente de Gilberto Freyre identifica em sua obra uma defesa ideológica da miscigenação que camuflaria uma realidade de discriminação racial. A leitura dos textos de Herbert Spencer sobre os antípodas marcou o pensamento antropológico do brasileiro?

Spencer foi uma influência de juventude e que era muito comum em intelectuais de sua época, inclusive no Brasil e na América hispânica. Basta lembrarmos de Silvio Romero e Jorge Luis Borges, entre outros. Em nossa biografia, argumentamos que na obra madura de Freyre, a partir de Casa-Grande & Senzala, Franz Boas e o círculo de Columbia foram as suas principais influências universitárias. Em termos de influência, para não realizarmos um simples inventário, é preciso levar em consideração a apropriação criativa do autor desde seu próprio espaço de reflexão intelectual. No livro, é mostrado que as teses de Freyre sobre a questão racial não podem ser compreendidas como uma simples ideologia de justificação da discriminação. Ao contrário, trata-se de uma crítica lançada contra o racismo biológico que até hoje defende o argumento da existência de raças inferiores e superiores.

A sensualidade de Freyre contrastava como a secura do pai, Alfredo. O tratamento ousado que Freyre dá à sexualidade do brasileiro, em especial à precocidade e promiscuidade sexual do homem, não seria uma resposta a essa austeridade patriarcal, uma provocação a esse mundo herdado do colonizador português que ele tanto ridiculariza em seus primeiros escritos?

Em uma boa medida, sim. Há um questionamento da rigidez burocrática, dos excessos de formalismo gramatical, da cópia mecânica dos modelos estrangeiros, assim como há a valorização do corpo e dos sentidos, do mundo do trópico em contraposição à ‘civilização carbonífera’. Esses são tópicos constantes da reflexão de Gilberto Freyre, que será amadurecida ao longo de sua obra, a partir de suas próprias experiências existenciais e da comparação com outras culturas modernas.’

TELEVISÃO
Etienne Jacintho

Pobres adolescentes ricos

‘Gossip Girl é considerada a série mais quente da temporada nos EUA. Apesar de não ter uma audiência explosiva, já garantiu uma temporada completa. E a publicidade em torno da atração de Josh Schwartz e Stephanie Savage – a dupla de The O.C. – é massacrante. Quando se chega em Nova York, os rostos dos atores da série estão em todos os lugares: nos ônibus e nos outdoors, inclusive no ponto mais nobre da Times Square, onde um cartaz chega a custar US$ 300 mil.

Com todo esse bombardeio, já estava me sentindo familiarizada com a série quando encontrei o elenco para um bate-papo na cidade que nunca dorme. Mas falar com os atores de Gossip não foi uma tarefa fácil. Foram necessários dois longos dias para conseguir apenas 10 minutos com cada um dos adolescentes do elenco principal. Foi uma maratona!

NO SET

No primeiro dia, a espera foi no set onde está localizado o colégio, um dos ambientes mais recorrentes na atração e que, vez ou outra, funciona realmente como uma escola para uma das atrizes, a jovem Taylor Momsen, de apenas 14 anos. ‘Tenho de estudar no set e é uma locura!’, conta a intérprete de Jenny, a caçula que faz de tudo para entrar na turma dos bacanas de Upper Side. ‘É divertido interpretar Jenny porque ela é inocente, mas descobre outro lado de sua personalidade quando começa a sair com essa turma.’

E tudo em Gossip Girl gira em torno da popularidade dessa turma liderada por Serena (Blake Lively) e Blair (Leighton Meester). O ator Penn Badgley – que vive o descolado Dan, irmão de Jenny – deu uma boa definição para a série: ‘Todos os dramas adolescentes têm triângulos amorosos, desilusões, perda de virgindade, abuso de álcool… Existe a fórmula, mas Josh Schwartz sabe como tornar isso original’, defende. ‘Além disso há a cidade. Afinal, Nova York é um personagem, assim como foi em Sex and the City.’

A história começa exatamente com um triângulo amoroso formado entre Nate (Chace Crawford) e as amigas Serena e Blair. ‘Nate gosta das duas’, conta Chace, o garoto que nunca viveu a vida de seu personagem. ‘Sou um garoto do Texas e o dinheiro de lá é diferente do de Manhattan.’

NA CIDADE

No dia seguinte, a jornada comecou no Soho, onde os atores de Gossip Girl se reuniram para gravar cenas de uma festa em um loft. No meio da rua, duas mesas enormes com todos os tipos de comida – de pães e bolos a saladas e frutas, além de muito café – estavam dispostas. O engraçado é que nenhum transeunte estranhou aquele circo. Imagine se fosse no Brasil?

Nos intervalos das gravações, os figurantes matavam a fome e esta jornalista tentava alguns minutos de entrevista com Blake, a protagonista. ‘Serena é a garota mais popular da escola’, fala Blake. ‘Ela dormiu com o namorado da melhor amiga e decidiu sair da cidade e dessa bolha em que ela e os amigos vivem.’

O piloto de Gossip Girl mostra o retorno de Serena a Manhattan e todas as confusões que isso irá implicar, principalmente em relação a Blair, a melhor amiga. ‘A dinâmica entre Blair e Serena é muito interessante’, conta Leighton. ‘Blair vê serena e tem todos esses sentimentos de insegurança, baixa auto-estima.’

POPULARIDADE

Na série, quem conta as fofocas da turma é uma autora desconhecida de um blog chamado Gossip Girl. Na vida real, o elenco diz não se interessar por esse tipo de notícia, mas os atores admitem estar se preparando para a popularidade. ‘É engraçado ver minha cara na Billboard porque sou tímida e aquela garota não se parece comigo!’, fala Leighton. ‘Não estou pronto para o sucesso, mas acho que posso lidar com isso’, diz Chace.Para Taylor, a preocupação é evitar fofocas: ‘Espero que não haja uma Gossip Girl na minha escola.’

Viagem feita a convite da Warner’

Alline Dauroiz e Keila Jimenez

Todos querem entrar na tropa

‘Nem Camila Pitanga, muito menos Antônio Fagundes. A estrela mais disputada agora pela TV é o Capitão Nascimento. Sucesso de pirataria e bilheteria, o filme Tropa de Elite é o alvo da vez de um cabo-de-guerra entre emissoras abertas e pagas.

No páreo estão Globo, Record, RedeTV! e SBT. A HBO corre por fora, ao lado de uma produtora internacional.

Diretores, produtores e até os atores do longa, entre eles, o protagonista Wagner Moura (Capitão Nascimento), manifestaram o interesse de levar a história adiante como série. Isso bastou para ser dada a largada do Aventuras do Bope, como o projeto vem sendo chamado no meio.

‘Não esperava todo esse interesse das TVs, mas quando viram que pessoas de todas as classes sociais assistiram e gostaram do filme, se interessaram na hora. Elas querem audiência’, afirma o diretor do longa, José Padilha.

A Globo saiu na frente. Convidou o diretor para conversar. A Record logo entrou na briga. Na mesma fila estão Rede TV! e SBT, já com a carteira na mão.

‘Minha única exigência é que tudo (a negociação) termine logo’, diz Padilha. O tom, é claro, é de brincadeira, já que o diretor segue almoçando aqui e ali, negociando.

Ele pensa em uma minissérie com 12 episódios, mas nada de retalhar o filme em capítulos. Quer algo novo. ‘Não acho que o apelo do filme perca a força na TV. Tem muita história pra ser contada. Ninguém abordou ainda a questão das milícias nas favelas, por exemplo’, afirma Padilha.

Por achar muito cansativo comandar sozinho um seriado, Padilha quer chamar outros diretores para dividir a tarefa, e está animado com a idéia de primeiro produzir a série, para depois vender. Talvez uma parceria internacional pinte na jogada. Por hora, as duas únicas certezas são: que as gravações começam em junho e que Capitão Nascimento continuará implacável.’

Mário Viana

Não-atores confundem talento com boa memória

‘A coisa não vem de hoje. No distante 1969, Pelé já estrelava, ao lado de Regina Duarte, uma novela de Ivani Ribeiro chamada Os Estranhos. A novela era esquisita, mas certamente a participação de Pelé não devia ficar atrás. Em 1972, a cantora Maysa (1936 – 1977) se arriscou na novela de Ody Fraga Bel Amy, fazendo par romântico com Adriano Reys. Era uma novela fraca e nem a intensa Maysa conseguiu agüentar o tranco. Saiu no meio. Atualmente, a coisa anda mais rigorosa: os não-atores, quando entram numa novela, vão até o final.

As duas maiores produtoras de novelas brasileiras têm não-atores em seus elencos. A Record exagerou na dose. Caminhos do Coração, a novela dos mutantinhos, tem os cantores Fafá de Belém e Tony Garrido no núcleo dos bonzinhos. E a inenarrável Preta Gil é uma das vilãs da trama. A Globo não fica atrás e tenta convencer o telespectador de Duas Caras que a elegante jornalista Marília Gabriela tem pinta de favelada, sim senhor.

Do grupo, que já tem as modelos Letícia Birkheuer e Fernanda Lima em suas hostess, Tony Garrido é o único cujo desempenho interpretativo é – vamos pensar numa palavra bem educada… – insosso. Fafá de Belém e Marília Gabriela se defendem. Seus personagens são exóticos o suficiente para distrair o público. E Preta Gil fica muito engraçada exibindo seus dotes artísticos dentro de uma camisola insinuante. Como sabe que nunca será uma Bibi Ferreira mulata, Preta Gil entra e sai à vontade de suas cenas, não comprometendo o produto.

Está certo que fazer novela pode não exigir mais que boa memória para decorar as falas das cenas – sempre curtas – e a naturalidade de quem prega uma peça nos amigos. Mas, as mesmas emissoras que investem tempo e dinheiro em não-atores vêm de um passado mais glorioso. Foi graças às tramas rocambolescas das novelas que até os brasileiros mais humildes puderam conhecer o trabalho requintado dos atores de verdade – de Sergio Cardoso, Fernanda Montenegro e Paulo Autran até Matheus Nachtergaele e Lázaro Ramos. Por mais simpáticos que sejam, não-atores não passam disso: simpáticos. Atores, de verdade, tocam em outras cordas dos nossos corações.’

Roberto Godoy

Mês bom; GNT ruim

‘O relógio do programador da GNT está exigindo um ajuste esperto: o show de conversa Late Show com David Letterman, programado para entrar no ar à meia-noite e meia, acaba atrasando todos os dias. Na média, o retardo é de 12 minutos – e quem ganha é a turma da ação solitária, gratificada com os programas de sexo que invadem o horário do entrevistador. Na madrugada de quarta-feira, por exemplo, os assinantes que esperavam a entrevista com o ator Jamie Foxx viram um filmete mostrando o trabalho de um site que disponibiliza na internet as ‘faces do orgasmo’ – pessoas comuns que se masturbam diante de uma câmera. É inglês, claro.

Ainda assim, é novembro. E o mês revela um esforço de reação. Há estréias previstas, como a do mais novo 007 (Cassino Royale, sábado próximo às 22h no Premium) com o ator Daniel Craig. A Globo News promete muito com o especial 200 Anos da Chegada da Corte Portuguesa ao Brasil, também no dia 10, às 21h05. E uma semana depois a bem-sucedida série brasileira Mandrake, de Marcos Palmeira, inicia a segunda temporada na HBO, às 22h. Mais cult que isso só a malcomportada tragicomédia Weeds: para iniciados, amanhã, às 23h30, no GNT, com a maconheira Mary -Louise Parker.’

PEQUIM 2008
John Hughes

Guia de vigilância multimídia

‘A China vê a Olimpíada de 2008 como uma oportunidade de apresentar ao mundo sua face mais positiva e sorridente. De fato, o país lançou um concurso internacional de fotos de crianças sorrindo sem indicar, como de costume, que uso fará das imagens.

Tudo isso é um tremendo desafio para um regime que usa técnicas ocidentais para administrar a economia de mercado aberto enquanto mantém o controle político com todo o aparato repressor de um governo comunista.

No congresso partidário concluído recentemente em Pequim o líder do Partido Comunista e presidente da China, Hu Jintao – que, para alguns no Ocidente, poderia traçar um rumo político mais moderado para o país -, usou a palavra ‘democracia’ mais de 60 vezes no discurso de abertura. No entanto, como a revista Economist observou secamente, ‘pouca coisa mudou’. Até porque a democracia requer, entre tantos outros elementos de infra-estrutura, uma imprensa livre capaz de representar os governados e vigiar os governantes sempre e quando necessário. É um conceito estranho ao regime de Pequim, assim como à maioria dos governos comunistas.

Certamente com os dentes cerrados, o governo chinês, acusado por críticos estrangeiros de não merecer sediar a Olimpíada enquanto prende e persegue jornalistas, prometeu afrouxar as rédeas na reta final para os jogos e mesmo durante o evento – num período que vai de meados de 2007 a outubro de 2008. É o que informam documentos oficiais: a meu lado, enquanto escrevo, está uma cópia de 263 páginas, impressas no computador, do Guia de Serviço para a Cobertura da Mídia Estrangeira da Olimpíada de Pequim.

Pois bem, embora o guia prometa liberdade de movimento em lugares ‘abertos a estrangeiros segundo designação do governo chinês’ e afirme que os jornalistas do exterior serão livres para informar sobre a política, a sociedade, a cultura e a economia do país, observadores da mídia avisam que Pequim já quebrou promessas anteriores de abertura aos meios de comunicação e nenhum dos supostos relaxamentos deverá diminuir a pressão sobre os jornalistas chineses. Entre os assuntos não-olímpicos que o governo gostaria de ver retratados em coberturas está o website oficial dos Jogos de 2008. Ele sugere uma visita à Estação de Tratamento de Esgoto do Rio Qinghe, em Pequim. Sem dúvida, uma história que dificilmente será disputada por jornalistas famosos da TV americana.

Já em websites fora da China, grupos de defesa da liberdade de imprensa conclamam o Comitê Olímpico Internacional (COI) e organizações esportivas mundiais a se pronunciarem em favor de sua causa e dos direitos humanos de maneira geral. Por exemplo, o instituto Repórteres sem Fronteiras, sediado na França e ativo em cinco continentes, é abertamente contra a realização da Olimpíada em Pequim. Em uma das manifestações públicas a respeito do tema, a organização argumenta que as autoridades chinesas prometeram avanços concretos no campo dos direitos humanos para ganhar o direito de sediar os jogos, ‘porém mudaram o tom depois de conseguir o que queriam’. Pelo menos 30 jornalistas e 50 internautas estão detidos atualmente, afirma o grupo. Agências de propaganda, segurança pública e policiamento da internet dedicam-se a silenciar os críticos. Quanto à mídia internacional, os repórteres não podem se movimentar livremente no Tibete ou em Xinjiang. Para sublinhar o posicionamento crítico, os Repórteres sem Fronteiras estão vendendo camisetas com os dizeres Pequim 2008 e os cinco anéis olímpicos substituídos por algemas.

Em outubro, a diretoria do Comitê de Proteção aos Jornalistas, baseado nos EUA, manifestou ‘séria preocupação’ com a autonomia de trabalho da imprensa na China, dez meses antes do início dos jogos. A diretoria do comitê, formada por 35 jornalistas proeminentes, disse que os líderes chineses não cumpriram os compromissos pró-liberdade de imprensa assumidos durante a campanha para sediar a Olimpíada. O grupo pediu que a China ponha fim à censura, ao elaborado sistema de controles da mídia e às regras para a punição de jornalistas. E conclamou o COI, os patrocinadores dos jogos e as organizações de mídia que participarão da cobertura a exigir que a China cumpra suas promessas nesse campo.

Em seu último relatório sobre liberdade de imprensa, a respeitada Freedom House, de Nova York, afirma que os jornalistas chineses, para não ter problemas com o Departamento Central de Propaganda, ‘muitas vezes praticam a autocensura, um costume reforçado pela doutrinação ideológica freqüente e por um sistema de remuneração que só paga os profissionais depois que suas reportagens são publicadas ou transmitidas. Quando um jornalista escreve uma matéria considerada controvertida demais, o pagamento é suspenso’.

Em artigo publicado em agosto no Wall Street Journal, Sophie Richardson, da organização Human Rights Watch, afirmou que os jogos, como um rito de passagem para a China, haviam alimentado esperanças de que o país cumprisse as promessas de liberdade de imprensa. ‘Contudo, na reta final para o evento, as perspectivas para a mídia definitivamente não são boas.’ O presidente Bush anunciou que visitará a China durante a Olimpíada. Seria bom se ele se lembrasse de lembrar Hu que um discurso mencionando a palavra ‘democracia’ 60 vezes deveria motivar uma imprensa mais livre que a que se vê na China hoje.’

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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